Luis Daniel Vega . Por dentro da nova cumbia colombiana

Soma conversa com radialista colombiano sobre o boom de interesse internacional nos sonidos do país latino

POR NICO LLANO
publicado em 21.12.2012 17:06  | última atualização 21.12.2012 17:36

Luis Daniel Vega POR Luis Daniel

Sem dúvida, nos últimos cinco anos a música colombiana ganhou uma importância inusitada no panorama musical de todo o mundo, pelo menos na mídia especializada, com a cumbia como gênero de referência. Atualmente os sons - antigos e modernos - do país estão sendo capitalizados a partir de diferentes perspectivas: selos como Soundways, Honest Jon’s, Vampisoul, Soul Jazz, têm lançado varias coletâneas sobre música tropical da Colômbia e discos das novas vozes do país. Bandas como Bomba Estéreo, ChocQuibTown e Ondatrópica, começaram recentemente a serem ouvidas e reconhecidas fora do circuito latino; figuras estabelecidas como Quantic estão produzindo música e re-valorizando suas tradições. Tudo parece indicar que a música colombiana está passando por um momento importante. No entanto, a pergunta parece mais válida e pertinente que nunca: de onde vem e o que significa essa explosão?

Luis Daniel Vega tem sido um observador do desenvolvimento musical do país nos últimos 15 anos. Jornalista de rádio, crítico musical, fundador do selo Festina Lente, Vega falou à Soma sobre as raízes do chamado ‘boom’ musical, a importância do som tropical no país, e o panorama atual da música colombiana.

O que está acontecendo atualmente na cena musical colombiana? Além do interesse no estrangeiro pela música tropical, quais os movimentos que estão surgindo no país?

Luis Daniel Veja . Hoje em dia, há uma construção de um som pop mais particular, melhor trabalhado. Um som pop que vai além do Tropipop (pseudo-gênero de música tropical-romântica colombiana). Artistas como Monsieur Periné, Esteman e Puerto Candelaria. Na minha opinião, esse novo som é parecido com o a música produzida no Brasil nos anos 60, 70: música elegante, popular, não exclusiva e pouco convencional. Músicas com mensagens claras mais que não pertenciam ao gueto dos intelectuais. O problema com esse tipo de "movimentos" na Colômbia, é que são sobrevalorizados de forma muito rápida, e nessa lógica, depois dessa banda ou aquela, não existe mais nada. Temos o péssimo costume de construir modas e não entender o contexto, e o grande problema é que aqui na Colômbia, apagamos a fita cassete a cada cinco anos. Não existe um interesse sobre aprofundar nem pesquisar sobre nosso contexto, nossa produção histórica. É só comparar a importância do material de referência e arquivos musicais com outros países do continente: Chile, México, Peru e Brasil. Aí você encontra livros, pesquisas, publicações sobre música e sua importância na construção cultural do país desde diferentes perspectivas. É por isso que aqui no temos heróis musicais.

Por outro lado, existe algo legal que está acontecendo com os compositores que transitam entre o jazz, rock e a balada (canção ou música de caráter sentimental). Pessoas como Andrés Correa, Andrés Gualdrón, a galera da Fundação Barrio Colômbia, e do festival FICIB. É um movimento que reivindica e atualiza a tradição do estereótipo do cara de esquerda que toca violão ao redor da fogueira. E também é um fenômeno que atravessa a América Latina toda: Jorge Drexler e Martín Buscaglia. E aí, nesse campo, podem ser incluídos até caras lendários como Jorge Velosa, e novas vozes como Esteman, ou os Meridian Brothers.



Como tem sido seu envolvimento com a música e a crítica musical no país? Antes de fazer parte da Javeriana Estéreo, e de escrever para diferentes meios de comunicação, como era sua relação com a música tropical?

LDV . Desde criança lembro ter sido muito curioso sobre a coleção de discos do meu pai. Minha primeira lembrança com relação à música é ter colocado um disco na vitrola de forma certa. Lembro quando comecei comprar meus primeiros álbuns. Tinha um amigo que era tão maluco pelos Beatles quanto eu. Nesse tempo tinha um monte de "traficantes de discos" na cidade. Nos anos de 1992, 1993, aos finais de semana, um leiteiro ia à casa de um amigo com vários discos para vender. Eu juntava dinheiro durante toda a semana para compra-los. Curtia muito o rock. Lembro de ir até a casa de um amigo do meu pai, amigo do bairro que era um colecionador dos Beatles, e ter aberto o Stand Up de Jethro Tull pela primeira vez. Foi um momento fantástico.

