Palavras de gênio . Soma entrevista GZA

Em sua primeira passagem solo pelo Brasil, rapper fala sobre ciência, xadrez e o presente do hip hop

POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
publicado em 19.09.2012 14:21  | última atualização 19.09.2012 15:51

GZA POR Daniel Moura / Divulgação

É difícil imaginar um show de rap mais minimalista – sozinho no palco, jeans escuro, camiseta, sneaker, GZA segura seu microfone como quem dá uma palestra. O que não deixa de ser verdade. Se mexendo pouco, mas comandando a plateia que lotava a rua em frente ao CCJ com entusiasmo, o mais velho membro do Wu Tang-Clan mandou em seu primeiro show em São Paulo, no dia 9 de setembro, um repertório que incluía faixas solo, sons da posse nova-iorquina e também faixas solo dos trutas – a massa bate-cabeça foi ao delírio com “Shimmy Shimmy Ya”, clássico do primo Ol’ Dirty Bastard. Depois da apresentação de menos de uma hora,  GZA, empolgado e contemplativo ao mesmo tempo, conversou com a Soma sobre xadrez, ciência, batalhas de MCs e ainda citou um Notorious B.I.G. de brinde. Com vocês, o Genius e suas ideias.



O que você descobriu e aprendeu com essa turnê de pesquisa por universidades para o seu novo álbum, Dark Matter?

Eu aprendo coisas o tempo todo, e não é algo que eu resolvi fazer do nada – eu tinha essa ideia há muito tempo, não foi algo que eu pensei porque eu comecei a dar palestras em universidades. Na verdade eu tenho essa ideia na minha cabeça há muitos anos.  O que eu estou fazendo é uma espécie de pesquisa, e estou reaprendendo coisas. Às vezes você fica muito tempo sem pegar um determinado e percebe, “nossa, eu tinha esquecido disso”. É bom estar estudando de novo. Eu estou aprendendo coisas novas, mas a maioria são coisas que eu tinha esquecido.  O mais difícil é organizar isso tudo, construir uma história, porque eu quero contar isso de forma cronológica, e isso demora um pouco.

Você quer contar a história do universo de forma cronológica?

Eu vou começar no Big Bang e essa vai ser a ordem do álbum. Mas acho que provavelmente não vai rolar exatamente desse jeito (risos).

Você sempre se interessou por ciência, desde que você era criança?

Desde pequeno. Sabe a fotossíntese? O fenômeno biológico. Saber que as plantas eliminam oxigênio e que a gente vive disso, e que elas vivem do dióxido de carbono que a gente elimina. Isso é lindo demais por si só, nós vivemos uns dos outros, e precisamos uns dos outros.  Alguns rappers podem falar que isso é uma parada simples, não enxergam dessa maneira, o quão lindo é isso.  Mas é claro que eu não vou fazer um disco inteiro sobre uma árvore, eu não crio a minha música desse jeito.


GZA por Daniel Moura

Você está trabalhando com o RZA na produção desse disco?

Não no momento.  Eu espero poder fazer algumas músicas com ele, mas não sei, a agenda dele é lotada.

Você foi um dos primeiros rappers a falar sobre xadrez e a incorporar o jogo em suas rimas. Li em uma entrevista que você passou a enxergar o xadrez de uma maneira completamente diferente depois de ler um livro, anos após o Liquid Swords. O que mudou na sua relação com o xadrez?

Eu aprendi a jogar xadrez aos nove anos de idade e eu joguei duas partidas. Me lembro bem disso, foi nos anos 70, foi um primo que me ensinou.  Eu aprendi  o nome das peças e como elas se moviam, era tudo o que eu lembrava. Eu não voltei jogar até eu ter uns 22, 23 anos de idade, quando comecei a jogar com o Masta Killa e o Jeru the Damaja, éramos da mesma área no Brooklyn. Eu e o Killa estávamos juntos o tempo todo, então jogávamos bastante. Isso foi de 1994 até, acho 2000, quando eu comprei um livro sobre xadrez. E então eu descobri que não sabia nada sobre xadrez até então. Comecei a ler sobre princípios e táticas e várias coisas que eu não conhecia – eu só mexia as peças e esperava para ver o que ia acontecer. Eu não sabia sobre tempo, força e espaço, os três fatores do xadrez. O tempo é a quantidade de movimentos que você faz, o espaço é a área que você controla, e a força é o seu exército. Às vezes você pode sacrificar uma peça por outra, trocar uma torre por um cavalo – por mais que uma torre seja melhor que um cavalo, a jogada pode te colocar em uma melhor posição no tabuleiro, às vezes você pode até sacrificar uma rainha, se for para vencer o jogo.  E foi então que eu passei a estudar o xadrez.

Você tem um projeto de ensinar xadrez agora, é isso?

Estou ajudando a criar um programa de xadrez em algumas escolas da minha área, vou começar a dar aulas. Deve começar daqui uns dois meses.


Galera na frente do CCJ para ver o GZA, por João Clayton

E como você se sente com a perspectiva de se tornar um professor?

