Cada vez que um jovem comete um crime hediondo, autoridades de governos mais conservadores voltam a discutir a possibilidade da redução da maioridade penal. Em São Paulo, isso aconteceu após o caso do adolescente Victor Hugo Deppman, assassinado em abril no bairro do Belém e da dentista Cinthya Moutinho de Souza, que foi queimada viva após ter apenas R$ 30 em sua conta em São Bernardo do Campo.
O governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegou a criar uma proposta concreta para mudar as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o debate já foi iniciado no congresso nacional. Mas isso não significa que todo mundo concorde com a ideia. Inúmeros rappers de vários locais do país como São Paulo, Minas e Rio de Janeiro começaram a gravar vídeos para o canal “Contra Redução”, criado pelo poeta e músico Akins Kinte. Entre os nomes, Tiago RedNiggaz, Lurdez da Luz, Tubarão DuLixo, Raphão Alaafin e outros.
Chamando as pessoas que querem fomentar o debate, o canal do YouTube já possui mais de 30 vídeos gravados por rappers em formato “a capella” (somente a voz). “A ideia nasceu da angústia, da necessidade, do massacre psicológico que estou acompanhando. O debate na televisão, aliás, debate não, a campanha a favor da redução da maioridade penal. Mais de 80% da população é a favor, mas ela é influenciada pelo sensacionalismo dos programas jornalísticos. Acredito que a internet é um meio de se chegar nas pessoas. Com isso, a ideia de mostrar o outro lado dessa mesma moeda.”, diz o criador Akins Kinte.
O rap, por conta de sua “veia contestadora e crítica dentro da sociedade”, para Kinte, é um dos melhores gêneros para criar essa discussão, pois hoje, com as constantes idas à televisão (e ele deixa claro que não há recalque quanto a isso) o movimento vem tomando espaço na mídia. O poeta também conta um caso que deixa claro a importância do debate acontecer dentro do estilo. “Vi comentário assim: eu era a favor, mas agora que vi o vídeo da Lurdez da Luz vou repensar”, lembra.
Um dos nomes que aparecem no Contra Redução rimando é Tiago RedNiggaz – que também é advogado. O rapper foi chamado por Tubarão DuLixo, o outro responsável pelo canal ao lado de Kinte e em questão de dois dias (gravou em um, no outro subiu no YouTube) fez a música. Ele acredita que o rap deve ser o gênero que debate não só esse tipo de discussão, mas outros assuntos sérios também. “Acho que o rap tem obrigação de fazer parte dessa discussão, até porque os efeitos principais disso são na própria comunidade do hip hop, a de baixo poder aquisitivo – e que, muitas vezes, menos toma partido nesses casos", afirma RedNiggaz.
Lurdez da Luz, que gerou o comentário de uma pessoa que iria repensar, disse já ter visto um pessoal do rap se posicionando a favor e vê como importante o canal para discutir o tema. “Eu vi nego do rap, um mano de Goiânia, que era a favor da redução e é da hora. Ele vem com os argumentos dele e o quem é contra a redução vem com dados e a discussão pega fogo, porque num é só essa lei em si, é o que ela representa e o que representa a população estar a favor disso, gera a discussão de como as coisas chegaram a esse nível”, conta.
O motivo de todos os vídeos serem “a capella”, sem produção caprichada e gravados em câmeras amadoras, webcams e celulares, é a urgência do tema. Kinte gostaria que tudo fosse passasse por estúdio, mas isso demandaria tempo e muito mais trabalho, o que talvez esfriasse o debate. Por isso, o poeta pensou em um modo simples e que não estabelecesse possíveis fronteiras regionais.
O futuro dessas gravações é incerto, pelo menos para a maioria dos rappers. Lurdez não pensa em criar um beat e fazer uma música a partir de seu vídeo. “Posso até participar de um disco coletivo sobre isso, mas no meu trabalho artístico é diferente, não sou tanto de compor usando temas”, explica. RedNiggaz não descarta reescrever uns versos e expor esses argumentos em um projeto pessoal e Kinte comenta que gostaria de lançar algo relacionado ao Contra Redução: “Vontade de fazer um CD ou coisa assim temos sim. Mas agora é da hora os irmãos somarem desse jeito: a capella, gravar no celular, na webcam. É urgente”, reitera.
Vários nomes já estão confirmados para os próximos vídeos, como Renan (Inquérito), Thiago Thadeu, Allan da Rosa, Rico da Leste, Eduardo Brechó, Mamuti Zero Onze e Zezé Olukemi. Tubarão também tenta fazer contato com o pessoal do funk da Baixada Santista, que sofre no dia a dia com violência policial - leia mais sobre isso aqui. Além disso, Kinte também pensa em montar um evento relacionado ao canal.
Para assistir todos os vídeos, acesse o canal Contra Redução clicando aqui. Se você for MC ou quiser contribuir para o projeto, envie um email para .