Kenneth Goldsmith

Um sujeito experimenta colocar uma poesia concreta num browser e sua proposta vai se transmutando no maior arquivo de manifestações de vanguarda da internet.

POR ALEXANDRE CASATTI
publicado em 24.04.2012 19:07  | última atualização 30.05.2012 16:46

POR C. Jones

Um sujeito experimenta colocar uma poesia concreta num browser e sua proposta vai se transmutando no maior arquivo de manifestações de vanguarda da internet. Esse poderia parecer um roteiro não muito original caso não estivéssemos falando de Kenneth Goldsmith, artista e poeta, e o seu UbuWeb, um repositório digital que inclui de vídeo dos Beatles a canções pop de Joseph Beuys, obras de Martin Kippenberger, poesias de Dan Graham, entrevistas de Jorge Luis Borges, uma propaganda que Salvador Dalí fez para um banco em 1967, bem como nomes menos internacionais, mas cuidadosamente  curados pelos olhos atentos dos editores do Ubu e de seu idealizador e editor.

Professor de poesia da Universidade da Pennsylvania, Goldsmith trabalha com o conceito da escrita não-criativa, já que agora e no futuro, para ele, a criação vai estar mais ligada à compilação, edição, versão e cópias do que já foi escrito. Autor do manifesto "Uncreative Writing", reforça que o seu grande interesse com a poesia conceitual é instigar o debate: "tudo o que escrevo é horrível, impossível de ler".

Os livros conceituais de Goldsmith são baseados em coleções. Os primeiros, por exemplo,  eram baseados em obras colocadas em ordem alfabética e silábica, como o Fidget, sobre todos os movimentos que o corpo dele fazia em um dia; o Soliloquy, com todas as palavras ditas por ele em uma semana; e o Day, em que copiou a edição de um dia do The New York Times.

E é dessa experimentação que surgiu também o Ubu. “Em janeiro de 1995 eu vi web browsers gráficos pela primeira vez. Acho que era o Netscape, Mosaic. Era uma tecnologia de rede bem antiga, em que as imagens não apareciam como agora, de uma vez, mas iam sendo preenchidas aos poucos. Era quase como uma animação. Era quase a ideia de um livro animado, um pedacinho aparecia cada vez que você mexia, e eu pensei: ‘Uou, isso parece poesia concreta’. E eu pensei que a poesia concreta ficaria muito bem na tela. Então scaneei algumas obras do poeta brasileiro Augusto de Campos e elas ficaram muito bonitas na tela iluminada. A poesia concreta funcionou lindamente com a antiga ideia de computador, porque as primeiras interfaces também eram bem bidimensionais”, contou Goldsmith ao crítico de arte e colaborador da Soma Tiago Mesquita, e à economista Juliana Nolasco, em entrevista à revista Auditório em uma de suas visitas ao Brasil.

“Se você colocou os arquivos na internet, tudo pode ser remixado. Não há mais estabilidade em nada. O contexto é absolutamente louco. Você não pode dizer ‘isso é meu’. Acho ótimo, amo essa ideia.”


Fundado inicialmente como um depósito de poesia visual e concreta, o Ubu foi ampliando suas possibilidades para o audiovisual, sua capacidade de armazenamento e suas relações na rede com artistas, visitantes e voluntários que ajudam a manter a independência do projeto e o discurso de Goldsmith. “A UbuWeb não tem necessidade de patrocínio. Todo o trabalho é feito apenas por voluntários. Nossa única despesa é a nossa taxa mensal de hospedagem online, que é de US$ 50 por mês. (...)Há quinze anos, o UbuWeb hospeda mais de 7500 artistas e milhares de obras de arte. Você nunca encontrará um anúncio, um logotipo, ou uma caixa de doação. UbuWeb sempre foi e sempre será gratuita e aberta a todos.”, ressalta o FAQ do site. 

Mas em razão da sua política sobre direitos autorais, a experiência do Ubu vai além da curadoria de obras vanguardistas e da criação do maior arquivo de manifestações de vanguarda da rede. “Se você colocou os arquivos na internet, tudo pode ser remixado. Não há mais estabilidade em nada. O contexto é absolutamente louco. Você não pode dizer ‘isso é meu’. Acho ótimo, amo essa ideia”, pondera o editor do Ubu.



A política de publicação de conteúdos do Ubu segue regras básicas. Não entram no acervo obras que estiverem em catálogo e forem acessíveis a todos. Em compensação, corre-se o risco por aquelas em catálogo, mas ridiculamente caras ou absurdamente difíceis de encontrar. Obras que voltam a ser impressas são removidas do site imediatamente, e o mesmo acontece quando autores fazem este pedido.

Pela estrutura de funcionamento, pelo modelo de compartilhamento e suas implicações legais – principalmente em tempos de SOPA e PIPA, e pela determinação de manter um acervo gratuito –, Goldsmith sabe que  acervo pode não existir mais a qualquer momento. “Mas essa é a beleza da coisa: o UbuWeb é veementemente anti-institucional, eminentemente fluido, recusando-se a ceder às demandas que não sejam aquelas que nos comovem em um momento específico, permitindo-nos a flexibilidade e a capacidade  de surpreender constantemente nosso público… e até nós mesmos.”, diz o poeta em seu manifesto na rede. E conclui: “O Ubu é uma grande coleção. Eu tenho os livros, os CDs, milhares de discos, os arquivos. Coleciono, coleciono, coleciono. Então é realmente o que eu acho legal. Eu amo isso. Acho que o melhor aspecto social é a habilidade de compartilhar. O problema é que todo mundo pensa que o Ubu é uma instituição, uma grande instituição. Mas é só o que um cara acha legal”.

Saiba mais:
www.ubuweb.com

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