A Hawk and a Hacksaw . Um pedacinho de Romênia via Novo México

Duo de baterista do Neutral Milk Hotel faz show em São Paulo nesta sexta, e fala à Soma sobre música do Leste Europeu e nova turnê do NMH

POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
publicado em 28.06.2013 14:24  | última atualização 28.06.2013 14:42

A Hawk and a Hacksaw POR Divulgação

Impressionados com a ideia de misturar farinha de mandioca e manteiga clarificada (a pimente já é costume para os nativos do Novo México) no baião de dois, Jeremy Barnes e Heather Trost, casal responsável pelo projeto A Hawk and a Hacksaw, consegue encontrar motivo para saciar a curiosidade cultural até numa chuvosa tarde de inverno em São Paulo.

Mas se o Brasil é motivo de animação, a paixão dos estadunidenses ainda é dedicada ao Leste Europeu, que serve de inspiração para boa parte da música instrumental tocada por eles. “A Romênia é o meu lugar favorito no mundo”, confessa Heather, antes de sair à rua em busca de um expresso.

Barnes, que se tornou conhecido no indie rock como baterista do Neutral Milk Hotel, ostenta um portentoso bigode e já estava entendo bem a cultura local. “Essa cerveja que você pediu, é uma Brahma?”, pergunta meio preocupado, maravilhado logo depois com o rótulo da Antarctica Original.

O duo, que veio ao Brasil para uma série de datas, toca nesta sexta-feira em São Paulo, no SESC Belenzinho, às 21h30. No sábado se apresentam em Curitiba, e encerram a turnê em Porto Alegre no domingo. Leia abaixo uma entrevista com a dupla, falando sobre barreiras linguísticas, as auguras da vida de carteiro e as especulações sobre os shows de retorno do Neutral Milk Hotel.

Jeremy, você era baterista, mas acabou indo parar no acordeão. Como foi essa transição para você?


Jeremy Barnes . Eu queria tocar um instrumento melódico, não algo apenas rítmico. Estava procurando, tentei com piano, órgão. Quando eu comecei a banda eu estava morando na França e estava ouvindo muita música com acordeão, então decidi alugar um e ver o que rolava. Aluguei por um mês, e acho que no terceiro fim de semana eu tive um estalo e entendi como funcionava o instrumento, fez sentido, e então eu me apaixonei. Eu adoro o fato de que ele é portátil, posso viajar com ele facilmente, posso fazer shows acústicos, não precisamos de eletricidade para fazer um show, podemos ir tocar na floresta se quisermos, o que é ótimo.



Essa portabilidade do acordeão foi importante para o instrumento se espalhar mundo afora.

JB . Sim, exato. Muita gente diz que ele foi o primeiro instrumento global, que viajou o mundo todo e influenciou a música popular de todos os países, até na África. E claro, também no Brasil, América do Sul, Europa, América do Norte.

O acordeão não é um instrumento tão fácil de se assimilar, apesar das teclas. Existe um componente rítmico na hora de abrir o fole. Seu passado como baterista ajudou a entender melhor o instrumento?

JB . Acho que sim. Eu sempre fui atraído por instrumentos grandes, como por exemplo a própria bateria. E mesmo sendo portátil, o acordeão é grande, ocupa um espaço grande junto ao seu corpo, e você pode o sentir ressoando no seu peito quando toca. Adoro isso, ter que tocar amarrado a ele. É uma invenção estranha.



E Heather, você sempre tocou violino?

Heather Trost . Eu comecei a tocar com três anos e meio. Eu tive aulas de violino clássico e de piano, mas eu comecei a ficar entediada tocando música clássica quando estava na adolescência. Então eu larguei o violino e só voltei a ele quando já estava na universidade.

E o que fez você voltar ao instrumento?


HT . Eu estava estudando Inglês e estava pensando, “o que eu poderia fazer”. Era o único instrumento que eu sabia tocar, então voltei a ele. Eu fui inspirada pelo meu professor a leva-lo mais a sério. Ele é brasileiro, chamado Carmelo dos Santos.  Eu comecei tocando em orquestras, mas depois passei para grupos menores. Fui abrindo meus horizontes.

Jeremy, em uma entrevista você falou que o primeiro contato seu com a música do Leste Europeu foi através do Jeff Mangum (líder do Neutral Milk Hotel). Como foi isso?

JB . O Jeff me mostrou o Bulgarian Women’s Choir e eu fiquei curioso, mas foi só um ano depois que eu realmente comecei a ouvir música folk instrumental da Romênia. Esse era um dos discos favoritos do Jeff, era o que ele gostava de ouvir quando estávamos viajando na estrada com o Neutral Milk Hotel. Depois eu comprei um disco de música folk romena, só por causa da capa, quer era uma imagem em technicolor de um cara com um clarinete e um filhote de carneiro no colo, fazendo carinho nele. Eu não sabia muito sobre a cultura romena, menos sobre a música. E quando eu coloquei para tocar, aquilo me deixou fascinado. Ali tudo mudou e eu comecei a ficar obcecado por essa música, comecei a comprar tudo o que eu pudesse de música da região.

