Nesta quinta-feira (24) a morte do Sabotage, um dos MCs mais importantes da história do rap nacional, faz 10 anos. Mauro Mateus dos Santos foi morto na manhã do dia 24 de janeiro de 2003, com quatro tiros - ele foi encontrado do lado de seu carro após ter deixado a esposa no ponto de ônibus para ir trabalhar.
Confira um faixa a faixa de Daniel Ganjaman sobre o disco Rap É Compromisso
Se a investigação mal-ajambrada a respeito do assassinato do rapper é fruto de muita especulação – essa reportagem de 2012 da Vice varre as pontas soltas do processo –, a sua importância na música brasileira se tornou unânime ao longo dos anos que sucederam a sua morte. Pioneiro na ampliação musical e temática dentro desse gênero ainda em formação conhecido como “rap nacional”, Sabotage abriu as portas para o trabalho de nomes que acabaram por revolucionar a linguagem do estilo, como Emicida e Criolo.
A história de como isso aconteceu parece ter ficado paralisada dentro das inúmeras dificuldades que o hip-hop brasileiro encontrou dentro da missão de se auto-definir. E para ajudar nesse processo de conhecimento, escolhemos o aniversário desta tragédia para celebrar uma parte importante do legado do Sabote, entrevistando Daniel Ganjaman, que, ao lado de Zegon, foi um dos produtores de Rap É Compromisso, disco de estreia do rapper.
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Maestro do Canão
Encontramos Ganjaman - que hoje produz e toca na banda de Criolo, entre outros trampos - no estúdio El Rocha, em Pinheiros. Ocupando a sala do pai, que coleciona e conserta equipamentos de som antigos e outras traquitanas de tecnologia antiga, Daniel está trabalhando no “disco perdido” de Sabotage, que estava em processo inicial de gravação quando o rapper foi assassinado. Com o título mais que provisório de Maestro do Canão (“nem sei se vale publicar o nome, tudo pode mudar”, avisa o produtor), o disco engloba faixas que o rapper havia gravado com Ganja, além de out-takes de gravações com o coletivo Instituto e outras músicas inéditas. Daniel pretende terminar o trabalho de mixagem e regravação nos próximos meses, e vai encaminhar o resultado à família do MC. “Não quero ganhar nada com esse disco, só quero poder ter certeza de que fiz um bom trabalho com esse material”, explica.
A experiência de Ganjaman, que a esta altura já produziu mais que uma dúzia de ótimos discos da música brasileira, contrasta com a inocência de quem estava começando a carreira como produtor quando gravou o disco de Sabotage. “Eu tinha 21, 22 anos, era moleque de tudo”, lembra Daniel. Com um passado eclético do skate, Ganjaman havia produzido demos e discos de punk e hardcore antes de se embrenhar no mundo do rap.
“O Racionais MCs na época estava bem focado na [gravadora] Cosa Nostra. Eles lançaram o Todos São Manos, do RZO e o disco foi bem recebido, pegou um bom espaço no rap, é um clássico. E aí o Mano Brown na intenção de fazer um segundo disco pelo selo, já pensou no Sabotage. Como ele vinha trabalhando com o Zegon no disco do 509-E (onde eu também trabalhei), ele chamou o Zé para produzir o Sabota. E o Zé chegou pro Brown e falou: ‘eu acho que esse disco seria legal eu produzir com o Ganja’, porque a gente já vinha produzindo umas coisas juntos e tava rolando um resultado bacana”, recorda o produtor.
No final das contas, o álbum contou com a mão de um grupo amplo de artistas, músicos e produtores. “O que possibilitou o disco ser feito do jeito que foi é que na época o Tejo [Damasceno] e o Rica [Amabis, ambos membros do Instituto ao lado de Ganjaman], trabalhavam na produtora de áudio e gravadora YB. Eles tinham um estúdio bem montado e uma boa relação com o dono, que abriu o estúdio pra gente. Fechamos uma quantia em grana que foi meio ridícula. Pra ter uma ideia, não custou 10% do que um disco independente custaria, isso com estúdio, produtores, engenheiros, tudo!” espanta-se Ganja.
Carisma
O disco demorou quase nove meses para ser gravado, entre 2000 e 2001 – incluindo o espaço de uma turnê do Planet Hemp, banda na qual Zegon e Ganjaman tocavam, que chegou até o Japão. Mas um dos grandes segredos para a gravação seguir em frente era o carisma de Sabotage. “Ele circulava em todos os lugares. As pessoas liberavam o estúdio pra ele, os engenheiros trabalhavam de graça, o produtor trabalha de graça... ele era um cara muito cativante. Ele chegava na YB beijando todas as meninas do atendimento, abraçando e beijando os donos”.
Além do trabalho de Ganja, Zé, Tejo e do comparsa Quincas Moreira, a turma do RZO foi essencial para a criação do disco, segundo o produtor. “O Hélião, Sandrão, o DJ Cia, o Negro Útil, os caras estavam em praticamente todo o processo criativo, tem beat que foi produzido por mim e pelo Zé mas o Cia contribuiu pra caramba, trouxe loop, foi uma co-produção mesmo”, lembra.
O álbum foi lançado em CD, e também teve uma edição em vinil, mas sem a masterização necessária. Depois de encerrar o trabalho em Maestro do Canão, Ganja quer poder fazer uma nova mixagem e uma nova master para o primeiro disco – e os planos de uma edição mais decente em vinil estão incluídos nesse rolê. “Eu tenho todas as tracks abertas, podemos mexer em tudo. Quero fazer com que ele soe mais pra fora, porque tem uma matéria prima pra isso. Não mudar nada de arranjo, fazer ele aparecer melhor”. Doze anos após seu lançamento, Rap É Compromisso merece um carinho desses – e o legado de Sabotage mais ainda.
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