Planeta Terra 2012 . 20.10.2012

Jockey Club – São Paulo

POR Stefanie Gaspar publicado em 24.10.2012

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Todo festival de música de grande porte (até mesmo no caso de eventos temáticos e específicos voltados a nichos como o público teen ou sertanejo) costuma se organizar a partir de uma hierarquia básica criada pela noção de "relevância". Enquanto que uma curadoria mais atual procura encontrar quais artistas novos estão se destacando em cada uma de suas respectivas áreas para compor as ramificações da estrutura, o esqueleto do festival costuma ser formado por headliners com algum apelo de massa - ou seja, uma banda (ou artista solo) mainstream suficiente para pagar as contas e vender ingressos.

Embora os festivais do mundo todo ainda tendam a trazer artistas do molde antigo da indústria para encabeçar seus line-ups, aos poucos as tendências estão mudando - e, com exceção do recém-chegado Sónar, o Planeta Terra é o único festival grande no Brasil que consegue trazer para si um pouco dessa nova lógica de mercado em suas escalações, trazendo artistas que estão renovando tanto cenário gringo quanto o nacional. Já tocaram no Terra artistas como Toro Y Moi, músico com menos de cinco anos de carreira, Gang Gang Dance, grupo com discografia extensa mas cuja musicalidade inverte qualquer padrão tradicional de “pop”, Passion Pit e Yeasayer, entre outros. Longe da ideia de poder mainstream, tais artistas mostravam o que de novo e/ou vanguarda que estava rolando mundo afora.

Exatamente por essa característica de inovação, foi surpreendente ver que o Planeta Terra 2012 deixou um pouco de lado a força de nomes mais atuais para apostar em um line-up balizado por quatro medalhões: Suede, Garbage, Kings of Leon e Gossip. O Kings of Leon, aliás, já foi visto pelas plateias brasileiras na primeira edição do SWU fazendo exatamente a mesma turnê, do álbum Come Down Sundown. Embora o Gossip possa até ser deixado de fora desta lista, já que cancelou duas vindas ao Brasil e a chegada da banda faz sentido dentro dessa relação com o país, o grande problema não é a existência dos grandes nomes, todos com grande número de fãs e com contextos bons para suas respectivas apresentações, e sim a ausência de novos nomes. Com exceção da rapper sensação Azealia Banks e talvez da garota Little Boots, nenhum outro artista representava bem a variedade de sons, influências e tendências que estão surgindo na música a todo momento, seja na eletrônica ou no rap, no rock ou no folk. E mesmo apostando em muitos medalhões – ou talvez, por isso mesmo, medalhinhas -, nem assim o festival conseguiu esgotar seus ingressos (o que acontece todo o ano muito antes do anúncio completo do line-up). Algo de falência do modelo pode ser tirado daí, embora em um quesito o festival tenha sido impecáveis: mesmo tendo saído da zona de conforto do Playcenter e tentado pela primeira vez uma edição no Jockey Club de São Paulo, o Planeta Terra contou com uma organização bem feita e que evitou até mesmo muvuca na saída e na entrada.

Mesmo com a chuva, o line-up questionável e a lama que já se acumulava no Jockey Club (alô, Lollapalooza, quem aí lembra?), fomos conferir o resultado da edição 2012 do Planeta Terra. As nossas impressões você lê logo abaixo.



Little Boots

A garota inglesa Victoria Hesketh, aka Little Boots, sempre soube muito bem o significado do termo hype. Muito antes de lançar seu álbum de estúdio (e único até agora), Hands, de 2009, a artista já tinha sido capa da Fader e personagem principal de várias revistas, blogs e sites dedicados à música nova. Seu primeiro grande single, “Stuck on Repeat” (que não precisava mesmo nem ser tocado duas vezes para ficar grudado na cabeça pelas próximas horas), virou mania de DJs do mundo todo e material para inúmeros remixes e edits, muito antes de a garota ter feito uma única turnê. Exatamente por ser um show ainda fresco e com pouco material para mostrar, foi com hesitação que Victoria chegou ao palco do Planeta Terra - timidez que não durou nem cinco minutos, já começando a apresentação com o hit.

Em entrevistas e em alguns de seus singles, Little Boots costuma mostrar uma multiplicidade de influências que vai desde sons trash pegos do Youtube a hinos de diversos estilos da música eletrônica, ao mesmo tempo em que é fortemente moldada por hits radiofônicos de artistas como The Killers e Coldplay. A garota vai do mais esdrúxulo ao mais coxinha, do mais sujo ao mais pop, e parece não se importar com essa mistura. Talvez por uma inocência musical ou por uma imaturidade geral de ideias, tais influências acabam ficando tão óbvias e diluídas a partir de ideias do mainstream que o o resultado é um pop eletrônico agridoce demais. Curiosamente, o que funciona pouco em estúdio ganha toda uma nova lógica no palco, com o carisma de Victoria e sua boa voz transformando o que antes era datado em algo divertido e bom para a pista. O público respondeu extremamente bem para um show que começou tão cedo, e Little Boots mostrou com músicas como “Motorway”, “New In Town”, “Earthquake”, “Small Town Boy”, “Shake” e “Remedy” que nasceu para os palcos - e, ainda melhor, para shows em festas e pequenos clubes com um ambiente mais propício para as melodias eletrônicas que a cantora tanto ama.