Depois de o Neutral Milk Hotel terminar você chegou a trabalhar como carteiro, certo? Você já foi atacado por algum cachorro?

JB . Sim! (risos) É algo que acontece no mundo inteiro, então? Acho que tem algo a ver com a rotina. Eu não sei como funciona no Brasil, mas quando eu era carteiro, você tinha uma fenda na porta, onde colocava a correspondência. Muitos cachorros esperavam, sabiam quando você passava lá e tentavam morder seus dedos enquanto você colocava as cartas ali, e rasgavam toda a correspondência.



Você começou o A Hawk and a Hacksaw nessa época. Como foi o processo de começar a compor com o acordeão?


JB . O lance é que eu tinha começado o projeto antes de aprender a tocar o acordeão, é engraçado. Eu comecei a tocar na metade do disco, que foi lançado em 2002. Assim que eu comecei a tocar tudo mudou, metade das músicas foram jogadas fora, outras foram mudadas, escrevi novas. Eu demoro muito ao gravar meus discos, não vou para o estúdio e passo cinco dias e está pronto, demoro seis meses ou mais, então o disco vai mudando enquanto eu evoluo.

A ideia original já era focar em música folk do Leste Europeu?

JB . Isso já estava começando a aparecer, mas eu estava pensando muito em música de desenhos animados antigos, meio pastelão, Pernalonga. Eu também estava ouvindo muito música minimalista, como Terry Riley e Steve Reich, e um tanto disso acabou entrando no disco também. Mas no geral, a música folk acabou passando por cima de tudo.

Depois de aprender sozinho a tocar acordeão, você chegou a estuda-lo ou o conhecimento que você tem vem de tocar com outras pessoas?

JB . Eu aprendi mais tocando com outras pessoas mesmo. Conheci uma senhora aqui em Albuquerque que conhecia algumas músicas búlgaras, que me ensinou um pouco, e aprendi uma ou outra coisa de acordeonistas, mas nunca procurei uma educação formal em nenhum instrumento.



Como vocês fazem para lidar com a barreira de linguagem em relação às culturas do Leste Europeu?


JB . Foi mais difícil quando moramos na Romênia, o tempo que passamos na Hungria foi mais fácil. Hoje em dia os jovens já falam inglês, o que facilita, mas também tocamos com músicos mais velhos, que não falam inglês. Mas às vezes é divertido tocar com alguém com quem não fala a mesma língua que você, porque você precisa tentar se comunicar apenas pela música. Mas com certeza ajuda quando alguém fala a nossa língua, e isso só aumenta – é como no Brasil, onde tanta gente fala inglês tão bem. É um verdadeiro luxo para nós (risos).

O disco novo de vocês, You Have Already Gone to Another World, é baseado no filme ucraniano Tini zabutykh predkiv (A Sombra dos Ancestrais Esquecidos, em tradução livre). Como funcionou esse processo? É mais fácil focar numa referência visual na hora de compor um álbum?

JB . Nós fizemos alguns shows tocando as músicas junto com o filme. Algumas foram compostas por nós, mas também tocamos músicas que estão na trilha original do filme. Compomos novas músicas baseados nos personagens e nas situações e cenários. O novo disco não chega a ser uma nova trilha sonora, é um disco “inspirado” no filme. É a primeira vez que fazemos algo desse tipo, e realmente ajuda a pensar a música.

Quais instrumentos que vocês gostariam de tocar e ainda não aprenderam?

HT . Hmmmm. Acho que eu gostaria de tocar harpa.

JB . Essa é difícil. Acho que eu queria tocar gaita de foles, mas não a escocesa. As escocesas são as mais conhecidas, todo mundo já ouviu – e não são o tipo de gaita que eu gosto.

HT . Elas são muito mainstream (risos)

JB . Existem vários tipos de gaitas de fole pela Europa. Na França, Espanha, Itália, Turquia, Irlanda, Grécia, Macedônia, Bulgária, Romênia... Todas diferentes.



E para encerrar o papo, como estão os ensaios do retorno do Neutral Milk Hotel?


JB . Nós não vamos ensaiar, vamos nos encontrar e fazer um show juntos do nada (risos). Não posso contar nossos segredos para você. Vai ser uma nova formação, vamos todos tocar só sintetizadores (risos). Espero poder tocar no Brasil em 2014. Até lá pelo menos teremos ensaiado (risos).

A Hawk and a Hacksaw em São Paulo
Quando . sexta-feira (28), às 21h30
Onde . SESC Belenzinho . R. Padre Adelino, 1000 - São Paulo / SP
Quanto . Entre R$ 24 e R$ 6
Infos . sescsp.org

tags:
 a hawk and a hacksaw, neutral milk hotel

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