A música tropical sempre esteve presente. No carro viajando com meu pai, lembro de ter escutado bambucos e os clássicos de Lucho Bermudez. Meu pai tinha uma certa curiosidade musical, sem preconceitos. Lembro ter escutado enlouquecido na vitrola da casa dos meus avôs o primeiro disco de Los Carrangueros, dançando como se estivesse possuído, ao lado da minha irmã. Tínhamos cinco anos. Mesmo nesse momento, eu entendia que a música de dezembro (termo comum usado para descrever a música tropical colombiana) ainda tinha o poder de marcar divisões sociais e raciais. O primeiro disco de música tropical que comprei foi Acid de Ray Barreto. Esse disco era como Sgt. Pepper’s e Nirvana juntos numa dimensão tropical, e claro, essa compra foi influenciada pelo Andrés Caicedo; para muitos da minha geração, a salsa chegou por intermédio de Caicedo (escritor de culto Colombiano, nascido em Cali, parte do movimento cultural da cidade nos anos 70. Se suicidou em 1977, ano da publicação de seu livro mais reconhecido, Que viva la música!).

Meu início no mundo da rádio foi em 1999. Para mim, antes de entrar na Javeriana Estéreo, existia um mito ao redor dessa emissora. Caras como Juan Carlos Garay e Gustavo Gómez eram os referentes desse tempo. Sempre pensei que trabalhar aí era coisa de pessoas privilegiadas. Eu estudava literatura e escrever ou trabalhar com música sempre tinha sido meu sonho, algo quase inatingível. A tradição de crítica musical no país não era muito ampla, desde uma perspectiva jornalística, Garay sempre foi o cara mais próximo. No entanto, tínhamos presente a grande referência de León de Greiff. Na Javeriana Estéreo comecei fazendo o programa de clássicos do rock, depois fiz rock contemporâneo, jazz latino, em seguida música colombiana e acabei coordenando, até 2006, um programa chamado Sons Contemporâneos de músicas do mundo todo. Enfim, em 2003, um amigo da emissora, Jorge Patiño, que escrevia para Gatopardo e era o coordenador de música clássica da emissora e foi nomeado editor da revista Rolling Stone no país. Nesse tempo, eu ainda me perguntava como faziam esses caras para arranjar esses trabalhos escrevendo sobre música. Eu tinha experiência na rádio, mas não tinha escrito nada. Um dia, numa edição da revista, li que um amigo meu tinha publicado uma resenha. Foi aí que empecei. Mandei três resenhas (Erik Truffaz, Myra Melford, Javon Jackson) e pouco a pouco elas começaram a ser publicadas. Na RS trabalhei cinco anos fazendo resenhas na seção Fuera del margen (Fora da margem). Aí foi quando comecei resenhar e pesquisar a música folclórica do país. Lembro que minha primeira resenha desse tipo foi o disco do Gualajo. Posteriormente comecei fazendo artigos sobre festivais de folclore como o Gaitas de San Jacinto, e de bandas como La 33 e Cabuya.



Qual tem sido a maior mudança em termos de produção e desenvolvimento musical na Colômbia dos últimos anos? Aquilo que hoje se considera novidade, tem um passado recente que normalmente é esquecido pelos consumidores dessas novas referências musicais.

LDV . Nos últimos quinze anos a mudança tem sido muito marcante. Além das modas, têm pessoas fazendo um trabalho muito interessante de forma silenciosa faz um tempo. O chamado ‘boom’ tem umas raízes de mais de vinte anos, e essa valorização tem muito a ver com Carlos Vives. Não é um lugar comum - sem lhe dar todo o crédito - falar que sem Vives o vallenato (um estilo de música folclórica na Colômbia) não seria escutado com a mesma força em Bogotá; eu, por exemplo, antes dele, não tinha escutado uma gaita colombiana. Imagina, se a música de Lucho Bermudez ou Pacho Galán era escutada com apreensão na metade do século, o som da gaita soava da mesma maneira. O Vives foi muito importante, estamos falando do disco Clásico de La Provincia, lançado em 1992. Mas o álbum que mudou tudo foi La Tierra del Olvido. Um dos discos mais importantes da história da música da Colômbia e da América Latina. Produzido por Richard Blair e Iván Benavides, o disco não tem faixas ruins: pop para os intelectuais que desejavam escutar música popular, e por o outro lado, um disco dançante e inovador para o grande público. Foi um disco acessível para os dois universos. De alguma forma, é o reflexo da situação atual com o pop nacional.

Nos últimos cinquenta anos, a Colômbia virou um país urbano. E esse fenômeno foi determinante no desenvolvimento musical do país. No caso de Bogotá, em 1970 já tinha muitas pessoas que começavam se interessar pela música tropical e folclórica, como Benavides e Juan Sebastián Monsalve. Na década de 80, no bairro de La Macarena, existiam muitos bares que já apresentavam noites de música folclórica, especialmente La Teja Corrida, onde todas as quintas tocavam os Los Gaiteros de San Jacinto. O chamado ‘boom’ não tem nada de novidade, tem um passado bem marcado, mas agora existe uma atenção midiática. Caras como Monsalve ou Urián Sarmiento entenderam o assunto de forma diferente, inovadora. Pensaram “vamos chamar esses mestres para eles nos ensinarem as tradições, mas vamos interpretar as raízes com a nossa perspectiva”. Eles não se limitaram a imitar, criaram uma identidade própria a partir desse som tradicional.

