No mundo das artes, Londrina é mais lembrada pela relação frutífera que construiu com o teatro de vanguarda (que, por sinal, foi fundamental no surgimento de outra vanguarda nascida ali, liderada entre outros pelos amigos Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, dita depois paulistana). Mas a cidade no norte do Paraná também tem uma tradição respeitável na fotografia. Desde os pioneiros Yutaka Yasunaka e Carlos Stenders, que registraram imagens da cidade entre as décadas de 1930 e 70 (Londrina foi fundada em 1934), a linhagem de fotógrafos londrinenses seguiu evoluindo, tendo revelado outros nomes interessantes seja na linha do fotojornalismo, como , seja perspectivas radicalmente autorais como a de Fernanda Magalhães. No entanto, pouco se fez até hoje no sentido de compilar e apresentar artistas da cidade de forma conjunta.
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Curta a página do projeto no Imaginário Cromático nasce com a brava missão de preencher essa lacuna – ainda mais heroica se considerarmos o tamanho do mercado fotográfico no interior, mesmo publicitário. A revista bilíngue tem formato de livro, com tratamento gráfico e editorial apurado, e se pretende periódica, apesar de não indicar com que regularidade será publicada. Organizado por Fábio Augusto de Oliveira, o conteúdo é inaugurado, oportunamente, com o trabalho de outro pioneiro local, George Craig Smith, que começou a registrar imagens ainda antes do Foto Estrela, na pré-história de Londrina, quando a área onde nasceria a cidade começava a ser desbravada e zoneada pela Companhia de Terras Norte do Paraná. A intenção óbvia é criar contexto, como tentamos fazer no parágrafo anterior, o que é reforçado pela apresentação/editorial de Rogério Ghomes. A princípio, contudo, essa ideia de narrativa histórica parece um tanto diluída no texto e no conjunto de fotos escolhidas, o que dá à escolha pela foto de Smith um ar mais de referência visual do que de prólogo, algo entre um esteticismo nostálgico pós-moderno e cultura replicadora à Tumblr.
Efeito curatorial melhor, como contextualização dos novos trabalhos apresentados, tem a seção final da revista, na qual estão reunidos trabalhos de fotógrafos mais experientes: os brasileiros Cris Bierrenbach, Rubens Mano e Rochelle Costi e a sérvia Gordana Manic. A solidão trans-realista do ensaio de Bierrenbach sobre o Haiti, por exemplo, dá corpo global às fotos que Danilo Verpa fez em uma Teresópolis devastada e abandonada pela tragédia das chuvas de 2011. Esteticamente, a limitação de luzes e cores auto-induzida do daguerreótipo, técnica utilizada pela fotógrafa, dialoga com os ensaios de Bernardo Sardi e Thiago Vidotto. Se considerado individualmente, o ensaio urbanoide de Sardi poderia passar como prosaico ou despretensioso demais – apesar do ótimo efeito expressionista atingido na foto de um prédio refletido em uma poça d’água, um grande clique por si só –, mas o paralelo com as fotos de Bierrenbach traz à tona um olhar mais atento do artista, especialmente no uso da luz e no contraste entre movimento e estática. No caso de Vidotto, que produziu uma série mais fechada e harmoniosa, é interessante comparar os efeitos por vezes semelhantes entre seu tratamento ultra-calculado e uma técnica tão crua quanto a do daguerreótipo.
(Foto de Bernardo Sardi)
(Foto de Thiago Vidotto)
Um dos melhores ensaios da revista, o de Karina Rampazzo, também se fia em criar visões do mundo em baixa fidelidade, como se construídas em um estado hipnagógico, que trabalha nas mesmas ondas do set da sérvia Gordana Manic. É notável a semelhança em escopo e estética, também, com o trabalho da artista plástica Renata de Bonis. A contempalção solitária inclusive é ambientada no mesmo local, um deserto – Atacama no caso de Karina, Johua Tree para Renata. É daquelas manifestaões curiosas do zeitgeist, em que artistas aparentemente sem relações entre si – além da idade e da nacionalidade – manifestam buscas iguais. Outra visão da solidão é oferecida por Jota Oshiro e Alex de Barros, em um ensaio abertamente contracultural, focado no submundo noturno das garotas de programa nas ruas de Londrina. Unindo stêncil e light painting, o trabalho da dupla é o único que guarda relações mais diretas com a arte urbana, historicamente negligenciada na cidade.
(Foto de Karina Rampazzo)
A seção final é dedicada a ensaios autorais com filiações à moda e à publicidade, carregados de ironia e bom humor como acontece tantas vezes nesses casos. No caso de Natália Lima Castro, o trabalho é bastante derivativo, povoado por clichês visuais (neon, modelos andróginos de quepe etc.), e lembra demais um ensaio puramente publicitário. O melhor esboço de apropriação está na última foto, que tateia uma sensibilidade abravanista, à Rick Castro. Já o set de Ana Lucca, Rodrigo Moreno e Peterson Dias acerta mais, ao investir em um lado freak e sexualizado, que remete em algum ponto da cadeia genética a Fernanda Magalhães.
Com tropeços mínimos, Imaginário Cromático é um esforço louvável e pertinente de encontrar nexo em um universo imagético saturado, dominado pela ânsia de compartilhamento dos Instagram e Hipstamatic da vida. A fotografia autoral ainda respira.