Macaco Bong . Mão Direita do Rock, Mão Esquerda do Jazz

Música instrumental, Gilberto Gil e descentralização da indústria no Brasil

POR RAQUEL SETZ
publicado em 20.01.2012 17:04  | última atualização 25.01.2012 12:46

Macaco Bong POR Fernando Martins Ferreira

“Música instrumental” é uma expressão que causa calafrios em quem logo imagina um sujeito engomadinho debulhando escalas de nomes estranhos. Mas, felizmente, há uma nova geração de grupos instrumentais brasileiros que passa longe desse estereótipo, criando uma música em que o som da banda como um todo é mais importante que a figura do solista – que muitas vezes sequer existe. O Macaco Bong é um dos principais nomes dessa cena, que também inclui, entre outros, A Banda de Joseph Tourton, Satanique Samba Trio, Hurtmold e o trabalho-solo de Maurício Takara.

Criado em Cuiabá no início de 2005, o Macaco Bong consolidou a formação atual no fim daquele ano, com Bruno Kayapy na guitarra, Ney Hugo no baixo e Ynaiã Benthroldo na bateria. Desde o começo, a banda aposta no som instrumental, e as composições são criadas no esquema jam session: entram no estúdio, começam a tocar e dali vão surgindo ideias que depois são encaixadas em outras ideias. A música do Macaco é bastante fluida e não se baseia na estrutura padrão da música popular (estrofe-ponte-refrão ou, no caso da instrumental, tema-solos-tema), característica compartilhada pelos grupos do que se convencionou chamar de pós-rock.

 

Outro aspecto em comum é a mistura de estilos e influências, algo que pode ser bem exemplificado pela guitarra do Macaco Bong, como explica Bruno Kayapy: “A linguagem da guitarra no jazz tem aquele lance de tocar os acordes em bloco, com timbre mais fechadinho, semiacústico e tal, só que eu faço isso com drive, com distorção, com a pegada do rock. Então misturo a mão direita do rock com a mão esquerda do jazz”. Acrescente alguns “dedinhos” de world music, heavy metal, hardcore, música pop e Hermeto Pascoal e já dá para ter uma ideia do som dos caras. “A gente gosta de Ray Charles, Dave Mathews Band a Morbid Angel, Canibal Corpse. Adoro Pat Metheny, mas considero esteticamente o Canibal Corpse uma das melhores bandas”, revela o guitarrista.

Essa geleia geral sonora chamou atenção do produtor Fabrício Nobre, que em 2008 teve a ideia de organizar um show com Gilberto Gil acompanhado pelo instrumental do Macaco Bong. Como Gil ainda era ministro da Cultura e estava com a agenda lotada, o projeto foi abortado. Alguns meses atrás, o plano foi ressuscitado. O Macaco Bong estreou com Gilberto Gil no show Futurível, em novembro de 2010. O resultado do encontro foi intrigante: alguns clássicos ganharam arranjos mais duros, sem o suingue e a alegria dos originais – o que explicitou o conteúdo melancólico antes encoberto pelo arranjo festivo de “Aquele Abraço”, canção feita por Gil pouco antes de se exilar. “Quando fui criar esses arranjos, procurei entender a letra ao máximo e passar isso no som, que já é o que a gente faz no Macaco. A gente não tem vocalista, mas a guitarra é a voz que diz quando é melancolia, quando é afeto”, conta Kayapy.
 


Embora não haja mais datas fechadas para esse show, o pessoal do Macaco espera repetir a parceria com Gil mais vezes. “Tem uma ideia estética e um conceito no show. A ideia é uma banda de rock tocando com o Gil, o conceito é a representação de um processo histórico de renovação, de construção de novas ordens”, teoriza Ynaiã. E, graças à internet e às tecnologias digitais, essa nova ordem já está se formando no mundo artístico, especialmente o musical, como explica o baixista Ney Hugo: “Acabou a fórmula, tanto na coisa de fazer o som, fazer arte, quanto na gestão de carreira. Antes tinha formulazinha: pagar jabá, ir na rádio. Hoje a gente tem festivais, tem internet”.

Com uma estrutura de rede ligando coletivos culturais e associações de música independente de todo o país, não é mais imperativo o artista ter contrato com gravadora ou viver em uma metrópole. O Macaco Bong é um ótimo exemplo desse processo de descentralização, já que Ynaiã, Kayapy e Ney se conheceram por meio do Espaço Cubo. A ideia inicial do instituto era incentivar a música autoral em uma época em que o meio musical de Cuiabá estava dominado pelas infames bandas cover. A iniciativa deu certo, e logo o Cubo passou a abrigar outras manifestações artísticas, como cinema e teatro. Com um espaço para apresentações (a Casa Fora do Eixo), o festival Calango e um esquema bem organizado de troca de serviços entre músicos, produtores, técnicos de som, fotógrafos etc., o Cubo vem fomentando a cena cultural da capital mato-grossense desde 2000.

Os três integrantes do Macaco Bong trabalham no instituto (Ynaiã com produção de eventos, Bruno com sonorização e Ney na parte de comunicação) e acreditam ser importante investir na cena local, como defende Ynaiã: “Pra consolidar a carreira e até ter uma força maior se essa mudança [para um grande centro] for necessária, é preciso estruturar sua cidade”.

tags:
 gilberto gil, macaco bong, espaço cubo, fora do eixo, música instrumental

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