Hurtmold . (post ou punk) rock, Camelo e as lições da estrada

Trocamos uma ideia com a banda, que lança novo álbum neste sábado (15) no SESC Pompeia em São Paulo

POR PAULO MARCONDES
publicado em 13.12.2012 14:57  | última atualização 13.12.2012 15:54

Hurtmold POR Paulo Borgia

O sexteto paulistano Hurtmold lança seu quinto álbum, Mils Crianças, neste sábado (15) no SESC Pompeia em São Paulo, a partir das 21h30. No show, o grupo tocará o disco na íntegra e o CD estará disponível para venda. Saiba mais sobre a apresentação aqui.

A Soma escutou o Mils Crianças antes (valeu Fred!) e foi trocar uma ideia com metade do grupo sobre o que aconteceu nos cinco anos que separam o homônimo álbum Hurtmold deste novo play: turnês com Pharoah Sanders e Marcelo Camelo, vários projetos individuais paralelos e uma certeza - para seus integrantes, esse é o disco mais difícil do grupo.

O resultado dessa entrevista exclusiva à Soma com Guilherme Granado, Marcos Gerez e Mário Cappi numa bela tarde de sol, bebericando um chopp com Alexandre Borges fumando um cigarro do nosso lado, você confere abaixo, junto com o clipe da última faixa do álbum, “Pigarro”.



Antes do Mils Crianças, vocês passaram cinco anos sem lançar nada com a banda. Por que rolou esse tempo?

Guilherme Granado . Foi natural, na real. A gente não parou, continuamos fazendo shows, tocando, ensaiando, fazendo outras coisas. Ele só demorou um pouco mais para ficar pronto. Não tem nenhum motivo especial, algo como “vamos dar um tempo”.

De onde veio o nome Mils Crianças?

Mário Cappi . O Rogério deu o nome e a gente achou que tem a ver com todo o retrospecto de nomes que temos. Não tem muito sentido, não precisa ter, mas tem o nosso significado.

GG . Eu acho que o nome soa bem e de uma maneira bem estranha, acabou casando com a atmosfera das músicas. Acho que até por isso o Rogério Martins falou.

Marcos Gerez . É mais como soa do que um significado concreto.

MC . Na cabeça do Rogério deve ter mils significados (risos).

Você falou do nome das músicas, no começo até tinha uma parada mais literal e depois tem vários nomes mais “soltos”. No Mils Crianças tem nome de flor, nome de um pico no Japão... Como vocês batizam as faixas?

MC .  A gente parou de se levar tão a sério na hora de colocar nome nas músicas.

GG . Na verdade a gente sabe muito bem o que significa todos os nomes. Não é qualquer coisa. A gente não gosta de explicar muito porque às vezes pensam que juntamos umas letras, umas palavras aí, e não é isso. Todas as músicas, de toda a banda, enquanto você tá compondo, sempre têm um nome. É sempre uma bobeira e nunca usamos esse nome como final. Só que geralmente o nome final acaba sendo uma alusão àquele nome que usamos na gravação e na composição. E não só isso, tem um monte de música com nome sério. A gente não se leva tão a sério, mas é sério, sabe? A gente leva a sério o trabalho.

Voltando um pouco nessa parada do tempo, apesar de vocês terem falado que não foi algo pensado, racional, durante esse período saíram muitos projetos pessoais, como MDM, Bodes & Elefantes, Response Pirituba, Umreais, Chankas, M. Takara, teve uma porrada de coisa. Esse tempo acabou sendo, mesmo que não de propósito, uma forma de exercitar umas ideias?

GG . Eu não vejo bem dessa forma. É isso que a gente faz da vida, então porque não fazer o máximo possível? É isso. E se você for ver a gente tá sempre tocando junto de qualquer maneira. A gente não vê isso muito “esse projeto está em hiato então vamos fazer isso”. Continuamos tocando.

MG . No Bodes o Marinho tocava, no projeto do Marinho, eu gravei, no disco do Guilherme, o Marinho gravou.

MC . As pessoas são as mesmas, só que às vezes você acorda e fala “puta, tô com uma ideia”. Às vezes você não consegue estar com o pessoal ensaiando, porque é inviável, então você continua trabalhando. E quando você vai ver tem alguma coisa que você pode falar “isso é diferente do que eu costumo fazer com os caras”, ou “isso tem a ver, aí eu chamo o Guilherme, o Marcos pra tocar”. Acho que acaba sendo pessoal porque você passou mais tempo com aquilo, mas eu não tenho esse lance de pensar que isso vai ser pro MDM ou isso poderia ser pro Hurtmold, eu faço. Já teve vez de eu e meu irmão (Fernando Cappi) criarmos uma base para o Umreais, que nem lançamos nada até agora, e aí mostramos pro Maurício, ele fez uma bateria e falamos “desencana dessa música pro Umreais, vai ser pro Hurtmold”.

