Na semana passada, publicamos a primeira parte desta lista, ido da pré-história do rap nacional até o fortalecimento da cena paulistana. Agora é a vez do rap brasileiro no novo milênio, de Sabotage a Emicida, de Xis a Flora Matos. O ranking foi compilado a partir de sugestões de KL Jay, Don L, , , e , mais os editores da Soma Mateus Potumati e Amauri Stamboroski Jr. Confira a lista completa abaixo.
Leia aqui a primeira parte da lista
14. MV Bill . “Soldado do Morro”
Ano: 2000
Disco: Traficando Informação
No ano 2000, os funks com temática sexual e os proibidões dominavam o Rio, e as reflexões contidas em sons como “Rap das Armas” pareciam definitivamente relegadas ao plano secundário – ou, pior, ao esquecimento. Foi então que, com uma ajudinha de KL Jay e Ice Blue, MV Bill lançou Traficando Informação, uma versão aditivada e com três músicas a mais de CDD Mandando Fechado, que o rapper da Cidade de Deus lançara em 98. Com o upgrade, o disco decolou e ganhou o país.
Muito dessa força se deveu a “Soldado do Morro”, uma das 3 faixas novas, que fala do cotidiano dos garotos empregados pelo tráfico no Rio. A base é simples e a levada ainda remete bastante a Mano Brown, mas a semelhança ajuda a ressaltar as diferenças: em vez de distópico, Bill é um idealista; em vez de confrontacional, é um democrata por natureza, que vai ao Faustão e à Daslu sem perder crédito na rua. No clipe, proibido pela MTV à época, o “moleque que enfia o cano dentro da sua boca” chama a dona da venda de tia ao final do expediente. Se Brown era o nosso Malcolm X, o rap brasileiro ganhava ali seu Martin Luther King. [MP]
15. Xis . “Us Mano e as Mina”
Ano . 2000
Disco . Seja Como For
Poucas músicas na história do rap nacional representaram tão bem um fim de semana na quebrada. Em 2000, era impossível escapar do refrão de “Us Mano e As Mina”: o som era tão grande na rádio quanto qualquer axé. Em entrevista à Soma 13, Xis conta que resolveu fazer o rap porque faltava na sua estreia solo um som que mostrasse a COHAB 2 de Itaquera do jeito que ela é. “Chega fim de semana, rapaziada fica de rolê de carro, as minas ficam de rolê de três, quatro juntas na rua.”
A música foi construída em cima de um loop de “I Like It”, do De Barge, mas no estúdio Xis resolveu tocar a faixa sem o sample: “Tirei todo o loop e os caras (DJ King e Paulo Boy) começaram a dar risada: ‘Hahahaha, música de lagartixa!’ A gente ficou meia hora chorando de dar risada. Aí eu olhei pros caras e falei: ‘Vai ficar assim’. Deixei o sample só no final da música”. Xis pensou que a faixa ia ser só uma vinheta, mas o ritmo bounce do som acabou na boca de todo mundo, de Sampa Crew a Xuxa e Maurício Manieri. [AS]
16. Sabotage . “Um Bom Lugar”
Ano: 2000
Disco: Rap é Compromisso!
Se o Emicida é o “”, Sabotage foi o : um gênio incontestável que, apesar da morte trágica e prematura, deixou uma obra eterna. É difícil escolher entre as poucas músicas gravadas pelo Maestro do Canão (11 no disco Rap É Compromisso! e outras 18 em coletâneas; em 2010 o produtor Daniel Ganjaman para um novo disco). Mas “Um Bom Lugar” traz informações preciosas para entender a complexa personalidade e a força musical do rapper.
