Ânsias de Ver

Guillermo Giansanti cria seus retratos após perguntar "o que você gostaria de ver?" a cegos

POR EDU MONTEIRO E MATEUS POTUMATI
publicado em 24.05.2012 19:06  | última atualização 30.05.2012 15:47

POR Guillermo Giansanti

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(Introdução e curadoria por Edu Monteiro, entrevista por Mateus Potumati)

Já faz algum tempo que fotógrafos não se contentam mais apenas com o poder de mímese, intrínseco na fotografia desde sua invenção, cada dia eles são menos “fotógrafos” no sentido clássico do termo. Guillermo Giansanti divide esta inquietação. Não lhe basta apenas o domínio apurado da técnica ao trabalhar com a luz, ele não quer só escrever o mundo que aparece ao seu redor, ele quer reescrever o seu entorno, compartilhar angústias e alegrias – criar novas realidades, ou ficções pessoais. Evgen Bavcar, artista cego e importante expoente da arte contemporânea, costuma dizer que o mundo não é separado entre cegos e não cegos. “A fotografia não é exclusividade de quem pode enxergar, nós também construímos imagens interiores”, afirma ele. O fotógrafo Guillermo Giansanti, em “Ânsias de ver”, ao perguntar para algumas pessoas cegas: “o que gostariam de ver?”, trabalha com o conceito de Bavcar, incentiva seus personagens à prática do exercício da criação, revelações de imagens interiores.

Ao contrário do caminho proposto pela artista francesa Sophie Calle, que, ao perguntar para os cegos “qual é a sua imagem de beleza?”, a partir da resposta constrói a sua própria representação através de uma imagem construída ou selecionada por ela, Guillermo leva estas pessoas aos locais escolhidos, trabalha com toda a sensorialidade do local, seus sons, cheiros, vibrações e temperaturas - constrói uma fotografia coletiva, a imagem interior do deficiente visual exteriorizada pelo fotógrafo, como uma espécie de prótese orgânica. No entanto, Giansanti não é só fotógrafo, não é só olho neste trabalho. Ele é confidente, tradutor visual, guia que também é guiado. Ambos, artista e personagem, partilham o êxito e o fracasso que acompanha toda atividade artística. De certeza só trazemos a premissa de que ninguém permanece o mesmo depois de uma
experiência intensa como esta.

Você lembra como surgiu a ideia desse ensaio?

Eu estava com a ideia de fazer algum trabalho com pessoas cegas, sempre tive uma curiosidade de entender como eles imaginam as coisas, qual é o significado da cor para eles, etc. Num papo de bar comentei isso com o Edu Monteiro e ele me falou sobre o trabalho de Sophie Calle, foi aí que veio a ideia. O curioso é que no momento eu não vi o trabalho dela, só depois de terminar meu trabalho percebi as semelhanças e as diferenças. Edu acompanhou o trabalho de perto, na curadoria e montagem do díptico. O texto de introdução não podia ser de outro, era dele.

Quais as respostas mais marcantes que você ouviu ao perguntar "o que você gostaria de ver"?

O que me chamou a atenção foi o desinteresse por ver, o que achei bacana. Eles substituem a deficiência visual com os outros sentidos, descobrem a Torre Eiffel tocando-a em miniatura, se excitam pelo cheiro e compram por necessidade. Tiveram histórias engraçadas, o cara da lua, por exemplo, queria ver as baleias que nessa época ficam nas águas de Cabo Polônio no Uruguai e fazem barulho no silêncio das noites. Mas as baleias eram somente um ponto que pulava muito longe no mar; invisível para a lente 35mm que usei neste trabalho. A opção do mar foi ansiada por vários personagens, mas, como no caso das baleias, nem sempre a primeira vontade foi a que terminou sendo a fotografada.

Seu ensaio obviamente propõe várias questões sobre a fotografia e o próprio ato de ver. Isso é especialmente significativo em uma cultura como a atual, hiper-saturada pelo compartilhamento de fotos e na qual o ver adquiriu um senso de vouyerismo e sucesso inéditos. Qual você imagina ou deseja que fosse a contribuição desse ensaio nesse contexto?

Eu queria simplicidade nas imagens. Esta ideia estava na minha cabeça antes de começar o ensaio, e se reafirmou nas respostas dos personagens. O resultado da experiência mostra a importância da natureza e como a vida é simples.


Você trabalha com jornalismo diário, meio dominado pela necessidade de rapidez e volume de material, ao passo que seu ensaio claramente é fruto do comedimento e da curadoria, além de conceitualmente tocar na questão da limitação do olhar. Apesar dessa discrepância entre os dois mundos, você ainda consegue enxergar caminhos para uma interferência benéfica das técnicas desse mercado no seu trabalho autoral, e vice-versa?

Neste trabalho o clique não era o mais importante, tive que conhecer as pessoas, agendar encontros, escolher as locações etc. Levei um ano para concluir o ensaio e no momento da foto quase tudo estava premeditado. Mas também gosto da correria, de chegar e não saber o que vou encontrar, olhar pelo visor e compor na hora. É legal saber se adaptar às necessidades do mercado, eu preciso pelo dinheiro e pelo prazer de ir pulando desafios dia a dia, tem uma adrenalina gostosa ter que resolver na hora. Eu gosto é de fotografar (algumas coisas mais que outras, claro). Não sou fã do ditado de que o fotógrafo tem que se dedicar a só uma linha dentro da fotografia.

Sempre tento levar algo do meu trabalho autoral para um trabalho editorial qualquer. Nem sempre é possível, mas acho que seria benéfico incentivar nos meios de comunicação a realização de reportagens mais profundas e com maior disponibilidade de tempo, que geralmente é a base de um trabalho mais sincero e informativo. Agora estou desenvolvendo um trabalho no norte do Brasil bem diferente, nada está premeditado.

Achei que o significado de comedimento explica bem este ensaio:
Comedimento 1. Moderação. 2. Modéstia. 3. Prudência.



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 ensaio de fotos, edu monteiro, guillermo giansanti, deficientes visuais, cegos

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