Seleta . Eletrodomésticos POR Fernando Martins Ferreira
No colecionismo são vários os motivos que levam uma pessoa a querer guardar objetos. No caso do artista plástico Adriano Lemos, o entrevistado desta edição da Seleta, foi o design que motivou sua paixão por eletrodomésticos. Sua história está profissionalmente ligada ao colecionismo, já que seu principal ganha-pão é restaurar de tudo, de lambretas a móveis, para colecionadores. Mas a conversa com ele revelou também uma tentativa não muito bem-sucedida de produção industrial de toy art no Brasil. Como ele mesmo diz: "Faço de tudo, só não faço dinheiro".
Como começou o seu interesse por objetos antigos?
O primeiro objeto que chamou minha atenção, lá na infância, foi o desenho do Fusca, com suas formas arredondadas. Eu já desenhava muito, sempre assistia TV com um caderno na mão e gostava de desenhar Transformers, mas as linhas arredondadas do Fusca determinaram uma predileção.
E como chegou aos eletrodomésticos?
Foi quando saí de casa, 15 anos atrás, e tive que comprar uma geladeira. Acabei adquirindo um modelo antigo da GE da década de 50 porque tinha os cantos arredondados. Quando me dei por conta já estava adquirindo outros eletrodomésticos antigos. Percebi a beleza do desenho envolvido e também a qualidade superior e menos descartável deles. Comprei alguns que eu nem precisava, tipo uma batedeira da Walita que é também espremedor de suco, moedor de carne e amolador de facas – tudo num produto só.
Quantos eletrodomésticos você tem na sua coleção?
Não sei bem porque estou sempre comprando trocando e vendendo para outros colecionadores do Brasil todo. É um mercado bem ativo.
Qual objeto você procura para a sua coleção e não encontra?
Estou há um tempo buscando exatamente o amolador de facas para completar minha batedeira da Walita, mas tá difícil.
Você também tentou desenvolver um boneco industrializado. Como começou esse processo?
Sempre pintei quadros de bonecos coloridos com a temática punk, skate etc., e logo passei a modelá-los primeiro em epóxi, e depois em biscuit, técnica que vi na Ana Maria Braga. Comecei a vendê-los, principalmente dois gatinhos trepando pintados com tinta fosforescente. Eles vendiam bem...Isso bem antes da onda da toy art.
Como resolveu produzir o boneco em vinil?
Eu havia desenvolvido alguns personagens para a campanha publicitária de uma indústria de medicamentos, e eles gostaram tanto dos bonecos que pediram para que eu produzisse em série. Assim, tive que aprender o processo de produção industrial de brindes em vinil. Quando surgiu o conceito de toy art no Brasil, eu já não aguentava mais fazer manualmente meus bonecos, porque os pedidos aumentaram, e foi então que conheci o Munny (boneco em vinil que pode ser customizado) e resolvi fazer o Fooze, utilizando o mesmo conceito. Vendi meu carro e alguns eletrodomésticos da minha coleção e mandei fazer o molde em uma indústria que fabricava brindes. Produzi trezentos bonecos inicialmente.
Você ganhou dinheiro com a venda deles?
Distribuí os bonecos em algumas lojas. Até que, para a minha surpresa, em uma delas, o dono me falou que já haviam oferecido o mesmo boneco para revender, por um preço bem mais baixo que o meu. Foi então que percebi que a fábrica estava usando o meu molde e vendendo o meu boneco por aí. Fui pirateado... Modelei e paguei o molde para eles... Hoje brigo na Justiça para reaver meu molde e ser indenizado, mas essa história ainda deve se arrastar por um bom tempo.
Parecer do dr. Jacob Pinheiro Goldberg
A Revolução Industrial criou uma relação curiosa entre a pessoa e o mundo do produto fabricado em série, e que se torna especialmente marcante no caso do eletrodoméstico, que virou um objeto imprescindível, quase uma extensão da pessoa dentro de casa. Algumas pessoas não se desfazem de seus eletrodomésticos antigos, nem ao menos em favor de uma tecnologia mais moderna e qualificada, porque desenvolvem carinho e amor pelos aparelhos.
A mesma relação entre a pessoa e o produto fabricado é a que impulsiona determinados indivíduos a se tornar empreendedores. Fabricar produtos pode ser extremamente desanimador quando se percebe os descompassos e desencontros do mercado. Tudo isso gera frustrações, que de forma nenhuma, porém, devem ser encaradas como derrotas.