Top 5 África - Discos

O produtor, pesquisador e violonista Rodrigo Caçapa elege cinco álbuns para conhecer a música africana

POR RODRIGO CAÇAPA
publicado em 12.12.2011 18:28  | última atualização 22.12.2011 15:01

Rodrigo Caçapa POR Beto Figueiroa

O produtor, violonista e pesquisador musical pernambucano Rodrigo Caçapa - autor do álbum Elefantes na Rua Nova e produtor dos discos de Alessandra Leão, entre outros - compila com conhecimento de insider uma lista de cinco discos essenciais da música africana.

DAY BY DAY: CLASSIC HIGHLIFE OF THE 1950s AND 1960s

E. T. Mensah (Gana)
RetroAfric | 1991

O multi-instrumentista, compositor e arranjador E. T. Mensah (1919-1996) é considerado um dos pais da música popular africana da segunda metade do século XX, por sua contribuição na criação e no desenvolvimento do gênero conhecido como highlife e na disseminação e valorização dessa música em boa parte da África Ocidental e da Europa.

Sua orquestra, The Tempos Band – formada por um naipe de sopros, guitarra elétrica, contrabaixo, bateria e percussão – interpretava principalmente o highlife (que une organicamente a tradição africana às influências da música europeia e latino-americana), mas também se aventurava por gêneros como o calypso (nascido no Caribe) e ritmos tradicionais africanos como o adowa (em compasso 6/8); cantando tanto em inglês (a língua do colonizador) como nos dialetos locais (twi, fanti, ga, ewe), e até mesmo em espanhol (como na faixa “Señorita”). Música essencialmente divertida e acessível, sem abandonar os temas políticos (como a independência de Gana), e invariavelmente construída com leveza, elegância e muito balanço.


CHIBITE

Hukwe Zawose (Tanzânia)
Real World Records | 1996

Hukwe Zawose (1940-2003) foi um cantor e multi-instrumentista autodidata, integrante do grupo étnico Wagogo da Tanzânia (na costa leste da África), cuja carreira contribuiu para que a música tradicional de seu povo alcançasse prestígio internacional. Nesta gravação, uma excelente produção do selo Real World Records (fundado pelo músico inglês Peter Gabriel, um fã de Zawose), fica evidente que ele foi um dos cantores mais impressionantes já registrados na história da música africana.

Tocando alternadamente instrumentos tradicionais de timbre marcante – ilimba (algo como uma kalimba grande, com maior número de lâminas), izezs (instrumento de cordas tocado com arco), filimbi (flauta) e nguga (chocalhos presos ao tornozelo) – e acompanhado por seu filho Charles (cantor e também um mestre da ilimba), Zawose produziu um belo exemplo da tradição africana de recorrer às texturas polifônicas, às frases em ostinato e à improvisação para construir a estrutura musical e alcançar o estado de transe. E acima dessa trama polifônica paira a sua voz incrível, alcançando uma extensão impressionante de 5 oitavas, transformando-se constantemente, passando com fluência de um falsete bastante agudo para um grave rouco, quase um rosnado, e por vezes criando a impressão de emitir duas ou mais notas simultaneamente, assim como fazem alguns músicos da tradição de canto difônico da Mongólia, na Ásia.


NIAFUNKÉ

Ali Farka Toure (Mali)
World Circuit | 1999

Por escolha do próprio Ali Farka Toure, aos 60 anos de idade, esse disco foi gravado em sua terra natal, Niafunké – uma cidade localizada às margens do rio Níger, no limite sul do deserto do Saara, sem serviço público de energia elétrica. O produtor Nick Gold e o técnico Jerry Boys levaram um estúdio móvel e um gerador para uma escola de agricultura abandonada e registraram, de forma brilhante, alguns dos momentos mais marcantes da obra de Ali Farka.