Sabotage, um virtuose da gíria, colocou mensagens tão cifradas em suas letras que nenhuma delas pode ser entendida com leituras superficiais. A humildade que constrói o “bom lugar”, adotada como pelo rap, nos versos tem contexto mais específico: disputas de território entre bandidos (e contra a polícia), rotina na vida de Sabotage. Somam-se a isso sua voz rouca e densa, seu talento para cantar e suas métricas únicas, algumas delas sincopadas, e tem-se a obra que mais de perto flertou com um inferno palpável e iminente no nosso rap. Louco, elétrico, sobrevivente, Sabotage não só conseguia rir disso, mas saía dali com sons que tocavam “pretos, brancos, ricos, pobres, bandidos, favelados e trabalhadores”, nas palavras de KL Jay. [MP]
17. Gog . “Brasil com ‘P’”
Ano: 2000
Disco: CPI da Favela
Um dos pioneiros da cena do Distrito Federal, GOG (acrônimo de Genival Oliveira Gonçalves) recebeu merecidamente a alcunha de “Poeta do Rap Nacional”. Sua poesia viveu diferentes fases: do começo rudimentar em , de 1992, aos três discos seguintes, em que os beats de DJ Hum e a levada de Mano Brown são influências evidentes. No final da década, GOG se descolou do formalismo inspirado no rap de São Paulo e rumou ao que se tornou sua principal marca: um rap com cadência muito particular, mais aproximado do spoken word e da pura declamação poética.
“Brasil com ‘P’” é o ponto alto dessa mudança. Em uma letra extensa, sobre uma base de rock simples, ele constroi uma epopeia poética que vai além do tema puramente periférico para tocar na própria ideia da identidade do brasileiro (política, psicológica, econômica, racial). O mais impressionante, ele o faz forma de aliteração plena: absolutamente todas as palavras começam com P. Essa nova fase aproximou GOG de artistas da MPB como Lenine e Maria Rita e de guerreiros da literatura periférica como Sérgio Vaz e Ferréz – não à toa, ele é presença constante nos saraus poéticos que surgiram pelo país nos últimos dez anos. Em “Brasil com ‘P’”, GOG conseguiu falar mais com o homem comum do que qualquer rap da escola tradicional. [MP]
18. Black Alien & Speed . “Quem Que Caguetou”
Ano: 2001
Disco: Groove Brasil
Sucesso internacional graças a um comercial de carro, “Quem Que Caguetou” é um caso clássico de hit insuspeito. Gravada pelo produtor Tejo (Instituto) em seis horas para uma coletânea da Trip, a faixa é talvez o mais bem-sucedido híbrido de rap, funk carioca e eletrônica da história.
Com um clima frenético de vídeo-game (a abertura “follow me/ I’ve got the Keys”, de Black Alien, poderia ser tirada de Counter Strike) e refrão de proibidão (“pode dar/ Tou de colete/ Eu vou pegar/ Eu vou matar o caguete”), é um dos exemplares mais representativos da dupla dinâmica de Nikiti City. “Quem Que Caguetou” traz também versos imortais do guerreiro zen Black Alien (“quando você atira/ Eu já não sou a mira/ Eu sou a sua sombra”) à noia que nos fez amar o “psicopata camarada” Speed (“Por causa de uma papel ou Pedrita/ Nego vira Bam Bam/ Destaca o raça ruim que se apossa de mim quando tou virado até de manhã”).
A brincadeira do trio rodou o mundo com um remix de Fat Boy Slim e outro na trilha de Velozes e Furiosos 5. A parceria acabaria em 2003, com cada rapper em carreira solo, até a trágica morte de Speed, assassinado em 2010. [AS]
19. De Leve . “Largado”
Ano: 2001
Disco: Introduzindo De Leve
Criado pelo niterioiense De Leve ao lado de Marechal e o DJ Castro, o coletivo Quinto Andar foi o primeiro fenômeno online do rap nacional. Ao colocar toda sua produção para download em programas de compartilhamento P2P, o coletivo criou clássicos underground como “A Lenda” e chegou a lançar um álbum, Piratão, encartado na finada revista do Lobão.
Precursores da doidêra vagabunda da Cone Crew e também de parte da nova cena paulistana (vale lembrar que Marechal foi revelado como MC de batalha) o Quinto Andar tinha sua força na tiração de onda de De Leve. “Largado”, lançada em 2001 no EP Introduzindo De Leve, é autoexplicativa: “dedicada a cada maluco que já foi confundido com ladrão e ficou preso na porta giratória de tão malvestido”.