Azealia Banks

Carente de atrações ligadas ao rap e à música eletrônica, o Planeta Terra 2012 ao menos conseguiu agradar um pouco a ambos os públicos com a vinda da rapper sensação Azealia Banks. A garota desbocada e atrevida de apenas 21 anos trouxe o Harlem para São Paulo com uma apresentação curta (menos de meia hora), mas que incendiou o palco Indie do festival mesmo competindo com os veteranos do Suede no palco principal. De coturno, top azul brilhante e mini short combinando, a garota trouxe o sex appeal de clipes como “1991” e “Liquorice” para o palco, dançando com a mesma sensualidade e deboche que exibiu quando foi capa da revista Dazed and Confused soprando uma camisinha.

Com flow bem construído, rimas ultra rápidas e uma desenvoltura impressionante para alguém tão no começo de carreira, a garota enfileirou palavrões, insultos e trouxe ao público músicas como “Out of Space”, “Neptune” e “Atlantis” (da mixtape Fantasea), “Van Vogue”, “Luxury”, “1991”, “Liquorice” e “Esta Noche”.

A manipulação que a rapper faz de sua própria persona é impressionante, criando identidades e conceitos imagéticos para si própria em um piscar de olhos - ou, no caso da garota, em uma simples mostrada de língua. De furação sexy a mulherão roots, de dominatrix a sereia digital, de garota inocente a criadora de tendências, Azealia é praticamente um acontecimento, muito condicionado pela disseminação rápida de singles na web e por seu flerte com artistas mainstream como Scissor Sisters e até mesmo Lana del Rey. A garota alia rimas rápidas, imagem confiante e sempre mutante, personalidade explosiva (Azealia já apagou o próprio Twitter, criou mais um, anunciou que ia abandonar o rap com menos de um ano de carreira e já arranjou briga com todo mundo que cruzou seu caminho) e vibe fashionista, já tendo tocado na casa de Karl Lagerfeld e participado de uma campanha de Alexander Wang.

O show ganha, e muito, por trazer quase todas essas facetas ao mesmo tempo, proporcionando um furacão que estava faltando na edição de 2012 do Planeta Terra. É sempre bom quando um primeiro show em um país consegue mostrar de fato a personalidade do artista, suas influências musicais (de dirty south a sons do Caribe, de elementos ravers a bases sujas da fidget house, do dancehall ao funk carioca, de colagens do Youtube a elementos mainstream) e ainda assim deixar o público com vontade de ver e saber mais. Mesmo com a qualidade da estrutura sonora deixando a desejar e a produção não ajudando ao cortar o som do palco nos últimos dez minutos, Azealia conquistou o público antes de sair correndo para o camarim segurando o top que ia caindo.



Suede

Alguns shows não se relacionam com novas tendências musicais, novos movimentos do mercado da música, hype, novos talentos ou mesmo bandas antigas retornando com repertórios novos. Alguns (ou muitos) shows existem pelo fator nostalgia, que todo fã de música sabe valorizar e enxergar, mesmo que 10 ou 20 anos tenham se passado. Pode não ser uma apresentação para todo mundo - e raramente é -, mas a importância desses momentos nos imaginários dos fãs é inexplicável, inestimável e difícil de colocar em valor de mercado ou de tendências do mundo da música. Ver uma banda do coração não tem nada a ver com disco novo no repertório, nada a ver com tendência x ou y - aí, o fator afetivo fala mais alto e é impossível desvalorizar esse sentimento sem cair na crítica vazia ou tentar tecer altos elogios sem cair no encanto de tiete.

Foi com essa quantidade de dedicação à sua própria nostalgia que os fãs dos veteranos do Suede se dirigiram para a grade do festival Planeta Terra. Meteoros do britpop nos anos 90, a banda comandada por Brett Anderson nunca havia tocado no Brasil, o que fez com que a apresentação do grupo fosse ainda mais simbólica para os poucos que se amontoaram na frente da grande para assistir ao show com fervor. Diferentemente do Garbage, que veio ao Planeta Terra apoiado no álbum Not Your Kind of People, lançado este ano, o Suede não lança material inédito desde A New Morning, de 2002, e veio ao país com uma coleção de seus principais clássicos do neo-glam-rock noventista.

