Que filme é esse?
Filme japonês de samurais, dirigido por Takashi Miike.
Serviço?
Estreia 20 de julho, em São Paulo e Rio de Janeiro.
A história?
Treze samurais se juntam para uma missão de honra: impedir que o irmão adotivo do Shogun continue desonrando o Império e o shogunato com seus atos enlouquecidos, violentos e aleatórios. A solução? Ferro.
Um diálogo bacanudo?
“O homem que valoriza a vida, morre como um cachorro.
Vocês me ofereceram suas vidas. Eu vou dispor delas como quiser.”
Quem fez?
Takashi Miike. Diretor loucão e ultra-pop alternativo japonês. O IMDB lista 88 títulos que dirigiu – em 21 anos de carreira. O Tarantino é fã. Rolaram dois filmes dele em Sessões do Comodoro, do Carlos Reichenbach.
Quem vai curtir?
- Fãs de e os outros mangás da dupla Kazuo Koike e Goseki Kojima – que foram lançados por aqui pela Panini, Nova Sampa e muito tempo atrás Cedibra.
- Fãs de cinema de Samurais e afins – mas dos japoneses, não Hong Kong. Não tem wirefu aqui e o CG é usado na pancadaria, não pra fazer chuva de flechas, árvores mudando de cor e demais metáforas slow motion. Não espere os saltões de algumas cenas dos filmes do Lobo Solitário, nem isso rola. Pode retroceder sem dó até os Kurosawa das antigas que é essa vibe.
- Fãs de cinema americano da época que o mainstream era pauzudo. Westerns – entrando por uns Sete Homens e um Destino e caindo até uns Peckinpah como Pistoleiros do Entardecer e Meu Ódio Será Sua Herança – mas também encaixam filmes como Os Doze Condenados.
Elocubrando:
Engraçado o processo de deixar um filme decantando em sua cabeça. Fazem duas semanas que eu assisti esse filme. São duas semanas procurando uma forma de começar esse texto que não seja contando a historinha ou então o caminho mais óbvio de falar do diretor Takashi Miike. Pois é, mas não tem. Porque o Miike não tem como não ser o assunto principal, ele é esse tipo de cara, que não faz simplesmente um filme, mas sim, faz um filme dele, com a cabeça dele.
E a cabeça dele é bem louca.
Volta prum resumo rápido do homem: primeiro crédito de direção que consta no IMDB? 1991. Depois desse? Mais 87 títulos . Dá uma média de 4 direções por ano – entre filmes e umas mini-séries de TV. Um desavisado pode pensar “ah, mas um cara que dirige novela faz ainda mais horas finalizadas por ano. E 4 filmes por ano? Te garanto que faz muito mais que isso o mano lá que dirige os filmes com o Kid Bengala”.
Beleza, caro crítico do crítico, concordo com seu pensamento que se volume por si só representasse algo, o Ryoki Inoue já estaria na Academia Brasileira de Letras desde seu 800° livro. A questão é o trampo do cara em si. Desses 88, dá pra passar a régua e dizer facilmente que qualquer pessoa que queira entender realmente o cinema e a indústria pop japonesa - não necessariamente mainstream, perceba – tem que assistir uns 10 filmes do Miike.
Não, não é exagero. É só pegar os aspectos que formam o cinema japonês dos últimos vinte anos – desde a visão inicial do cinema como filho das artes plásticas, e não da fotografia, como ocorreu no ocidente; toda a diferença da visão oriental da construção da imagem enquanto criação da realidade, e não simples registro ou reconstrução da própria; passando pelas influências estadunidenses e também os gêneros clássicos e tradições recentes de entretenimento no país e, finalmente, as tecnologias de produção e efeitos – pra ver que o homem simplesmente mói tudo isso em sua obra. Esqueçam a simples referência ou paródia em um padrão tradicional – aqui estamos falando de pegar peças e misturá-las. Se Miike fosse uma criança, suas esculturas de peças Lego não fariam sentido. Ou fariam, e ele seria internado.
Parêntese: Miike tem poucos filmes lançados por aqui. Você ás vezes tromba por aí com os DVDs nacionais dos Dead or Alive – lançados aqui como Morrer ou Viver, que, aliás, ao que consta, nunca teve sua terceira e última parte lançada no país– ou então com Ichi o Assassino, mais conhecido como Ichi the Killer. Servem como um primeiro contato com o diretor, embora Audition faça falta em nossas prateleiras. E eu quero ver quem tem o colhão de lançar Gozu e Visitor Q.
Trailer de Visitor Q – pornografia, escatologia e incesto em uma comédia tosca.
A grande demência de Miike – e também a sua genialidade – é sua capacidade não só de passear pelos gêneros, mas também a facilidade de assimilar e adotar diferentes registros, estilos e formas de pensar um filme. Não é simplesmente fazer um filme de guerra, depois uma comédia, depois um romance, é você ver um diretor que vai com tranquilidade dos exageros temáticos e narrativos de Visitor Q ou Gozu para um filme como Audition, onde sua maior transgressão está na forma quase milimétrica em que ele reconstrói um dos gêneros cinematográficos mais “seguros” - o filme romântico – apenas para mudar de gênero no meio do filme, de uma forma que deixaria velhinhas sorrindo na primeira metade do filme, incomodadas no começo da segunda e fugindo em pânico com suas calcinholas borradas em seus minutos finais.
