Swoon . Recortes Cotidianos

Expondo nas ruas, rios, mares e galerias, artista esteve no país em 2011 em mostra no MASP

POR MARINA MANTOVANINI
publicado em 24.05.2012 22:56  | última atualização 31.05.2012 15:37

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Entre a leveza com que consegue explicar seus trabalhos artísticos de viés político e social e os muros de cidades que recebem suas obras estão os fortes traços, calcados no expressionismo germânico – das xilogravuras de Kirchner e Schmidt Rottluff -, de Caledonia Curry aka Swoon. Questionadora, mas também proponente de mudanças sociais e culturais através de sua arte, ela desenvolve projetos provocativos enraizados em questões de cidadania e sociedade.  

Da garota tímida, que criava esculturas de barro no quintal de casa, hoje ocupa além das ruas, grandes galerias com suas imensas intervenções em papel recortado e instalações conceituais como Acampamento Ersília - apresentada na última mostra De Dentro e De Fora, que aconteceu no Masp no final de 2011. Mesmo ocupando espaços privados ainda considera que para ser verdadeiramente livre é preciso estar fora das limitações da lei. Quando quer ver alguma mudança, Swoon segue seu instinto e tenta fazer acontecer. Pra ela mudar a cidade que vive com as próprias ações é fundamental, já que há tempos deixou de acreditar nas leis e canais burocráticos. “Não há tempo. Eu quero ver uma cidade criada a partir das ações diretas dos cidadãos.”

Por que você escolheu trabalhar com arte de rua?

Lembro-me de ver um documentário e ler sobre Gordon Matta-Clark. A princípio pensei que ele devia estar brincando, todas essas coisas sobre entrar em prédios abandonados e remover parte das paredes, piso e teto. Então quando eu vi as fotos, e era tudo tão devastadoramente belo, tão atemporal e estranho, criado a partir das partes em decomposição de uma cidade. Pareceu-me completo e eu sabia que de qualquer maneira eu iria tentar criar algo que encarnasse alguns princípios dele. Comecei a notar que as pessoas estavam trabalhando com a cidade de diferentes maneiras. Foi uma mudança de percepção. A impermanência e o imediatismo me atraíram.

"Comecei a notar que as pessoas estavam trabalhando com a cidade de diferentes maneiras. Foi uma mudança de percepção. A impermanência e o imediatismo [da arte de rua] me atraíram”

E de onde partiu seu interesse artístico?

Quando eu tinha dez anos, minha mãe começou achar que eu ficava fazendo as esculturas (de barro) muito tempo sozinha e sugeriu que eu fizesse um curso. No começo eu queria fazer ginástica, mas as aulas foram canceladas e minha mãe me disse pra estudar pintura. Eram seis horas de aula todos os domingos ensinadas por uma professora que era discípula de Bob Ross. Foi uma coisa engraçada porque eu cheguei lá e era uma sala cheia de adultos. Lembro que um dia eu estava pintando mal e eu tentei dizer "mas eu tenho apenas dez anos", mas não importava, essas pessoas realmente me fizeram me levar a sério demais. A partir daí eu tive essa autoconfiança com minhas habilidades artísticas. Lá eu estudava com alguém que me ensinava estilo clássico. Aí depois fui para a Pratt [Institute, escola de artes e design] perder a cabeça.

Mas antes das folhas recortadas, o que você produzia?

No começo eu estava fazendo cartazes, colagens e centenas de adesivos feitos à mão. Eu estava obsessivamente os colando em todos os lugares e me perguntando o tempo todo porque eu estava fazendo isso. Daí, eu comecei a prestar muita atenção à política do trabalho com espaço público e formei um coletivo, ficamos muito focados em ações e eventos, e eu me sentia muito conectada. Ao mesmo tempo em que isso acontecia eu dei um salto para as folhas recortadas. Então incorporei algumas técnicas de escultura em madeira, linóleo, impressão em bloco, pintura de tela de seda, e assim por diante. Acho que cada meio tem a sua própria lógica e demanda, e que o meu processo de pensamento se expande dentro das limitações de cada um deles.