Eu acho que todos somos professores e todos somos estudantes. Muitas vezes você pode aprender com as crianças, não importa a sua idade. Você pode aprender com um bebê, só de assisti-los aprendendo a andar.  Para andar, você precisa de equilíbrio, é um equilíbrio complexo. E só de ver isso, você percebe o quão difícil é atingir o equilíbrio, e faz você olhar para outras coisas da sua vida dessa maneira.  O xadrez também faz isso com você.  Eu já vi vários mestres do xadrez dizendo que eles não tomam nenhuma decisão na vida sem pensar sobre o xadrez. Porque o xadrez imita a vida. Eu costumo dizer que “a vida é xadrez, mas o xadrez não é a vida”.

Vi uma vez você contando que você saía nas ruas procurando batalhas...

Foi assim que a cultura nasceu. Os b-boys batalhavam entre si, os DJs batalhavam entre si, os grafiteiros batalhavam entre si.

Mas isso mudou hoje, não? Você curtia fazer isso?

Era o que a gente fazia para conquistar respeito.  A gente saía procurando os melhores MCs. É como naqueles filmes de kung fu em que os caras viajam procurando duelos. Não para criar problemas, apenas uma batalha amigável, para descobrir quem é o melhor, o mais forte. Um duelo de MCs e como uma partida de xadrez, é algo que você joga primeiro na sua mente. Isso era o nosso rolê. Mas hoje esse lance de batalhas já está em outro nível, é uma falta de respeito absurda as coisas que eles dizem sobre a mãe dos MCs, os irmãos dos MCs.

Mas é tão diferente do jogo do Dozens?

É completamente diferente. O Dozens era algo amigável, que você jogava e inventava aluma coisa sobre alguém, nunca era pessoal. Agora esses rappers ficam procurando histórias reais sobre os outros rappers, ou sobre a família deles, e a linguagem é tão desrespeitosa. Dizem que a natureza da mente é procurar por pensamentos belos, se você pensa em coisas negativas, você está se destruindo por dentro, não importa o quão bom você seja fazendo rap. Desrespeitar o outro não traz boas energias. Você faz mais mal a você mesmo do que à outra pessoa. Mas eles não vão entender isso, porque eles estão em outro lugar.


GZA por Daniel Moura

Quando o Wu-Tang começou vocês estavam em uma espécie de guerra contra as grandes gravadoras – os seus versos em “Protect Ya Neck” eram sobre isso...

Sim, era uma coisa pessoal, mas mudou com o tempo.

Como foi a experiência com a Cold Chillin?


Foi ruim e foi boa. Foi bom porque foi a primeira vez que eu assinei um contrato, foi a minha entrada na indústria. Mas foi ruim porque eles não promoveram  álbum, eu esperava pelo menos um pouquinho de ajuda. Mas era assim que funcionava.

Sim, mas vocês mudaram o jogo. Você acha que a indústria fonográfica está aprendendo as lições que vocês ensinaram?


Com certeza. O lance com gravadoras em geral é que, a não ser que você tenha uma pessoa realmente esperta trabalhando, um cara como um Rick Rubin ou um Russell Simmons, que sabem tudo sobre o hip hop, que sabe como vender, divulgar discos, as gravadoras vão seguir com o que elas acham que funcione. E isso acontece também com os artistas. Eles ouvem uma música e querem fazer algo igual. Todo mundo segue todo mundo, não há mais originalidade. É assim que funciona com as gravadoras. Quando eu estava na Cold Chillin, antes do Wu-Tang, os caras me disseram, “olha, precisamos de uma música como ‘O.P.P.’ (do Naughty by Nature)” (risos). É uma ótima música, eu queria ter escrito uma dessas, mas não é o que eu faço. Mas é assim que as gravadoras trabalham.


GZA por Daniel Moura

Você sabe que existe um movimento no rap do Brasil chamado ‘bate-cabeça’?

Ah é (interessado)?

Então, muitos vêm do skate e eles ficam pogando nos shows – você deve ter visto as rodas de pogo no seu show. O Wu-Tang Clan é uma das bandas mais importantes para eles. Você imaginou na época que a sua música seria importante em um lugar como o Brasil?

Eu nunca teria conseguido nem imaginar. A gente fazia música em casa, nos quintais, nos parques. E agora está aí, por todo o mundo. Eu nunca imaginei onde ele iria parar e agora está aí, 20, 30, 37 anos depois. Como cantava o Biggie, “you never thought hip hop would take it this far” (“você nunca pensou que o hip hop iria chegar tão longe”, tradução livre de um verso de “Juicy”, do Notorious B.I.G.). Outros MCs também pensam assim. Talvez um cara como o Russell Simmons  tivesse planejado as coisas, soubesse onde o hip hop iria chegar, mas isso nunca passou pela minha cabeça

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 ccj, GZA, wu-tang clan, genius, odb, ol' dirty bastard, notorious b.i.g., bate-cabeça

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