GG . Acho que nunca aconteceu, mas nada impede de tocarmos a mesma música em uma banda e depois em outra e outra. Pelo menos pra mim as músicas mudam completamente dependendo de quem tá tocando. Então nada impede de um dia o Hurtmold pensar “vamos tocar aquela musica do M. Takara, do MDM”. Por que não?

MC . Inclusive a gente fez isso num show, tocamos uma música do Maurício naquela apresentação com o Paulo Santos (Uakti) e ficou diferente do que era. A gente partiu da origem do Takara e fomos ramificando, aí tinha o Paulo Santos, e ficou um negócio completamente diferente. Nem melhor, nem pior, apenas outra interpretação.


Hurtmold por Paulo Borgia

Eu tava escutando o Mils Crianças e achei que ele é o álbum “mais fácil de ouvir” da carreira de vocês, não tem umas quebradas e etc.

MC . Caralho, você achou isso mesmo? (risos)

GG . Sério? (risos) A gente acha esse o nosso disco mais estranho.

MC . Mas é bem legal isso, você ter achado isso.

Eu achei ele mais leve, não algo para com partes estranhas que fazem o cara parar e ficar pensando.

MC . Pô, eu não sei o que responder nessa (Risos)

GG . Eu também não, bom, as músicas são o que elas são. (Risos)

MC . Eu tenho uma fita pra falar. Não por mim, pelo Maurício. Pega as baterias, elas são aparentemente simples, mas na real não são. São as baterias mais complicadas que ele já gravou em todos os discos do Hurtmold, só que é minimal.

GG . Dessa vez a gente teve muito tempo para pensar, encaixar. Eu acho o nosso disco mais difícil (risos). Talvez seja o mais difícil da gente tocar.

MC . Mas isso que você falou tem a ver (apontando pro Granado), o processo de demora, o lance que a gente deixou solto, deixou acontecer. Pra gente ficou fácil de digerir essas músicas, mas ele é o disco que tem os maiores encaixes, os tempos mais retos, ele é um disco de aresta, não é solto que nem os outros, ele é duro. Talvez seja mais fácil pras pessoas ouvirem, porque é mais direto ao ponto e nisso eu concordo. Mas eu acho o álbum mais difícil, eu nunca me senti assim com as faixas do Hurtmold. Tocá-las exige bastante coisa, ainda não é tão natural assim.

GG . Eu acho que vai mudar mesmo. Aconteceu muita coisa na vida de todo mundo nesse meio tempo: tanto musical quanto não musical. E isso vai aparecer em tudo. Sim, é uma banda mais tranquila, todo mundo tá mais velho né? (Risos). Cinco anos na vida de uma pessoa é muita coisa. Você pensa, eu tenho 33, o último disco eu saiu quando eu tinha 27 pra fazer 28. 33 anos na vida de uma pessoa é diferente. Não porque você virou adulto ou entra naquela de “passei dos trinta”, passaram cinco anos. Dá pra se foder pra caralho, da pra foder os outros pra caralho. (risos)

MC . Dá pra ganhar muito dinheiro, dá pra perder muito dinheiro, dá pra namorar, dá pra casar, dá pra separar.

GG . Muita gente nasce, muita gente morre. E isso vai aparecer, pra mim isso é natural que apareça. Eu acho o Mils Crianças nosso disco mais complexo e mais acabado. Um disco cheio mesmo, com ideias bem desenvolvidas. Porque às vezes você tem ideias e só joga. Tem coisa que eu escuto do nossos primeiros discos e vejo que tem ideias que estão lá, sabe? O que eu acho legal também.

MC . É como se o cara falasse “eu acho que...”, ai você diz “Cê acha o que mano?”. O ETC é meio isso. É foda porque é nossa música, difícil criticar.

Tava reparando que o tamanho das músicas diminuiu um pouco em relação as outras, as faixas tem três, quatro, cinco minutos.

MC . É mesmo? (risos)

GG . É. (risos)

MC . Pode crer, a gente tem nove músicas e tem 36 minutos.

