Desde o início de 2012 o quadrinista estadunidense Ed Piskor está se dedicando à árdua tarefa de contar a história do hip hop pelos quadrinhos na série on-line Hip Hop Family Tree (Árvore Genealógica do Hip Hop), publicada (quase) semanalmente no site Boing Boing.
A ideia pode não ser nova – até o Emicida, quando tinha tempo para desenhar, já fez um zine com a mesma proposta – mas ninguém havia realizado ela com tamanho detalhamento histórico. Fruto de uma pesquisa minuciosa, nos dez capítulos de duas páginas publicados até o momento Piskor ainda nem chegou na gravação dos primeiros raps – “King Tim III” e “Rapper’s Delight” – mas já apresentou a criação de grupos como o Treacherous Three, Funky Four + 1, Furious Five e outros pioneiros, tudo num estilo vintage que parece vir direto dos quadrinhos underground dos EUA dos anos 70.
Piskor já trabalhou com Harvey Pekar em Os Beats e assina a HQ , sobre a cultura de phreaking (modificação de telefones para fazer ligações gratuitas à longa distância), e espera poder lançar em formato físico os primeiros volumes da sua saga do hip hop nos EUA. Conversamos com o quadrinista por e-mail, onde ele conta sobre seus planos para a série e as suas inspirações. Na galeria acima você pode conferir algumas páginas da Hip Hop Family Tree, e você pode ler aqui a série em inglês. E enquanto o primeiro livro de Piskor não sai, é possível comprar impressões em formato pôster das suas histórias favoritas.
Os Black Spades, gangue do jovem Afrika Bambaataa
Quantos anos você tem? Onde você nasceu e onde cresceu?
Eu tenho 29 anos. Nasci em Homestead, uma cidade de mineradores de aço em Pittsburgh, que parecia bem similar ao Bronx dos anos 70. Talvez por isso eu tenha me envolvido tão profundamente com o hip hop.
Quando você começou a desenhar? O que você desenhava quando era mais novo? Quais eram seus quadrinhos favoritos?
Todo mundo começa a desenhar bem novo, só que eu segui com isso. Eu gostava de desenhar – da melhor maneira que eu conhecia – minhas interpretações de desenhos animados que eu gostava, personagens de quadrinhos e imagens de livros infantis. Tem um livro infantil sobre o qual eu penso até hoje. Na verdade é uma série. Era sobre toda uma cidade feita de feijões antropomórficos. Os desenhos eram simples e eu conseguia desenhar eles mais aproximadamente, então eu sentia que estava fazendo algo bem.
Meus quadrinhos favoritos quando eu era criança eram os clássicos, X-Men, Homem Aranha, Justiceiro, além de qualquer crossover anual bacana que a Marvel lançasse. Eu era mais ligado na Marvel quando era pequeno. Quando eu estava na adolescência, quadrinhos foram considerados algo realmente legal por um ano e meio, durante o ginásio. Até os playboys liam, e foram eles que me apresentaram a Image Comics, que eu vim a amar intensamente. Aquele lance tinha muita qualidade. Numa idade em que um garoto está passando por uma overdose de testosterona, aqueles quadrinhos tinham toda a luta, armas, músculos, guerra, peitos e todas as outras coisas nas quais um adolescente se interessa. Quando fiquei um pouco mais velho, comecei a ler quadrinhos underground: Robert Crumb, Kim Deitch, etc. E depois Clowes, Ware e todos os suspeitos de sempre.
Os pequenos Run e DMC viciados em quadrinhos
Quando você começou a trabalhar com quadrinhos? Você faz isso profissionalmente?
Eu desenhava histórias desde os meus 9, 10 anos, mas eu comecei a fazer isso mais seriamente aos 21 e nunca mais parei. Para mim foi importante começar aos 21, por alguma razão. Algum quadrinista que eu adoro deve ter começado nessa idade ou algo assim. Faz uns oito anos que eu basicamente trabalho apenas com quadrinhos.
Você colaborou com Harvey Pekar no começo da sua carreira. Como foi trabalhar com ele? Ele era tão ranzinza quanto parecia em alguns quadrinhos?
O Harvey era incrível. Estou tentando lembrar, em quais quadrinhos dele ele era um babaca? Ela era um pouco estranho nos programas do Letterman, e eu acho que essa impressão se tornou maior do que os trabalhos que ele realmente fez. Isso é muito ruim. Eu sempre achei ele um cara muito legal e divertido pra caralho. Eu espero ser tão bacana quanto ele quando ficar mais velho.
Não acho que o Pekar era uma má pessoa, acho que fiquei com essa impressão de um velho ranzinza por causa de alguns quadrinhos que o Crumb fez com ele – não que isso seja algo ruim. Mas então, como você foi trabalhar em Os Beats? Você se interessava pelo movimento na época?
