Não sei quanto a vocês, mas quando o assunto é cultura, nos últimos anos eu venho me portando como um solteirão festeiro. Meus dias tem sido repletos de rapidinhas de quinze minutos, de namoros furtivos em lugares públicos, de envolvimento superficial pelo celular, enfim, de uma infidelidade crônica que por um lado tem me enriquecido mas por outro tem me prescindido das benesses da intimidade. Eu poderia, de forma canalha, dizer que a culpa são dos tempos, do zetgeist, das demandas profissionais. E apesar de, sim, haver sérias circunstâncias atenuantes, a verdade é que às vezes sinto que me desacostumei a lidar com conteúdos que precisem de períodos mais longos (ou mais profundos) de atenção, contínua ou não.
Se eu não tomo cuidado, não tem jeito: acabo sendo arrastado pelas demandas cotidianas de uma agenda habitualmente preenchida com fatias fi- nas de conteúdo para absorver, digerir e produzir. E assim como um solteiro convicto enfrenta dificuldades de convivência ao casar, também tenho estranhado quando me vejo envolvido com um livro, um filme ou um artista por um tempo maior do que o habitual. Mas não serei dramático ou catastrófico como a maior parte das reportagens sobre isso, pois sei que nem tudo está perdido. Algumas oportunidades têm me proporcionado o prazer da convivência extensa, da descoberta paulatina, do longo noivado que precede alguns casamentos culturais de sucesso.
Um bom exemplo é a Fundação Iberê Camargo, aqui em Porto Alegre. Instalado em um prédio projetado pelo português Álvaro Siza, o museu da Fundação tem revestido suas en- tranhas com fortes exposições temporárias de artistas como De Chirico, Mira Schendel e Joaquim Torres-Garcia. Mas a grande atração, levando-se em consideração o assunto que estamos tratando, é o terceiro andar do museu, dedicado permanentemente à obra do próprio Iberê Camargo. Pra quem mora na cidade, é a primeira vez que se tem a oportunidade de passar vários anos visitando e revisitando o acervo de um artista com facilidade e regularidade, conhecendo seus óleos, suas gravuras e seus desenhos aos poucos, com uma constância que o contato com os artistas das temporárias naturalmente não permite. O acervo, mesmo com uma certa rotatividade, está sempre lá e pode-se explorar o trabalho do artista numa velocidade mais parecida com a que ele produziu.
Conteúdos expostos de forma mais extensa, sejam as fases de um artista, um longo romance ou um filme de duração não-holywoodiana, tem então esse predicado: eles nos convidam a compartilhar o tempo da criação. E uma coisa fica clara: esse tempo quase nunca é o tempo dos mercados e dos calendários. Convertido em contemplação, livre do ritmo frenético da hipermodernidade, o tempo da criação cumpre com sua finalidade mais ele- vada, que talvez seja a difícil e nobre tarefa de arrancar o público do andar ordinário dos dias.