O beat vai devagar e um sample de órgão pontua a letra, descrevendo o típico vagabundo pós-adolescente que arrasta seus chinelos país afora – praticamente um recorte demográfico certeiro de uma fatia expressiva sub-classe-média do jovem brasileiro. Ao lado de tracks como “Eu Rimo na Direita” e ”Melancólico Irônico”, ajudou a definir o rap do RJ a partir dos anos 00: desbocado, debochado, largado. [AS]
20. Racionais MCs . “V. L. [Parte II]”
Ano: 2002
Disco: Nada Como Um Dia Após O Outro Dia
Depois de inscrever mais que duas dezenas de faixas na história da música brasileira, aos Racionais MCs sobrava em 2002 a árdua tarefa de superar o já clássico Sobrevivendo no Inferno, com suas milhares de cópias vendidas, prêmios na MTV, shows lotados em todo o país – dos clubes às quebradas – e letras na boca de todo mundo. Mesmo com a pressão, o grupo fez sua obra-prima com o duplo Nada Como Um Dia Após o Outro Dia. Se o disco tem faixas imortais como “Negro Drama”, “Jesus Chorou” e “Da Ponte Pra Cá”, foi “V.L.” – abreviação para “vida loka” – , dividida em duas partes, que se transformou no hino do álbum. A parte II é a mais emblemática, com os dilemas sobre dinheiro (“em São Paulo Deus é uma nota de 100”) e uma revelação sobre São Dimas, o ladrão perdoado por Cristo na cruz.
KL Jay conta que Mano Brown produziu a faixa sozinho, e descobriu o sample (“triste, triste”, na opinião do DJ) quase ao acaso. “Ele encontrou o disco [Os Detetives] jogado num quintal. Colocou para ouvir e falou, ‘é essa’. Você vê, os diamantes às vezes estão na lama.” O tal disco era uma coletânea de temas de séries policiais interpretados pela Button Down Brass com participação do trompetista Ray Davies (homônimo do líder do Kinks). Só que a faixa escolhida para o sample, “, era de um seriado inexistente, tinha sido composta pelo próprio Davies e foi colocada sorrateiramente na seleção – até que Brown a desenterrasse para ser a trilha sonora de motoboys a boys brasileiros. [AS]
21. Visão de Rua . “A Noiva do Thock”
Ano . 2003
Disco . A Noiva do Thock
Antes de Flora Matos, Stefanie, Karol Conká e mais uma boa dúzia de novos nomes femininos no rap, ser uma garota no rap dependia de uma dose de coragem e da disposição falar de igual pra igual com os gangstas nacionais. À frente do Visão de Rua desde 1994, Dina Di mostrou que tinha tudo isso e mais.
Num gênero com tradição em músicas sobre cadeia – de “Diário de um Detento” ao 509-E e Afro-X – “A Noiva do Thock” traz uma nova perspectiva sobre o tema. Falando por experiência própria (Thock realmente era o noivo de Dina, e eles se casariam em 2009, um ano antes da trágica morte da guerreira do rap), a rapper reflete sobre a vida de esposa de presidiário. KL Jay conta que demorou muito para produzir o som. “Ela ficava me cobrando, mas tive que pedir pra esperar. Um dia eu ouvi ‘’, do Christopher Cross e caiu a ficha. Sampleei o começo e ficou um puta som”, lembra. [AS]
22. Costa a Costa . “Costa Rica”
Ano: 2007
Disco: Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa (mixtape)
Em 2007 o principal novo grupo de rap do Brasil não era paulistano, muito menos do Sudeste. Vindo de Fortaleza, o Costa a Costa deixou parte do hip hop do “eixo” atônito com um discurso hiperrealista e ao mesmo tempo relaxado, sem medo – e com vontade – de grana, sexo e de uma vida para além do gueto.
Produzida com esmero por Don L., a mixtape de estreia do combo continha boas tracks mais tradicionais, como “Vive Agora”, mas são os sons com tempero caribenho que apontaram um novo norte de linguagem para o rap. Pronta para as pistas, que aos poucos voltavam a ser um espaço importante para o rap no Brasil, “Costa Rica” é “mambo ao Leste da praia”, escancarando as diferenças no sotaque dos versos e dos samples. Talvez o rap do Sul-não-tão-maravilha não estivesse pronto para ouvir, mas a mudança estava em curso e o Costa a Costa foi um dos primeiros passos. [AS]
23. Kamau . “A Quem Possa Interessar”
Ano: 2008
Disco: Non Ducor, Duco
Kamau foi um dos maiores articuladores do rap nacional no século XXI. Ultra produtivo, participou de combos como o Consequência, Simples e a Academia Brasileira de Rimas – grupo responsável por popularizar o freestyle entre a nova geração do rap brasileiro.