Até estranhei quando chegou o álbum porque o tamanho era baixo, daí pensei “porra, mandaram isso em 32kbps”

GG . Se você for pensar é o tamanho do vinil: lado A, lado B, ideal! Fica lindo no vinil. Só que é aquilo, durante as músicas, tem muita coisa acontecendo. Antes a gente tinha músicas maiores que a mesma coisa se repetia pra chegarmos onde queríamos.

MC . Não que amanhã a gente não vá fazer músicas de dez minutos, só que aquilo da idade que estávamos falando, talvez tenha a ver no fato de você conseguir resolver num tempo mais curto ideias. Você vai fazer uma faixa de sete minutos para chegar onde quer, talvez envelhecer signifique que você consiga resolver as coisas.

MG . Você acaba aprendendo a chegar direto ao ponto, a ir direto a onde quer.

GG . A gente é uma banda de rock, apenas isso, e tocamos canções. Em outros projetos, tem vez que gostamos das ideias irem acontecendo. Nesse caso, a gente tem um caminho certo nessas canções que a gente quer trilhar e trilhamos ele da maneira mais eficiente possível.


"O Hurtmold basicamente é uma banda de punk rock, sempre foi e eu espero que sempre seja."
Mário Cappi



Vocês se descrevem como “apenas rock”, mas muita gente encaixou, por muito tempo, a banda numa de post-rock.


MC . Se alguém conseguir explicar pra mim o que é post-rock (risos)

GG . Esse nome não diz nada (risos)

Exato! É isso que eu queria saber, se vocês acham que é válido falar de post-rock no Brasil.

GG . É válido como é em qualquer lugar. É algo que eu não sei o que quer dizer, pode chamar do que quiser.

MG . Se quiser chamar de merda pode chamar (risos)

GG . Eu falo que é rock porque é algo que te dá uma liberdade para fazer o que você quer. Apesar de hoje a ideia de rock ser bem estúpida por causa da indústria, incialmente não tem cara, não tem tradição, não tem que responder pra nada. Pega a história dele, os estilos, o rock te dá uma abertura para você fazer o que quiser. É por isso que eu acho que o Hurtmold é uma banda de rock nessa tradição: a gente veio numa linhagem ouvindo rock, mas a gente acaba fazendo o que quiser. Se a gente fizesse samba, teríamos que responder a essa tradição...

MC . Exatamente!

GG . O jazz, teríamos uma coisa muito clara de como fazer. O rock é bastardo e é engraçado que cada dia mais as pessoas consomem música do modo que a indústria quer. Quem inventou o rótulo não fui eu, não é quem ouve, é quem escreve sobre, é quem vende. Porque precisa ficar mais fácil pra botar na prateleira, e as pessoas acham que é assim. Elas começam a desenvolver preconceito sobre como as coisas devem ser: “ah, isso é tal coisa”. As pessoas ficam admiradas quando a gente fala que faz rock. Não é? Então me falem aí o que que é (risos). Post não quer dizer nada. Post-rock: é o rock depois da época que ninguém ouve mais nada? E mesmo pensando nisso, vê todas as bandas que colocam nesse rótulo, elas são diferentes. As que são iguais são as ruins. Que repetem as mesmas coisas mil vezes, aí fica baixo, aí fica alto... Se é esse tipo de música que eu faço, desculpa, eu não faço isso, não faço música chata.

MC . Eu acho que se um dia o cara sair do show do Hurtmold e falar que viu uma apresentação de punk eu vou curtir mais do que ele falar que foi um show de post-rock. O Hurtmold basicamente é uma banda de punk rock, sempre foi e eu espero que sempre seja.

GG . Isso, mais do que rock, acho que somos punk rock, na ideia de que nele a gente pode fazer o que quiser.

Eu já vi gente falando que era nu jazz.

GG . Zero improviso, mano! Esse disco tem zero improviso!

MC . Esse disco é tipo Metallica (risos), se você errar uma parada, fode todo o resto.

GG . Pra não falar que não tem nada, na “Chavera” tem um momento, mas só. O Hurtmold é uma banda que não improvisa, a gente decidiu isso. Como você pode chamar uma música que não tem nenhum improviso de jazz? Eu acho engraçado, acho massa, é legal ver como o pessoal encara: tem um instrumento meio diferente e não tem voz? Ah, é jazz, mano (risos).