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Swoon já expôs ou criou projetos em galerias e ruas de diversos lugares do mundo. No seu currículo, há grandes intervenções na Palestina, México, Estados Unidos, Itália e Brasil. Em todos eles tenta entender as características do entorno para promover uma discussão coerente com as necessidades do lugar, ao mesmo tempo em que também coloca um tanto dela em cada obra que cria. “Quero traduzir para as pessoas o que eu vi em um determinado momento. Quero que as pessoas sintam que aquele momento parou no tempo para mim, que o ar abrandou, ficou mais doce e mais pesado ao redor da minha cabeça, e que eu senti que podia ver através de algo essencial sobre ser uma pessoa, ou de ser essa pessoa.” Para compor os famosos retratos de papel, ela se utiliza de suas observações da rua, das pessoas, dos amigos e gosta de acompanhar cada gesto ou expressão. Depois, faz um esboço , corta o papel, refina, esculpe em blocos de madeira ou apenas imprime. Toda a inspiração para criar seu recorte estilístico veio de uma mistura interessante: Wayang, um tipo de teatro de marionetes da Indonésia, ao lado da obra de diferentes grafiteiros. Seu primeiro trabalho com papeis saiu quando tentou criar a sombra de um boneco gigante e quis vê-lo andar pelas ruas. Artistas de rua que trabalhavam com retratos como WK, Blek Le Rat e Banksy também serviram de inspiração. A intenção era – e continua sendo – criar peças que realmente fizessem sentido quando situadas no ambiente urbano.

Como o ambiente urbano alimenta seu trabalho?

Sinto que o meu trabalho é um processo pelo qual reflito a minha vida por meio da observação das ruas. Eu não estou tentando ser objetiva, eu sei que meu trabalho é muito mais um retrato do meu próprio processo de pensamento, do mundo ao meu redor. Eu sinto que estou criando uma cidade móvel, uma cidade de imagens, porque eu tenho viajado e exposto muito nos últimos anos e estou vendo e trabalhando com um monte de diferentes ambientes urbanos. Deixo vestígios de mim e pego novas informações em cada cidade que visito.

Seu trabalho se refere a questões sociais, e você parece sempre estar tentando mudar o mundo, mas para o mercado de arte esse pensamento não é uma constante. Como você lida com a questão da arte versus comércio?

Em um certo ponto eu comecei a receber um monte de ofertas de galerias e instituições, e descobri que eu queria aceitar alguns convites. Esse tipo de trabalho me deu espaço para fazer outro salto conceitual, especialmente na estética através da criação de mais instalações complexas do que seria possível sob as regras das ruas. Quando a galeria Deitch Projects entrou em contato comigo para fazer uma instalação, e Jeffrey [Deitch, fundador da galeria] emprestou um estúdio para eu poder construi-la, foi diferente do que eu estava acostumada, porque eu tinha cinco meses para me concentrar somente em um projeto, o que foi outra grande mudança. Por anos e anos eu sonhava que um dia eu seria capaz de fazer algo em que eu aplicaria tudo o que eu tinha prendido de pintura e desenho. Parecia tão longe para mim e eu só tinha uma noção muito vaga sobre o que eu queria fazer. Mas é claro que no início foi difícil, porque eu tinha esse ethos de ser livre e produzir arte para domínio público. Eu sabia que estava apenas começando a lidar com a polaridade dos meus desejos.

"Quando paramos em uma marina ao norte da cidade, o proprietário disse que alguma coisa no nosso trabalho tinha restaurado a sua fé na humanidade. Foi uma das melhores coisas que já ouvi”

Mas como foi a experiência de seu primeiro trabalho em galeria?

Foi em Berlim, em um centro de arte urbana chamado art.info. e foi muito surpreendente. O dono da galeria era um mestre de obras apaixonado por arte de rua e que faria qualquer coisa para apoiar a comunidade. Nesse projeto, eu trabalhei com Akim e Zasd, que são definitivamente uma força motriz por trás da cena de lá. Fiz uma instalação enorme e, em seguida, rolou uma abertura onde as pessoas eram livres para fazer música, dançar e mostrar todos os tipos de arte. Em certo ponto alguém levou uma lata de cinco litros de tinta até a delegacia de polícia, que ficava a um quarteirão de distância, abriu a porta e jogou tinta por toda parte. Parecia um hospício e ninguém foi preso. Foi ali que eu aprendi que você pode trabalhar em galerias e não ter se sentir mal. Lógico que já mostrei meu trabalho em lugares que não gostei e vendi meu trabalho para pessoas que não acredito. Eu tenho tentado resistir, mas esse lance é dureza, tentar crescer como artista, se sustentar, e não limitar-se, aproveitar as oportunidades que eles chegam e não ficar preso dentro de um ideal rígido.


