Renata de Bonis . Figurativismo, Deserto e Solidão

Artista reflete sobre o futuro da pintura e da arte figurativa

POR MARINA MANTOVANINI
publicado em 12.12.2011 17:56  | última atualização 16.12.2011 17:40

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Um pequeno ateliê na Zona Oeste de São Paulo comporta as dores, angústias, telas, livros e discos de Renata De Bonis. É lá que a artista produz seus quadros com cores opacas e temática solitária. A história com a pintura começou quando ela entrou no curso de artes plásticas da FAAP e decidiu remar contra a corrente: “No começo dos anos 2000, havia uma forte onda de arte e novas tecnologias. Os professores reforçavam esse lado, mas eu nunca consegui me envolver, por isso comecei a pintar e a me identificar com as poucas pessoas que também pintavam”.

Enquanto os amigos enveredavam pelos caminhos do vídeo e da fotografia, Renata se aproximava cada vez mais das tintas e dos pincéis. “Comecei fazendo arte abstrata. Primeiro eram áreas de cores, depois paredes de cores, só então parti para a pintura figurativa.” A primeira exposição foi organizada por ela e mais três artistas, entre eles a pintora Regina Parra. “Nós pegamos uma casa, cada um ficou com uma sala e expôs seu trabalho. Foi algo muito legal, porque vários galeristas apareceram para conhecer quem estava começando na pintura.”

Hoje, Renata é representada pela galeria carioca Laura Marsiaj e apresenta um trabalho autoral contemporâneo que reflete as aflições da artista sobre a existência humana e sua resposta à noção de que a pintura, especialmente a figurativa, está morrendo.

Depois da invenção da fotografia, a tradição figurativa começou a morrer para dar à luz telas abstratas. Rodchenko foi um dos que detectaram isso. Por que retomar a imagem figurativa?

Quando eu estava na faculdade, me apaixonei pelos expressionistas abstratos. O Rothko era um dos pintores que eu mais amava, por isso minha pintura começou abstrata, com áreas de cores. Mas foi difícil começar pelo abstrato, eu me sentia travada. Com o tempo, essas áreas de cores foram se transformando em elementos arquitetônicos, em paredes, em casas e paisagens.

Como começou a história do grupo 2000eoito? Vocês realizaram uma exposição para discutir os caminhos da pintura, arte que estava sendo deixada de lado.

Éramos um grupo de pintores e começamos a nos encontrar uma vez por semana para discutir o assunto. A ideia era montar uma exposição só de pintura para cada um mostrar seus trabalhos. Não era um trabalho coletivo, cada artista pintava em seu ateliê. Queríamos fazer uma expo grande, com catálogo, o que conseguimos graças a uma matéria da jornalista Camila Molina. Quando saiu, recebemos um convite do SESC Pinheiros. A expo foi super bacana, e logo depois todo mundo recebeu convites de galeristas. O grupo acabou aí, já que metade queria continuar e a outra metade não. Estavam preocupados com a visão de coletivo, não queriam o nome vinculado ao grupo. Mas foi muito bom, porque a partir daí todo mundo deu um gás no seu trabalho.

Hoje há uma geração de artistas que usa fotografias para compor. Você também parte de fotos ou apenas de memórias? Como uma tela sua é pensada?

Tem muitos pintores que fazem essa relação da imagem fotográfica com a pintura. Eu parto da fotografia apenas como referência, desenho a partir dela. É um start, me ajuda a fazer umas colagens de imagens, mas não tenho essa preocupação com o realismo.

Você tem uma série sobre memórias esquecidas, emprestadas. Qual é o papel da lembrança pra você?

Vejo o meu trabalho como um diário. Quando montei meu portfólio, percebi que via minha vida toda ali. Meu trabalho diz muito sobre mim, e tem a ver com o momento que vivo. O que me move, o que eu tento resolver na pintura e na arte, é a angústia de ser um indivíduo sozinho. Isso mexe muito comigo. Se eu não fizesse arte, não sei o que seria de mim. Acaba sendo uma análise constante, assim eu resolvo muitas coisas.

Você se utiliza de uma paleta de cores sempre muito contida, e suas telas lembram pintores como Luc Tuymans e Giorgio Morandi. A pintura para você é uma reflexão filosófica em que as cores quentes não interagem?

Quando comecei a pintar óleo, uma coisa que me incomodava muito era o brilho. Aí um artista me ensinou a fazer uma cera de abelha com terebentina para deixar ela opaca. Deixar a tinta opaca me dá uma possibilidade de conseguir falar sobre o que eu quero, com as cores que quiser. Essa paleta apagada, com bastante cinza, reforça a minha vontade de chamar o pensamento para um olhar mais detido.

Como foi a experiência de fazer uma residência artística no deserto de Joshua Tree (no sudoeste da Califórnia)? Como isso influencia no seu trabalho atual?

Residência artística é uma experiência muito rica. Depois de entrar no mercado, que é cruel e é difícil, decidi que queria fazer uma viagem. Não queria ir para outra cidade, tipo Londres ou Paris. A residência no deserto era algo diferente, e foi inacreditável. O deserto é um lugar mágico. Eles me forneceram uma casa com um ateliê gigante. Para ver alguém, tinha que alugar um carro e dirigir meia hora. O deserto me ensinou muita coisa – você se sente atrapalhando o funcionamento do lugar, os coiotes corriam em volta da minha casa durante a noite, tive contato com bando de bicho, vida selvagem. Você descobre como a natureza é forte. O lance do vegetarianismo, tudo isso veio dessa experiência.

