Fumito Ueda é o nome menos conhecido do triunvirato nipônico dos games. Junto com Shigeru Miyamoto, criador do Mario, e Hideo Kojima, mente por trás da série Metal Gear, Ueda levou uma nova visão ao muno dos jogos eletrônicos. Enquanto Miyamoto praticamente inventou os jogos de plataforma e Kojima inaugurou o estilo stealth nos games, Ueda quebrou as barreiras da comunicação Oriente/Ocidente com simplicidade e emoção. Isso pode ser visto e sentido na remasterização das suas duas obras primas colocadas em um mesmo pacote: Ico and Shadow of The Colossus Collection (exclusivo para Playstation 3). Ico e Shadow of The Colossus são dois jogos distintos, mas com alguns pontos em comum. O principal deles é a forte ligação sentimental entre seus personagens principais. Ico e Yorda no primeiro, e Wander e Agro – seu cavalo – no segundo.
No jogo de 2001, o garoto amaldiçoado com um par de chifres é enclausurado em um castelo, assim como todos que nascem com essa deformidade em seu vilarejo. Livre de seu sarcófago por conta de um acidente, Ico acaba encontrando Yorda, uma criatura feminina um tanto etérea, que fala uma língua que ele não entende, e que é perseguida por sombras que tentam a todo custo puxá-la para uma espécie de outra dimensão, onde só existe a escuridão. O garoto se vê forçado a ajudá-la, já que para escapar do imenso castelo precisa dos poderes da menina para abrir portas mágicas e tem apenas um pedaço de pau para protegê-la dos seres demoníacos que a perseguem.
Já em Shadow, um guerreiro vai até uma terra distante e esquecida com a esperança de trazer de volta à vida sua amada. Para isso, é instruído por um estranho deus a matar dezesseis Colossi, criaturas imensas que são como a força da natureza encarnada. Wander passa a acreditar que as almas expurgadas dessas criaturas lhe darão o poder de ressuscitar Mono – mesmo que o preço para tanto seja alto demais.
As versões originais de ICO e Shadow of The Colossus abusavam de uma certa neblina para disfarçar detalhes dos cenários que o PS2 não tinha capacidade para apresentar de forma satisfatória. Já em HD tudo isso salta da tela. Os efeitos de luz estão impressionantes. Os cenários, parte importante das duas aventuras, finalmente ganham toda a dimensão que deveriam ter. A direção de arte é feita com maestria, ressaltando o que antes era privado por conta da tecnologia sem descaracterizar o ótimo trabalho que o Team ICO fez em 2001 e 2005, ano de lançamento dos títulos. Vale lembrar ainda que ambos os jogos podem ser apreciados em TVs que suportem a exibição em 3D estroboscópico, o que torna a experiência ainda mais vívida.
ICO, que não gozou do mesmo sucesso comercial de Shadow, é uma verdadeira revolução. Sem barras de energia ou qualquer indicativo de nada, o game foca a relação de amizade entre dois seres que não conseguem se comunicar por meio de palavras e que dependem um do outro para sobreviver e alcançar seus objetivos. Por mais minimalista que possa ser, o enredo engaja o jogador de uma forma nunca vista, pegando-o pelo coração. É impossível não se emocionar. Aliás, nessa remasterização o jogador tem a versão europeia do game, na qual, após terminar a aventura, as falas de Yorda são legendadas em inglês em uma segunda jogada, além do fato de poder jogá-lo junto com um amigo. O mesmo pode-se dizer de Shadow, com o original conceito de jogo feito quase que exclusivamente de batalhas contra “chefões”. A carga sentimental é tamanha que a emoção de se matar um Colossus é confusa. O jogador fica eufórico com a vitória contra um ser tão imponente, mas ao mesmo tempo fica com pena do derrotado, porque se tem a impressão de que com isso se está extinguindo uma raça mágica de tempos que nunca mais voltarão, e que não fizeram nada para merecer isso.
Assim como clássicos do cinema ganham DVDs ou Blu-rays com versões especiais recheadas de extras, ICO and Shadow of The Colossus Collection traz em seu pacote alguns documentários e entrevistas exclusivas, além de cenas inéditas do que deve ser a última parte da trilogia do Team ICO: The Last Guardian. Nos extras, Ueda e sua equipe contam as aventuras de fazer jogos que se provaram à frente de seu tempo e como eles foram evoluindo desde os primeiros rabiscos e conceitos até o produto final. Falam sobre discussões a respeito de detalhes que podem parecer pequenos, mas que acabaram se mostrando essenciais para dar “alma” aos games, como o fato de ICO não possuir uma barra de energia, ou de como o projeto NICO – embrião de Shadow – era para ser um multiplayer e continuação direta de ICO. Um verdadeiro banquete de informações e bastidores para aficionados e curiosos.
Para os mais veteranos, a chance de reviver as aventuras – e todas as lembranças afetivas que elas carregam – imaginadas por Fumito Ueda é uma experiência nostálgica sem preço. Já para os mais novos, é a oportunidade de vivenciar pela primeira vez a mágica inovação que esses dois títulos acrescentaram à evolução dos games.