MC . Teve uma vez que a gente tocou no Matrix e o dono depois do show chegou pra gente e falou “Pô, eu adoro o som que vocês fazem, vocês parecem o Pink Floyd”. Eu disse caralho, muito foda (risos).



Voltando no lance de cinco anos, vocês começaram a acompanhar o Camelo e tudo. Como rolou isso?

GG . Naturalmente. Quem vai contar a história? (risos)

MC . Em 2004 a gente abriu o show do Los Hermanos. O Rodrigo Amarante tinha chamado o Cidadão Instigado e o Marcelo a gente.

GG . Mas a gente já tinha tocado com eles naquele programa de TV, nos conhecemos lá. E aí o Marcelo sempre falava em entrevistas da gente. E nós não nos conhecíamos direito. Eles estavam no Rio, a gente em São Paulo.

MC . E o Los Hermanos era aquilo, uma banda meio pop, e a gente pensou “que legal esses caras curtindo a gente”.

GG . E aí eles chamaram a gente pra abrir uns shows deles. Resumindo: os caras curtiam, os caras gostavam, tínhamos uma relação distante, mas éramos amigos. Se o Rodrigo tivesse aqui e nós fossemos tocar ele ia ver.

MC . O Marcelo vinha trocar ideia de som.

GG . Aí o Marcelo tava compondo o disco dele e achou uma música que queria que a gente fizesse, “Téo e a Gaivota”. E ficamos felizes, a faixa era bonita. Viemos pra São Paulo, gravamos no Rocha (El Rocha). Aí passou um tempo e ele queria que a gente gravasse mais umas músicas: “Ilha Bordada”, “Tudo Passa” e “Mais Tarde”. Quando chegou a hora de fazer a turnê ele simplesmente chegou e falou “e aí, não querem fazer?”. Por que não? E fomos.

MC . O jeito que o Granado falou foi perfeito: foi natural. A gente gravou no Rocha, ele acabou vendo a essência da banda, ali era nosso ninho. Quando o Marcelo tava lá, por mais que fosse um ambiente caseiro, ele absorveu a energia da banda, acho que isso pesou para a gente ser o grupo de apoio.

MG . Era algo que nós não tínhamos pensado em fazer, tocar canções num esquema mais fechado. Foi interessante pra gente tentar colocar nosso som dentro da música dele. E trabalhar com uma pessoa que te dê abertura pra colocar sua música dentro de algo que ele fez, é generoso pra caralho.


"A maioria desses jazzistas com quem tocamos é humilde e estão ali também aprendendo com você. Essa lição é a primeira e a melhor."
Guilherme Granado



A convivência com o Camelo sempre foi de boa? Vocês pensam em 2013 continuar acompanhando ele?

GG . A convivência é ótima, ele é um truta nosso. Sobre continuar, a gente não faz planos nem pra gente.

MG . A convivência era ótima mesmo, eu dividi apartamento com ele inclusive.

MC . Se a gente chama-lo pra fazer qualquer parada ele topa, e se ele chamar a gente topa. A convivência é essa. Ele só não é mais um de nós porque mora no Rio, se não ele estaria aqui. Quando ele morava aqui, colava com a gente. Um cara da melhor espécie.

Vocês tocaram pela Europa com uma porrada de gente, como o Pharoah Sanders. O que isso ajudou na composição, na visão de música?

GG . No caso do Pharoah específico é um pouco inacreditável, é meio piegas falar, mas é foda. Porque é um dos motivos porque eu faço música. E de repente você tá ali com ele. O peso que isso tem na minha vida pessoal – esquece currículo, essas coisas, isso é bobeira -, ele é um ídolo, um gigante, um titã. Você pode trocar experiências com essa pessoa, só sentar e conversar, muda muita coisa. E não só ele, o Roscoe Mitchell, o Bill Dixon e o Paulo Santos. Você poder ter essa coisa é foda.

MC . Eu que não toquei com eles. Quando eu sentei com o Bill Dixon, só de trocar ideia com ele, foi foda.

GG . O Rob Mazurek, por exemplo, o quanto foi e o quanto ainda é legal tocar com ele, as coisas que ele ensinou pra gente. Há uma troca. A maioria dessas pessoas é humilde e estão ali também aprendendo com você. Essa lição é a primeira e a melhor. Não existe essa hierarquia, os bons não pensam desse jeito. Mesmo o Bill Dixon, que era professor, ele tava sempre ouvindo, sabia o que tava acontecendo. Falando do Pharoah Sanders, a primeira lição é: não folga, sempre vai ter coisa nova.

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