O primeiro disco de Curupira, Pa' Lante Pa' trá, tem mais de dez anos. Você escuta uma gaita e faz uma associação com a Alta Serra do Caribe, no entanto, escuta Curupira e é uma outra história. Esses caras não fazem folclore. Não estão aqui nem lá, o som deles é ‘terra de ninguém’. Outra referência desse passado recente é o Ensamble Polifónico Vallenato que nasceu em 1999. Pedro (Ojeda), Mario (Galeano) e Eblis (Alvarez) tocavam punk e música chucuchucu no colégio (gíria para sons tropicais) como reação ao radicalismo da cena punk da cidade, e isso foi há 20 anos.

Insisto, o momento atual da música colombiana tem um passado profundo. E tudo tem relação entre si. Bloque de Busqueda tem muita a ver com La Distritofónica. Na hora que Monsalve escutou Bloque, tudo mudou. Aí a galera pensou: isso pode ser feito! Esse disco de Bloque tinha currulao (música folclórica colombiana da região pacífica), música do caribe, música brasileira; e nesse sentido, o som desses caras também era terra de ninguém. Bloque era o pessoal da Provincia (banda de Carlos Vives) mas sem Vives. Papa Pastor no baixo, Teto Ocampo na guitarra, Pablo Bernal na bateria, Gilbert Martinez na percussão, Maite na voz e na gaita e Iván Benavides.



Ao vivo, Pantera tocava o trombone, (ele já tocava há 30 anos com o Fruko). Então, quando você vê fenômenos como Bloque, entende o desenvolvimento natural até chegar a Ondatrópica. Mario (Galeano) nunca pensou em fazer um gesto messiânico com as figuras da música tropical, nem fazer um disco tipo Buena Vista Social Club versão Colômbia. O projeto nasceu do interesse dele pelos ritmos tropicais de forma orgânica. O ‘boom’ existe, mas de forma midiática e na verdade, fico contente que aconteça, mas temos que ter presente o contexto e a história. Nos anos 50 e 60, Medellín foi um dos grandes centros de produção musical do continente, o Discos Fuentes publicou muito discos que hoje são considerados clássicos, e depois dos anos 80, tudo acabou. Então, temos que ser realistas, pensar que a musica do pacífico ainda é muito pouco conhecida, e é um pedaço gigante de nossa cultura.

Festina Lente, seu selo de disco, tem mais de 16 lançamentos em pouco mais de três anos. Um número significativo especialmente para o mercado colombiano. Ele é um selo que publica raridades sonoras, free jazz, tropical noise, entre outras coisas; de onde vem o conceito e a ideia de trabalhar de forma tão aberta em relação aos gêneros e diferentes estilos?

LDV . O Festina Lente é um projeto baseado na espontaneidade. O processo de pensamento sempre tem sido o mesmo: tenho uma grana poupada, vou investir na gravação dum disco, simplesmente pela vontade de deixar o registro, de construir um documento. Hoje em dia é mais barato gravar, e já não existe o pensamento de que um disco só pode ser feito num estúdio grande, tudo isso foi revalorizado. A ideia com o Festina é avançar sem muita pretensão. Eu faço outras coisas, escrevo e faço rádio. Contudo, isso não significa que o Festina não seja importante, só que não tenho focado meu futuro nisso. Os discos lançados têm sido feitos sem contrato, com amigos, confiando um no outro. E nessa medida é um trabalho muito saudável.

O maior sucesso do catálogo do Festina é o disco de Los Pirañas, Toma tu jabón Kapax, que será lançado em vinil pelo selo de Barcelona Vampisoul. Como surgiu essa parceria e o que ela significa tanto para você quanto para Los Pirañas?

LDV . Nasceu por intuição. Um dia Eblis (Meridian Brothers) falou que o novo disco da banda, Desesperanza, ia ser lançado pelo Soundways. Aí fiquei pensando, “cara, seria incrível fazer algo assim com Los Pirañas e Vampisoul”. Eles já tinham lançado o disco do Frente Cumbiero com o Mad Professor. Então entrei em contato com eles falando da banda, do disco, anexando as resenhas, e no outro dia já tinha a resposta. Os caras ficaram muito empolgados com a ideia. Eu fiquei feliz com a notícia, esse selo é para várias pessoas. Imagina, eu fiz o Festina Lente porque sou um ‘fetichista’ dos selos. A Apple Records foi a minha maior influência. A ideia dos Beatles era maravilhosa, “vamos publicar um monte de coisas diferentes, que gostamos e que talvez pouca gente conheça”. Nesse catálogo existem coisas como Ravi Shankar, The Modern Jazz Quartet, James Taylor, Mary Hopkins e discos de compositores ingleses contemporâneos. Além da Apple, minhas referências sempre foram os selos jazz, Blue Note, Impulse, ou coisas mais perto do free jazz, tipo ESP-Disk, onde você pode encontrar desde Albert Taylor, até o disco do Charles Manson na prisão.

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