Depois do filme Anti-Herói Americano o Harvey recebeu uma tonelada de propostas. Ele tinha mais propostas de livros do que artistas trabalhando com ele... ou tempo. Ele estava querendo me dar outra chance. Por algum motivo eu acho que ele gostou da minha arte em Macedonia. Ou talvez foi simplesmente porque eu consegui fazer o trabalho no tempo necessário. Provavelmente foi essa a razão.
Eu realmente não me interessava pelo movimento beatnik, e quanto mais eu aprendia durante o projeto, mais eu sentia que todas as minhas desconfianças sobre o quanto aquela cena era (ou é) tosca eram confirmadas. Eu respeito o fato deles terem destruído o conservadorismo dos anos 50, mas eu gosto dos métodos usados por Harvey Kurtzman na revista Mad para fazer isso acontecer mais do que o caminho que os Beats tomaram.
Kevin “Boingthump” Phenicle, de Wizzywig foi um ótimo personagem. Você se interessava em phreaking e hacking antes de começar a série?
Sim, eu romantizei o hacking e o phreaking por anos e anos. Minha família sempre foi pobre demais para ter um computador, então sempre gostei de imaginar as coisas incríveis e más que eu poderia fazer com eles. E quando havia telefones públicos por perto eu tentava tudo que podia imaginar para fazer eles funcionarem do jeito que eu quisesse.
Você chegou a conseguir alguma coisa? Qual foi a ligação mais cara pela qual não pagou?
Eu estava mais para um amador E eu nunca consegui fazer algum truque do qual eu gostaria de falar sobre publicamente (risos).
Uma das versões sobre como nasceu a expressão "hip hop"
Você costuma trabalhar com algum tipo de perspectiva histórica em seus quadrinhos, dos Beats à cultura hacker e agora no hip hop. Você prefere trabalhar com temas reais em seus quadrinhos?
Foi algo que funcionou bem assim. Eu estou realmente interessado nas pessoas. Todo mundo tem uma boa história para contar, e há milhões de coisas para se aprender à medida que vai conhecendo mais pessoas. Isso é o mais fascinante. A vida real pode realmente dar a impressão de ser ficcional e espetacular em alguns momentos, e eu tendo a gravitar em torno dessas histórias.
Como você teve a ideia de criar a série Hip Hop Family Tree?
Tem esse livro chamado ego trip’s Book of Rap Lists, que listava todos os singles e faixas importantes da história do hip hop. Escutando elas em ordem você consegue ouvir claramente como a música foi sendo construída ao longo do tempo, e eu estava querendo fazer uma história sobre isso. As ideias começaram a sair do meu controle enquanto eu seguia me aprofundando mais e mais na história. A única maneira de cobrir todo esse material é fazer da maneira como estou desenhando agora: contar uma pequena parte da história e conectar os pontos, toda semana.
Você é claramente um fã de hip hop. Como você começou a curtir o estilo?
O hip hop sempre esteve à minha volta. Seria como perguntar para mim como eu comecei a curtir respirar, ou enxergar. A cidade onde eu cresci sempre foi muito ligada em soul, e o rap engolfou todo o meu ser. Na escola alguns garotos batiam nas carteiras, criando um beat, enquanto outros rimavam por cima. Nos anos 80 a minha área era como o Bronx nos anos 70.
Ed Piskor e sua bike
A história do hip hop é um tanto confusa, com várias disputas sobre quem fez e criou o quê. Como você está pesquisando para a série? Você está tentando mostrar os lados diferentes de cada história?
Eu tenho um punhado de fontes diferentes para a história. Pequenos pedaços de informação existem aqui e ali por toda a internet, em entrevistas pequenas que as pessoas deram ao longo dos anos. Por exemplo, se você leu os quadrinhos que eu publiquei até o momento, já mostrei três pessoas diferentes reivindicando para si a invenção do termo “hip hop”.
Até onde você está imaginando em chegar com a série – dos anos 70 até o A$AP Rocky e o Odd Future ou está planejando parar em algum momento? Você planeja transformar a série em um livro? Alguém que foi retratado nos quadrinhos já entrou em contato com você?
A série provavelmente vai parar em algum momento, talvez perto do Wu-Tan Clan ou algo assim. Vou demorar anos e anos para chegar lá, então nem estou pensando nisso agora. Para cobrir esse período de tempo o projeto provavelmente teria que ser uma série de livros, que é algo que eu gostaria de fazer. Algumas editoras já entraram em contato, mas eu ainda não decidi sobre qual é a melhor para o trabalho. Algumas pessoas que apareceram já me contataram. Foi gratificante saber que elas gostaram. Vai ser um saco quando alguém odiar a maneira como foi representado, mas isso também é inevitável.