Gustavo Mini . Sobre escrever

Os motivos pelos quais a escrita está ao alcance de todos

POR GUSTAVO MINI
publicado em 15.09.2011 14:53  | última atualização 17.09.2011 21:53

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Escrever é uma atividade que suscita os sentimentos mais extremos. Tanto os aspectos naturais (sua visceralidade intrínseca) como os artificiais (as regras da gramática) levam muita gente a colocar o ato de escrever em um pedestal – o que é prejudicial tanto para as pessoas como para a escrita.

Por isso, resolvi escrever um pouco sobre as virtudes da escrita. Não as virtudes literárias de escrever bem, mas os predica­dos do simples escrever – ou do escrever simples.

1 . A VIDA É UMA ESCULHAMBAÇÃO. ESCREVER COLOCA AS COISAS EM ORDEM.

As coisas acontecem, em geral, sem muita lógica. Filósofos, religiosos, psicanalistas e cientistas frequentemente ba­tem nessa tecla. Não apenas o tempo é uma construção mental e arbitrária, mas a noção linear da nossa vida, com os acontecimentos se sucedendo um depois do outro, é facilmente traída pela nossa memória – seletiva, orgulhosa e fantasiosa.

Mesmo que possamos confiar em registros históricos e fotos, nossa interpretação deles muda, e assim mudam seus significados. Viver, em resumo, é uma bagunça, e uma das poucas forças capazes de acomodar o caos é a palavra escrita. Pontos, vírgulas, sentenças, espaços, linhas, parágrafos. Nada disso existe fora do papel. E tudo isso ajuda a colocar de pé um dos empreendimentos humanos mais duros: a construção de sentido.

2 . ESCREVER É ALQUIMIA AO ALCANCE DE TODOS.
 
Ninguém precisa ser escritor e nem mesmo escrever razoavelmente bem. No momento em que você bota a caneta no papel ou os dedos no teclado, pronto: está transformando o intangível em tangível. Pode ser o pior texto do mun­do, pode ser o e-mail mais mal escrito de todo o universo, pode ser uma trivial lista de supermercado. Mas você fez: sentimentos, sensações, ideias, conceitos, intenções – tudo agora está ancorado ao mundo material.
Parabenize-se. Não é qualquer um que pode fazer isso. Fantasmas, por mais inteligentes que sejam, não têm condi­ções de realizar este feito. Essa, aliás, é a nossa grande vantagem sobre Shakespeare. Ele pode ter sido brilhante, mas hoje não pode escrever nem um número de celular num papelzinho.

Um a zero para o analfabeto funcional em cima do cânone literário do passado.

3 . ESCREVER É INÚTIL.

Como as melhores brincadeiras, escrever não leva a lugar nenhum. Sim, eu declarei claramente no primeiro item que escrever é organizar a vida e no segundo que escrever é uma forma de magia. Mas é preciso admitir também que a or­ganização e a magia não resolvem questões básicas da vida, embora sejam excelentes ferramentas pra lidar com elas.

É curioso examinar a vida dos maiores escritores que o planeta Terra já produziu e ver que a maior parte deles, por mais genial que fosse ao produzir um texto, esteve metida em encrencas épicas na sua vida pessoal. Isso não tira o brilho e o efeito do que escreviam sobre as pessoas e a maravilhosa construção e troca de riquezas que a escrita deles permitiu. Mas diz algo sobre os limites da escrita.

Por fim, uma última nota: a escrita, por mais cortejada que seja por grandes mestres, tem alma ordinária. Ela vai com qual­quer um. O desenho é um pouco mais caprichoso e nunca deixaria – como a escrita – que um cara como eu, sem nenhuma grande realização no âmbito das letras, falasse dela com tanta intimidade, como se a conhecesse e dominasse tão bem.

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