Tiki-filia

Ramo do colecionismo une misticismo e cultura kitsch retrô estadunidense; leia entrevista com diretor de documentário sobre o tema

POR MENTALOZZ   COLABORAÇÃO DE DR. JACOB PINHEIRO GOLDBERG
publicado em 24.04.2012 19:18  | última atualização 30.05.2012 15:47

POR Fernando Martins Ferreira

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Sempre de olho nas pessoas que gostam de guardar, a Seleta naturalmente não poderia deixar de falar na cultura Tiki, que estabelece um elo de ligação improvável entre moais polinésios e colecionismo de memorabilia kitsch. Para ser um “tikiphile” (ou tikiófilo), como são chamados os colecionadores de tikis, só existe um pré-requisito: ser um guardador compulsivo por natureza. Para entender mais sobre o assunto, falamos com Duda Leite, diretor do documentário Tikimentary - Em Busca do Paraíso Perdido e um tikiphile colecionador de Tiki-Mugs e camisas Tikis. Ele também escreve sobre o assunto para a revista Playboy.  



O que é Tiki?

Tikis são representações humanas de deuses, feitas na Polinésia. Os mais famosos são os moais da Ilha de Páscoa. Além disso, é uma cultura retrô que mistura clichês de arte, culinária, drinks, design, música, filme, moda e outros. É algo que se estende da cultura primitiva até a corrida espacial, dos Flintstons até Jeanie é um Gênio. O Tiki teve sua febre de popularidade nos Estados Unidos entre o final da década de 1950 e o início de 60, quando era comum sair para tomar drinks tropicais em restaurantes com decoração exótica, e artistas como Martin Denny e sua orquestra vendiam muitos LPs, os filmes do Elvis na praia ajudavam a popularizar a estética etc. Com o tempo aquilo foi ficando cafona, e já na década de 80 ninguém bancava mais o estilo. Foi o fim para muitos restaurantes e bares famosos, como o pai de todos o Don the Beachcomber, inaugurado na Califórnia em 1937 e fechado em 1985. O Tiki retomou o fôlego durante os anos 90, com a volta do easy listening e relançamentos em CD de coleções como a Ultra Lounge.

E por que os tikiphiles são guardadores?

Quem vive o Tiki tem sempre o olhar para achar objetos que possam recriar um tipo de paraíso pessoal meio artificial. É um modo de vida para alguns – não é tentar voltar ao passado, mas é um  paraíso  bem retrô. Nos eventos Tikis você acaba comprando muitas canecas, os tiki-mugs, porque beber é essencial para os tikiphiles, comprar camisas no estilo havaianos, objetos de decoração e originais de arte. É um mercado grande, existe uma média de sessenta empresas presentes nos eventos Tikis, elas estão de olho nesse mercado consumidor. Guardamos objetos feitos hoje e no passado, basta achar que ele faz parte do seu paraíso pessoal para querer levar para casa e guardar. Tenho objetos Tiki caros, como originais de artistas do calibre do Shag e do Derek Yaniger, e tenho objetos Tiki de baixo custo, como brindes do McDonald’s (um moai da Ilha da Páscoa que fala) uma garrafa de pisco peruano que tem em qualquer supermercado e uma escultura feita de madeira, assinada por um tal de Mário de Ilha Bela.

Como você começou a guardar as Tiki-mugs?

Acho que foi perto de 2000, quando eu morava em Miami e conheci uma mulher chamada Tiki Kiliki, que promovia o Hukilau, um evento Tiki, em um restaurante chamado Mai-Kai. Esse lugar é a meca Tiki, porque se mantém intacto desde 1956, preservando o clima da época. Dizem que o Mai-Kai é uma Disneylândia para adultos onde você pode se embebedar com drinks ótimos e fortes, servidos em bowls ou tiki-mugs. No Hukilau todo mundo vai vestido bem retrô, a ideia é que as fotos p&b  tiradas no  evento sejam impossíveis de identificar quando comparadas com as reais de época. Quando passei a frequentar os eventos, comecei a comprar as camisas e as Tiki-mugs, que muitas vezes são desenvolvidas especialmente para o encontro e assinadas por artistas do porte do Shag.
 
Quantas Tiki-mugs você têm?

Por volta de trinta e cinco. É pouco, porque pra fazer meu documentário cheguei a entrevistar pessoas que tinham trezentas. Acho que tenho até mais camisas Tikis do que Tiki-Mugs. Tenho quase todas as camisas que o Shag fez, serigrafias originais dele e do Derek Yaniger. Os dois são os  principais artistas Tiki hoje, tenho a honra de contar com uma arte do Shag no pôster do meu documentário.

Quais são as Tiki-Mugs mais raras da sua coleção?

As mais raras são as de época mesmo, e as edições que o Shag faz. Essas esgotam rapidamente, muitas vezes nem em sites de leilão aparecem, e valorizam na certa. Tenho uma edição especial da Pantera Cor-de-Rosa feita pelo Shag que já está sold-out, também gosto muito de uma do Otto´s Shrunken Head, que é um bar de Nova York meio Tiki, meio voodoo exotica. É uma cabeça encolhida. Também gosto muito de uma do Quinto Festival de Choop de uma associação de funcionario, de 1985.  Não sei como em 1985 alguém pensou em fazer uma Tiki-mug aqui no Brasil.

Qual a Tiki-Mug que você cobiça para sua coleção atualmente?

É o Akuku decanter and skull shot set, assinado pelo Shag, um box limitado a 500 peças, numeradas e já esgotadas. Nem em sites de leilão tem aparecido, quem tem não vende. O decanter é um moai meio embriagado muito bonito.

Parecer do Dr Jacob Pinheiro Goldberg

O sonho de criar um paraíso, encontrar pessoas e alimentar essa fantasia coletivamente é algo que percorre a história da humanidade e tem um apelo juvenil de regressão, mas também de perspectivas de horizontes. Estamos falando dessa cultura Tiki, mas poderíamos estar falando de Candire ou Paitíti, o paraíso indígena, ou na Pasárgada cantada pelo poeta. Ter rituais semelhantes, cultivar lembranças, colecionar objetos, de alguma maneira, é se excluir da violência, das demandas e pressões do mundo e ao mesmo tempo desfrutar do sabor da coexistência com semelhantes numa linguagem comum.

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 tiki, tikifilia, duda leite, retromania, tiki mugs, shag

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