Ekstasis

Julia Holter

RVNG, 2012

 

POR Eduardo Yukio Araujo publicado em 30.08.2012

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O primeiro single extraído de Ekstasis, segundo álbum da compositora estadunidense Julia Holter acaba espelhando muito a maneira como a artista molda suas influências com singela naturalidade: “Marienbad” começa como uma espécie de canção de ninar minimalista, com Holter utilizando sua voz como importante instrumento de dissociação com a linguagem pop comum. A produção caseira poderia sugerir uma bedroom composer qualquer, mas “Marienbad” vai percorrendo estradas entre a eletrônica lo-fi e estruturas harmônicas de Brian Wilson ao longo de seus quase cinco minutos e meio. Julia parece possuir um formalismo que a impede de simplesmente colar referências - como o nome mais significante do experimentalismo angeleno, Ariel Pink - ao invés disso preferindo suavizar as passagens com o uso de camadas de teclados, e principalmente construindo pontes melódicas através da voz.

Parte desse formalismo vem de sua trajetória acadêmica como graduada em Música e pianista clássica. Entretanto, seus dois discos lançados até agora foram concebidos sem o apoio maciço de outros instrumentistas. Obrigada a dedicar tempo a trampos paralelos que pagaram suas contas até aqui, a feitura de Ekstasis acabou levando quase três anos. A artista residente em Los Angeles é capaz de reunir em uma só composição pequenos lembretes musicais como em “Boy In The Moon”: a atmosfera fluida do início remonta a algo de Robert Wyatt, mas sem que o ouvinte perceba mudanças súbitas, o pop oitentista de bandas do selo 4AD (Cocteau Twins, Clan of Xymox) e o ambient de Brian Eno vão aparecendo, sem prejuízo ao corpo musical. “Goddes Eyes II” é um pop mutante, algo entre o experimentalismo performático de Laurie Anderson e um R&B gravado em equipamento amador.

“Moni Mon Amie”, carregada por delicados arranjos é bela e onírica, uma representação de cantiga europeia ancestral transportada para o século XXI. “Four Gardens” traz Julia para um universo igualmente amplo e rico: a cantora usa seus dotes vocais em um instrumental tão oscilante e esguio (sopros, violas, teclados e efeitos eletrônicos compõem cenário de inclinação oriental) quanto a maneira em que sussurra, apresenta força no refrão e exercita movimentos elásticos. Nesse momento, é tão extravagante quanto Kate Bush, porém com um fôlego e frescor de quem cresceu com uma vasta coleção musical à disposição. “This Is Ekstasis” fecha o álbum com um compêndio de elementos pouco associados com a produção caseira, como a multiplicidade de instrumentos - de um piano de acento clássico a sopros distorcidos de free jazz - referendando o caráter idiossincrático do trabalho de Holter.

A discussão sobre a geração Napster ser capaz ou não de criar obras pertinentes não é tão nova, mas ganha contornos cada vez mais ilustrativos em 2012. O acesso a inúmeros artistas cronologicamente distantes é absorvida de maneira a estimular novos caminhos ou tudo não passa de revivalismo? Um fato interessante é que, dentro dessa mesma geração já é possível coletar posições diferentes dentro de um modus operandi similar: a canadense Claire Boucher aka Grimes cria um pop eletrônico regado a drogas sintéticas e inúmeras referências; Julia Holter se enquadra mais como uma criadora de art-pop, mas soma diferentes fontes para erguer sua torre sonora, assim como Claire. O fato de as duas serem responsáveis por dois dos mais relevantes álbuns do ano já é instigante por si só. Ekstasis é um disco sólido, que passeia entre o ambient, o lo-fi e o experimentalismo sem cair em hermetismo. O pop se insere de forma harmônica trazendo mais informação e empatia para as canções. Que tenha sido criado por uma jovem que conviveu em ambiente de conservatório e aprendeu intuitivamente a compor com equipamentos simples dentro de casa e que se inspira tanto em Joni Mitchell como em intrincados trabalhos etimológicos parece indicar que o melhor do pop atual é sua aparente incoerência.

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 grimes, julia holger, ekstasis

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