Vindo do skate, se tornou um dos nomes mais respeitados e influentes do chamado “rap underground”, que injetou criatividade na cena paulistana dos anos 00 (Parteum/Mzuri Sana, Contrafluxo/Ogi, Mamelo Soundsystem, Ascendência Mista, Rua de Baixo, Elo da Corrente etc.). No álbum Non Ducor, Duco, “apadrinhou” novos nomes, como Emicida, Rincon Sapiência, Stefanie e Rashid. Com a base de DJ Primo, “A Quem Possa Interessar” é um hino para uma nova geração brasileira, dentro e fora do rap. O triunfo do CDF (Kamau chegou a cursar Matemática na UNESP), valorizando o trampo de quem faz seus corres. Como às vezes pergunta nos shows, antes do som, “alguém já fez uma música pra você? Então pode ficar com essa!” [AS]
24. Emicida . “Triunfo”
Ano: 2008
Disco: Triunfo (single)
Entre 2005 e 2008, batalhas de freestyle paulistanas como a da Santa Cruz e a Rinha dos MCs conheciam, assombrados, a rima impiedosa e as sinapses superdotadas de um garoto do Cachoeira, extremo Norte da capital. Apelidado Emicida, o homicida de MCs papou disputas com invencibilidade de fazer inveja a Anderson Silva, assistidas por centenas de milhares antes que ele lançasse uma música própria sequer. Esse lançamento finalmente veio em 2008, com “Triunfo”.
O início à Enio Morricone já avisava: ali os fracos não tinham vez. “O Emicida bateu no peito e falou assim ‘ó, pode vir qualquer um que é comigo mesmo’. Moleque folgado”, lembra KL Jay. Folgado, sim, mas também reverente aos cânones do rap nacional, Emicida deu início, sozinho, a uma nova era no gênero, que soava paradoxalmente como síntese e antítese do que havia sido feito até então. Seu talento e trabalho incansável abriram espaço e foram retroalimentados por uma nova e talentosa safra, que incluiu Projota, Marechal, Rincon Sapiência, Flora Matos e Criolo (este, mais velho, é quase um guru da geração Rinha). E pensar que tudo começou ali, num single queimado em CD-R e distribuído de mão em mão. [MP]
25. Flora Matos . “Basta Acreditar”
Ano: 2008
Disco: (lançada só no Myspace)
Flora Matos ganhou imprensa e um público maior a partir de 2009, com Flora Matos Vs Stereodubs. Mas, dois anos antes que “Pretin” virasse um hit na internet e nas melhores baladas rap pelo Brasil, a MC de Brasília, então com 19 anos, encarava o desafio de viver em São Paulo. Apadrinhada pelos Racionais (sempre eles), Flora começou a tocar na noite paulistana e logo ganhou fama, com um flow altamente musical, que trazia elementos do ragga, do reggae e da música brasileira.
Nessa fase, gravou um remix para “Véu da Noite”, de Céu, e começou a colocar músicas em sua página no Myspace. Em 2008, apareceu com “Basta Acreditar”. Na faixa, a voz doce de menina contrasta com o ar decidido de mulher, que canta “Tudo aqui vai mudar/ Força e fé, coragem pra lutar/ Não alimente o medo de arriscar/ Existe luz aqui, eu consigo enxergar”. Como Emicida escancarou as portas para uma leva de novos MCs, Flora inaugurava ali um novo capítulo para o rap feminino no Brasil, que vive hoje seu auge criativo em nomes Karol Conká, Lurdez da Luz, Nathy MC e Stefanie. Essa nova identidade, colorida e dançante, mas nem por isso menos consciente, deve muito a essa menina que não teve medo de arriscar. [MP]
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