Foi uma mudança grande, pintar no deserto. Eu pintei muito. Como o calor era violento, tinha um esquema de acordar bem cedinho, sair de carro, fotografar, desenhar e voltar para pintar em casa. Fiz várias coisas em papel e madeira. Fiquei pouco mais de um mês, e foi um período intenso de produção. É uma oportunidade de sair deste mundo, sem se preocupar com contas a pagar, só com a pintura, com o trabalho e com o desenho.

Para quem pinta telas figurativas, a técnica é muito importante. Como você enxerga o desenvolvimento nos seus trabalhos?

Eu consegui chegar aonde queria. Estou satisfeita com a minha mão. Passei um tempo olhando as pinturas do pintor polonês Wilhelm Sasnal. Ele tem uma coisa de construção – só com diferentes direções consegue construir um rosto. Eu ficava maluca vendo aquilo. Fiquei estudando esse tipo de pincelada e testando umas coisas, e minha mão foi mudando. Antes eu tinha uma preocupação maior com o desenho, com o acabamento, pintava as paisagens, as casas tinham um acabamento próprio. Hoje consegui deixar minha mão mais livre, a pincelada mais solta. Consigo construir um rosto, uma imagem, com mais liberdade. É para esse lado que estou querendo ir, deixar alguns maneirismos para trás.


Foto: Fernando Martins Ferreira

Como é o seu ritmo criativo?

O meu trabalho demora para ser feito. Não consigo vir para o ateliê, comprar um monte de tela e ficar pintando. Eu trabalho meio por série, tem a ver com a fase da vida. Primeiro penso nos desenhos e vou elaborando, as pinturas acabam meio que conversando, elas todas conversam. Eu crio mundos, tenho uma visão em conjunto, como se fosse uma história.

Você tem uma ligação muito forte com a música – aliás, é a única referência ao universo pop em seus trabalhos. Como as casinhas na Aberdeen de Kurt Cobain.

Voltei a ouvir muito Nirvana recentemente. Comecei a ver umas fotos da cidade e, quando vi a foto da casa que ele morou em 86, estava muito ligada em coisas relacionadas a ele. Mas a música sempre entra na pintura, às vezes só com o título, algum detalhe na exposição ou na tela. Por exemplo, na exposição Sangue Frio, uma banda abriu a vernissage. Eu sempre tive um desejo de ver esse mundo da arte ficar mais descontraído. Enxergo isso no mundo da música.

Suas exposições sempre têm cartazes.

No começo eu levava tudo a sério demais, hoje tento deixar a exposição mais leve. Toda mostra faço um cartaz, porque é a possibilidade de qualquer pessoa levar uma parte do meu trabalho para casa. A arte tem que aproximar as pessoas.

Você cita o artista Edward Hopper como sua maior influência. Ele faz uma crítica ao way of life americano com uma pintura extremamente realista. Onde você enxerga isso no seu trabalho?

Sempre me identifiquei com essas figuras solitárias, tenho dificuldade em viver nos dias de hoje. Quando você tem tudo, parece que não tem nada, mal consegue se mover. Tudo é muito difícil, as pessoas não param de ter filhos, e mesmo assim são sozinhas, assim como essas figuras do Hopper, que são sempre solitárias. Falta esse cuidado com as relações humanas. Me identifico no jeito como ele retrata esse homem que está em uma metrópole, mas vive só.

Além de solitária, sua última expo The Damage is Done é muito soturna.

Essa expo veio depois de ler muito, voltar a ler o Camus. O Estrangeiro é um livro importante para mim. As pinturas do deserto foram criadas com uma visão externa das coisas, como se eu assistisse ao mundo passar. Os trabalhos atuais nascem de uma visão mais interna, de angústias minhas, de problemas meus. Como eu queria ver o mundo, lugares onde gostaria de estar, uma relação afetiva com aqueles lugares. Esse último ano foi difícil para mim em todos os aspectos, desde o trabalho até as relações pessoais. Estou bem mais forte. Perdi uma amiga em um acidente, fui assaltada e agredida, me senti um alvo no mundo e não conseguia fugir disso, me senti atacada. Teve um episódio em que um cara simplesmente me deu uma chinelada na rua. Foi um lance pesado, eu estava carregada, me fechei muito e, como a pintura serve de análise, acabei levando isso para as telas. Com problemas desse tipo, busquei no meu trabalho o refúgio. Depois que vi essas pinturas prontas foi bom. Sei que a expo ficou pesada, eu me transferi para os personagens.

Você também fez instalações.

Acabei fazendo trabalhos tridimensionais, em bronze. Fiz duas instalações. Uma delas era uma pilha de pássaros pequenos em bronze, como se tivessem sido varridos – falando sobre morte, que era uma coisa que estava rondando minha cabeça. A outra eram vários pássaros em bronze muito pesados, pendurados no teto. A pessoa entrava e sentia esse peso de quinze pássaros. Como quando eu andava na rua e tinha um peso em cima de mim.

Tem projetos pela frente?

Eu gostaria de reproduzir em imagens o livro O Estrangeiro, de Camus.

Saiba mais:

renatadebonispinturas.blogspot.com

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