Acompanhado por músicos locais no coro e nos instrumentos tradicionais, Ali Farka canta, declama e alterna entre a guitarra elétrica (gravada com um timbre acertadamente quente e saturado), o violão de aço e o n'jarka (monocórdio tocado com arco), criando uma música fortemente ligada à realidade social e à antiga tradição musical do Mali (influenciada pela cultura dos griots e dos tuaregs), ao mesmo tempo em que mantém intacta a sua personalidade inconfundível e o seu estilo particular de execução (adaptado do n'jarka para a guitarra e o violão, segundo o próprio músico).

by


CONGOTRONICS 2: BUZZ'N'RUMBLE FROM THE URB'N'JUNGLE

Kasai Allstars / Masanka Sakayi / Sobanza Mimanisa / Kisanzi Congo / Basokin / Bolia We Ndenge / Konono Nº1 (República Democrática do Congo)
Crammed Discs | 2006

A audição dos discos da série Congotronics foi o acontecimento musical mais incrível que vivenciei desde os primeiros shows do movimento manguebit a que assisti no Recife, e das primeiras noites passadas em claro nos terreiros de Maracatu Rural e Cavalo Marinho do interior de Pernambuco, ainda no começo dos anos 90. E, de todos os discos da série lançada pelo selo belga Crammed Discs, este é o que mais me impressionou: uma compilação de sete grupos de diferentes etnias e regiões da República Democrática do Congo, unidos pela migração em direção à capital Kinshasa e pela abordagem inusitada e muito criativa da antiquíssima tradição musical do país.

Utilizando-se de sistemas elétricos improvisados (muitas vezes construídos pelos próprios músicos) para amplificar as vozes e instrumentos tradicionais como o likembe (espécie de kalimba de dimensões variadas, como o likembe baixo de 20”), acabaram por alcançar timbres saturados/distorcidos muito poderosos que, aliados às antigas texturas polifônicas e padrões rítmicos hipnóticos, e ao uso de objetos e instrumentos ocidentais adaptados (como as guitarras elétricas reconstruídas e as latas de spray percutidas contra grades de cerveja), conferem à música um sabor raro: a união das vibrações mais ancestrais do ser humano à modernidade mais radical da música urbana. Música visceral, forte, ousada e extremamente viciante. Cuidado!


HISTORICAL RECORDINGS BY HUGH TRACEY – 1949-1963 (22 CDs)

SWP Records | 1998-2006

Nascido na Inglaterra, Hugh Tracey (1903-1977) mudou-se para o Zimbabwe no início da década de 20 (àquela época, uma colônia britânica, localizada na costa leste da África) para cuidar de uma plantação de tabaco com seu irmão mais velho. Sua paixão pelo universo musical africano nasceu do contato direto, em suas terras, com os trabalhadores da etnia Karanga, com os quais aprendeu a cantar na língua Shona e a tocar os instrumentos tradicionais. Mesmo diante da resistência inicial dos colonizadores britânicos, principalmente por parte de instituições como a igreja, o governo e a academia, Tracey dedicou sua vida ao registro, estudo e valorização desse universo musical vastíssimo e pouco conhecido no Ocidente, chegando a fundar em 1954 a International Library of African Music.

Esta coleção excepcional de 22 CDs apresenta suas gravações de campo produzidas entre 1949 (ano em que surgiu o gravador de fita magnética) e 1963, em 12 países do centro, sul e leste do continente africano (Ruanda, Uganda, Quênia, Tanzânia, República Democrática do Congo, Zâmbia, Malawi, Moçambique, Zimbabwe, Botswana, Lesoto e África do Sul), com um excelente trabalho de remasterização, acompanhada ainda por vasto material informativo e fotográfico. Sem treinamento formal em etnomusicologia, mas munido do equipamento de gravação em campo mais avançado da época, Tracey utilizava uma técnica particular de segurar o microfone com uma das mãos, movendo-se ao redor dos conjuntos para captar cada instrumento com clareza impressionante, chegando por vezes ao ponto de interferir no posicionamento dos músicos para obter um melhor equilíbrio na gravação (atitude pouco ortodoxa num trabalho de pesquisa etnomusicológica).

Nesses 14 anos de trabalho aqui apresentados, produziu registros valiosíssimos, tanto do ponto de vista histórico quanto estético, abrangendo uma diversidade enorme de tradições musicais: da extinta música das cortes reais de Ruanda (exterminada no genocídio do reino Tutsi em 1961) e de Uganda (que em 1966 teve seus palácios incendiados, seus músicos assassinados e seus instrumentos destruídos), à incrível música das etnias Luba-Luluwa e Luba-Kasai (do Congo) – que permanece viva no trabalho dos músicos do Kasai Allstars (presentes na compilação Congotronics 2) – passando ainda pelas belas gravações de uma jovem cantora sul-africana acompanhando a si mesma num ancestral do berimbau brasileiro, e de pioneiros da música popular africana atual, como o cantor e violonista George Sibanda e bandas da cena de jazz africano dos anos 50, no Zimbabwe.

Saiba mais:
www.cacapa.mus.br

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