A obra de Miike não é segura. Em nenhum sentido. O único padrão é a falta de padrões. Sim, vamos do sexo explícito – embora censurado – de Visitor Q até Ninja Kids!!! – as exclamações são do título, não minhas - uma versão nipônica dos Pequenos Espiões do Rodriguez. Do leve ao extremo, do direto ao completamente figurado, o puto é capaz de tudo. E o esquisito é: ainda assim, você entende o papel de cada filme dentro da insanidade de seu autor.
Ninja Kids!!! É... Bem... Sigamos em frente...
E tudo isso aí que eu escrevi, é a razão de eu ter ido pro cinema curiosaço pra saber o que Miike ia fazer com um filme de samurais.
Japão, 1844 – o mundo samurai já está em decadência. O meio-irmão do shogun, lorde Naritsugu, é um sádico, que aproveita de seu poder para matar e torturar a seu bel prazer. Descontentes com a situação, membros do governo dão à Shinzaemon a missão de matá-lo. Para isso, claro, ele junta um grupo disposto a ajudá-lo. Uma galerinha da pesada em busca de confusão.
Refilmagem do original de Eiichi Kudo, de 1963, 13 Assassinos é, de cabo a rabo, um filme de gênero. Bem naquela fronteira entre filme de samurai e westerns – que eu, você e todo mundo sempre vincula ao Kurosawa – o roteiro ainda adota com sofreguidão um sub-gênero bem comum a esses gêneros: o filme velho-batuta-com-missão-suicida-chama-uns-louco-e-cai-matando.
Trailer do original. Aqui cabe bem o termo refilmagem pois, embora não seja tão obcecado na reconstrução como a bobagem Psicose do Gus Van Sant, acaba seguindo bem fielmente o antigo.
E Miike segue a cartilha do gênero à risca. Sendo direto: todos os clichês estão aqui. O líder que nada tem a perder, o jovem que coloca sua vida na reta, o outsider engraçadão. A trama, embora simplesmente não possua surpresas, tem clara a missão de trabalhar dentro do registro conhecido e assimilado o que, bizarramente, talvez seja sua maior força: conseguir amarrar todas as tradicionais peças desse tipo de história em um pacote que simplesmente agrade os fãs do gênero.
E, puta merda, agrada.
13 Assassinos é falado. MUITO falado. Rolam uns Sepukkus e uma ou outra escaramuça só pra dar uma acordada, mas a rigor o filme é uma preparação pra longa, loooonga, cena de batalha final. E essa é épica. Estamos falando de, o quê, uns 40 minutos de cortes e porradas. E morte, muita morte.
A grande surpresa de 13 Assassinos, para quem conhece o trabalho do diretor, é a sua conformidade. Regras, cara. A direção é quadrada, tradicional. Trilha? Orquestrada. Ok, Miike tem em mãos um bom orçamento, que dá direito a uma bela direção de arte, figurantes e até uns efeitos especiais. Mas o que faz esse filme ser uma ode a um gênero cinematográfico ao invés de um pastiche deprimente como um O Último Samurai – além, claro, da distância segura mantida de cientologistas e outros bichos?
O domínio filho da puta que o homem tem da linguagem cinematográfica.
É muito simples, na verdade. O filme é clichê? A história é igual a outros trezentos? É. Uma simples atualização dos Kurosawa e demais similares? Também. Mas Miike trabalha dentro do registro adotado e simplesmente faz ele funcionar, de novo. Aqui não houve mistura, bricolagem ou piada-sacadinha, mas sim a adoção de um gênero, de seu estilo, e sua utilização da forma mais competente possível.
Assumo: quase chorei em uma cena. Não pelo drama, mas sim por ser um dos takes mais tecnicamente perfeitos que vi em minha vida. E foi nesse estado de espírito que eu saí do filme. Sério, emocionado. Saí do cinema consciente de que não tinha visto um filme de gênero bem-feito, mas sim um exercício vigoroso, um domínio da linguagem que só um gênio louco como o Miike seria capaz.
Mas isso foi duas semanas atrás.
Porque, pelo menos no meu caso, depois que passou essa empolgação, eu comecei a questionar mais e mais o filme, e de uma forma cruel e injusta, mas difícil de abandonar quando o diretor tem uma obra tão característica e tão forte quanto Miike: comecei a pensar no filme pelo que ele não é.
Em seus melhores momentos, Miike é muito mais que um artesão. É alguém capaz de te surpreender, te fazer ver cenas que nenhum filme tinha te mostrado antes, te provocar sentimentos que você não tinha sentido em um filme – ok, às vezes são sentimentos não muito bacanas, mas... E isso, 13 Assassinos não tem. É um filme perfeito, rigorosamente perfeito. E isso incomoda, a falta das imperfeições de Miike, de suas sujeiras. Não entendam errado: a capacidade dele está lá, e em pelo menos uma cena, a da amputada, todo o estilo dele está lá – assim como sua peculiar “sensibilidade” fílmica.
Trailer de Sukiyaki Western Django, um spaghetti western samurai.
Mas a conformidade às regras de gênero e estilo engessam o filme. A reverência sufoca a anarquia. Se Sukiyaki Western Django – esse sim um mashup western/samurai “oi pós-modernidade piadinha” onde até o Tarantino atua – é até óbvio em sua brincadeira com conceitos, 13 Assassinos se orgulha de não quebrar regras. Muitos defendem, justamente por isso, como sendo o mais maduro filme do diretor, embora Miike ande sendo criticado em seus últimos anos por ter assumido um lado mais comercial, mais domado.
13 Assassinos É um filme domado. É fantástico para quem curte o gênero. Mas para quem espera algo mais de Miike, é um filme que nunca arreganha os dentes. E isso assusta. Sua grande força está no rigor com que narra sua história. O que também pode ser encarado como a sua maior fraqueza.