Existem três sensações inigualáveis para os amantes de uma boa festa: ouvir uma música incrível em momentos inesperados de um set, trazendo o repertório individual para o espaço comum; perceber uma consonância imediata e orgânica entre DJ e pista, entre música e ambiente, entre indivíduo e consciência coletiva; e, em meio a tantos corpos pulando entregues à música, olhar do outro lado da pista e encontrar um amor à primeira vista, aquele que pode durar 10 minutos, 10 dias, 10 semanas ou 10 anos. Tudo isso em questão de segundos, após um olhar furtivo, um sorriso de canto ou um toque involuntário.
Estas três sensações formam a identidade do novo álbum do Hot Chip, In Our Heads. Depois de quatro trabalhos de estúdio que vão do electro pop brincalhão a amálgamas suntuosos em ode à pista, o quinteto construiu uma identidade curiosa, que se equilibra em um fio tênue entre o jibber jabber linguístico e o desejo de tratar seriamente de temas universais como amor, tristeza e família. É a partir dessa vontade que a sonoridade da banda se transforma: absorvendo e reinterpretando elementos tradicionais de seu repertório, como o cinismo, as brincadeiras estilísticas e a sonoridade sintetizada de entrega ao efêmero e ao momentâneo, o Hot Chip encontrou uma maneira de trazer o imediatismo de seu pop eletrônico a um atual desejo de falar sobre assuntos duradouros. Para o grupo, a vontade de sair à noite e festejar a vida nunca é superficial - e nada melhor para exemplificar essa dualidade entre curtir o presente e pensar no futuro do que a criação de um álbum que fala de casamento e longos relacionamentos feito para dançar bêbado até o sol raiar.
Em uma entrevista recente à Pitchfork, Alexis Taylor afirmou que é confortante para a banda falar sobre “coisas fundamentalmente boas, como amor e relacionamentos”, já que a música pop hoje está tomada por preocupações materialistas. Um ótimo exemplo do que banda quer dizer com esse tipo de discurso é “How Do You Do”, segunda faixa do álbum que começa com uma base sintetizada e incorpora elementos do house e do electro, culminando em um refrão melodioso fácil de remixar e que preenche os espaços deixados pelas batidas inicialmente lentas. Não é difícil de reconhecer a faixa como um possível hit de pista. Sua letra, entretanto, combinaria mais com uma balada de amor: “How do you do it? You make me wanna live again. A church is not for praying, it's for celebrating the light that bleeds through the pain”. O discurso do Hot Chip de criar música eletrônica baseada em temas “sério” pode parecer estúpida (e, claro, um enorme clichê, já que parece partir do princípio estereotipado de que música de pista é fundamentalmente fútil), mas faz sentido dentro do tipo de amor que o grupo prega: não o casamento de conveniência, o afeto baseado em frases prontas e as canções chiclete do pop mainstream, e sim aquele amor difícil, complicado, dolorido, dúbio. O amor do Hot Chip é o amor pela música eletrônica em si: complicada, oscilante, e apaixonante. Seja ela sobre casamento ou ferveção, sobre namoro ou solteirice.
Musicalmente, In Our Heads é um ótimo exemplo da trajetória do grupo, que transmutou suas raízes roqueiras em um electro recheado de amor por elementos do R&B, do soft rock e até do gospel, transformando melodias simples em odes sincopadas repletas de vocais sobrepostos. As batidas, mais lentas que em outros trabalhos da banda, ganham tons psicodélicos, além da adição de sons retorcidos e autotunados que dão o tom para as viradas de refrão. Quando a mistura de elementos funciona, ela é matadora: caso da abertura do álbum, a exultante “Motion Sickness”, e do ponto alto do disco, “Night and Day”, que começa com uma melodia quebrada e ameaçadora que resulta em um refrão acelerado, uma narração freak de Taylor (“I don’t got no ABBA/I don’t play no gabba/I like Zapp not Zappa / So please quit your jibber jabber”) e um groove redondo.
Até mesmo as baladas aparentemente mais inofensivas acabam se tornando bons temas de pista. A lenta “Look At Where We Are” começa com uma ode ao amor verdadeiro, que não consegue viver sem o outro. Os vocais simples se transformam em pequenas esquisitices sintetizadas, e a base ganha uma nova melodia, que parece feita para esperar um remix oportuno.
Depois de anos criando diferentes identidades (todas igualmente interessantes, mas mutantes e indecisas ao mesmo tempo), o Hot Chip conseguiu criar uma personalidade marcante que reúne influências que vão do house ao folk, do electro ao pop, de Beach Boys a Brian Eno, de Prince a Rolling Stones, de Paul McCartney a Phil Spector, sem perder sua característica principal: a euforia de encontrar novos sons, novas alternativas, novas músicas e novas perspectivas. Se existe alguém no pop olhando para frente, é o Hot Chip - um grupo de cinco aficionados por música que ainda acreditam em ir para a balada para se apaixonar. Seja pela música, seja por alguém. Ou, de preferência, pelos dois.