Assim como o primeiro show da volta do Pulp, que aconteceu no festival Primavera Sound em 2011, a primeira vinda do Suede ao Brasil caracterizou uma espécie de culto para os fãs do britpop e da banda, voltando aos anos 90 com uma força que o presente raramente permite. Fazendo justiça ao grupo, é inegável que os hits continuam com a mesma força - e o vocalista Brett Anderson segue com a aura sexual ambígua dos seus ídolos setentistas. Mantendo os falsetes impecáveis e com um vocal ainda preciso, o cantor desfilou um best-of da própria carreira, num repertório que incluiu “She”, “Trash”, “Animal Nitrate”, “Filmstar”, “We Are The Pigs”, “The Wild Ones”, “The Drowners”, “Flashboy”, “So Young”, “Heorine”, “Saturday Night”, “New Generation” e “Beautiful Ones”. Quem foi ao festival para se encantar com o britpop do Suede conseguiu atingir as expectativas - mesmo que grande parte do público pouco soubesse sobre os veteranos que estavam no palco.



Best Coast

Com o público disperso e colocado em meio a outras apresentações mais conhecidas pela galera que circulava, o Best Coast precisou se esforçar para conduzir sua apresentação no começo do festival. A dupla Bethany Cosentino e Bobb Bruno fizeram um show delicado misturando elementos da música country, do surf-rock e do indie-rock, mesclando com equilíbrio sonoridades de tom ensolarado com melodias mais etéreas e psicodélicas. O tom leve e propositalmente letárgico e compassado do show, entretanto, não ajudou a concentração do público, ainda mais em um começo de festival que antes tinha tido no mesmo palco o agitado show da cantora Little Boots. O repertório do álbum mais recente do Best Coast, The Only Place, não conseguiu brilhar como em estúdio, muito menos trazer a delicadeza mais urgente de canções como o cover de Fleetwood Mac, “Rhiannon”, que a dupla fez para uma compilação recente.

A alternância entre guitarras intrincadas e melodias instantâneas e fáceis de assimilar, muito presente em The Only Place, não conseguiu ser transposta com sucesso para o palco, motivo pelo qual o público começou a se dispersar ainda mais após pouco tempo de show. As letras urgentes, fortes e de uma carência quase adolescente em sua sinceridade ("You say that we're just friends, but I want this till the end") perderam sua força com a letargia dos andamentos, uma delicadeza que funciona em estúdio mas não deu certo no Planeta Terra.



The Gossip

O público brasileiro precisou ter uma paciência invejável para finalmente ver uma apresentação da banda de Beth Ditto por aqui. Depois de dois cancelamentos, um deles sem muitas explicações, a banda finalmente desembarcou no país com o repertório de seu álbum mais recente, A Joyful Noise, lançado em 2012. E o show, muito aguardado, conseguiu corresponder às expectativas do público e ganhou de Azealia Banks no quesito plateia enlouquecida.

Embora seu novo álbum não traga a riqueza de referências de outros trabalhos do grupo - caso de Music For Men, de 2009 -, exagerando na pegada de rock de arena FM em hits como “A Perfect World”, o show da turnê provou que consegue equilibrar bem o passado do grupo com o presente, que começou como uma banda punk antes de abraçar o pop electro de sua fase mais recente. Era possível ver essa primeira fase nos vocais por vezes rasgados de Beth Ditto, que se mostrou uma excelente vocalista, mostrando em sua performance flertes com paixões declaradas de suas pesquisas musicais como Loleatta Holloway e outras divas da disco music. Ter energia em cima do palco e carisma sempre é um caminho andado para qualquer apresentação, ainda mais do headliner de um festival, mas só isso não costuma segurar uma análise mais minuciosa. E foi por isso que o Gossip acertou: jogando sem vergonha de ser pop seus maiores hits radiofônicos, como “Standing In The Way Of Control”, com um groove tão certo que é de se espantar que tantas influências da música negra estejam vindo de um bando de branquelos, a banda conquistou os críticos, os fãs e os céticos e colocou todo mundo para dançar. A apresentação contou com músicas como “Love Long Distance”, “8th Wonder”, “Move in The Right Direction”, “Listen Up”, “Melody Emergency”, “Four Letter Word”, “Men In Love”, “What's Love Got to Do”, “Into The Wild” e “Heavy Cross”.

Para fazer justiça à performance completa, o repertório em geral poderia de fato ser um pouco mais trabalhado, usando a banda com a mesma consistência do vozeirão de Beth Ditto. Algumas baladas, por exemplo, diminuem a força da apresentação, e quando o grupo erra no clima, erra feio, sem concessões. O flerte com hits radiofônicos dos anos 80 são um perigo e um movimento desnecessário, por exemplo. Mas os acertos são tão mágicos que é difícil reclamar, ainda mais em um festival que teve um line-up tão pouco comentado quando este. E, como disse uma amiga, não importa os erros que o Gossip cometa ao longo do show: é difícil diminuir a força de um hino como” Men In Love”, que proclama "dance, like nobody is looking. Shake, like you know what you're doing. It's the perfect crime. Men in love. With each other", uma proclamação tão simples e tão necessária como essa - em SP, nos EUA, no mundo. E a coisa fica ainda mais legal quando Beth Ditto desce do palco para beijar todas as bees da grade.

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 Azealia banks, Suede, Planeta Terra 2012, The Gossip, Best Coast, Little Boots

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