Swoon (esq.) em São Paulo, com a colaboradora Paula Z. Segal  Foto por Fernando Martins

Artistas como Basquiat, Keith Haring e McGee integraram a arte de rua a espaços tradicionais. Como você concilia as práticas públicas em espaços convencionais?

Pra mim tem que rolar algum cruzamento literal entre o dentro e o fora. A exposição precisa ter duas facetas, parte dela vivendo nas ruas, parte dela se desenvolvendo no espaço mais protegido de uma galeria. Eu tinha que encontrar uma forma de trabalhar que fosse completamente independente do sistema de galerias, antes de considerar trabalhar com as galerias. Agora eu reconheço que existem alguns projetos que eu quero fazer que seriam beneficiados por um teto. Passei anos fazendo festas de rua e agora tenho uma compreensão de que meu trabalho é algo que tem um ciclo de vida, um espaço dentro de minha vida e da vida dos outros, e que os museus e galerias são apenas uma parada a mais neste processo. Quando olho a partir dessa perspectiva, esse tipo de instituição perde o seu poder.

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Bastante rígida com sua ética política, ela sempre desenvolveu relacionamentos com artistas que defendem as mesmas causas e têm o mesmo ideal. Montou o coletivo Toyshop, grupo ligado ao pensamento de cidadania criativa, que tenta moldar a cidade como o tipo de lugar em que as pessoas gostariam de viver. “Meu trabalho não é sempre político, mas eu acho que se você está vivendo no mundo e prestando atenção, se torna natural adotar alguns assuntos que estão ligados à política ou refletir sobre as atuais situações políticas.”



Você pode nos contar sobre o seu projeto no México?

Quando eu estava viajando por lá, vi um monte de cruzes pintadas em cor de rosa nos postes telefônicos, e quando eu perguntei o que eram, a resposta me chocou. Me contaram que as cruzes eram em memória das mais de mil mulheres que desapareceram em Ciudad Juarez desde 1996. Dois anos mais tarde eu não tinha conseguido esquecer essa história, e por isso viajei de volta para Juarez para visitar as pessoas que trabalham tentando acabar com a violência e cuidar das crianças órfãs. Essa situação não acontece apenas lá, mas se estende por todo o caminho até a América Central. Só na Guatemala duas mil mulheres foram assassinadas nos últimos anos. A peça que eu criei é um retrato de uma jovem mulher chamada Silvia Elena, que foi uma das primeiras a sumir. Passei algum tempo com sua mãe e decidi fazer este retrato para homenagear a vida dessa mulher e chamar a atenção do mundo para esse problema.

"Eu sinto que estou criando uma cidade móvel, uma cidade de imagens, porque eu tenho viajado e exposto muito nos últimos anos e estou vendo e trabalhando com um monte de diferentes ambientes urbanos”

Um de seus trabalhos mais provocativo é o Swimming Cities of Serinissima. Qual foi a proposta de fazer uma invasão pelos canais de Veneza durante a Bienal?

Foram diversos pontos diferentes de inspiração que convergiram para tornar esse projeto em algo tão grande. Ele quase me matou. De certa forma me puxou para fora, de um um monte de maneiras que eu nunca tinha feito. Havia sete barcos que foram da Eslovênia até Veneza. Houve um jogo com uma narrativa que trouxe os barcos rio abaixo em direção à instalação como seu porto seguro, ou sua casa. O espaço da galeria era cerca de dez vezes maior do que qualquer coisa que eu tinha feito. Entre as jangadas e as 75 pessoas a bordo delas eu tentei abranger muitos anos de trabalho, e tentei amarrar todos esses elementos e fazer algo coerente, e depois tive que convencer a guarda costeira que não iríamos afundar, e tive alimentar a tripulação, e só então criar a instalação. Mas ao mesmo tempo havia algo bom em cada momento, esta oportunidade totalmente louca de fazer algo que te leva à beira de si mesmo. Tenho a sorte de poder começar a explorar meus instintos criativos de tantas maneiras distintas, e ainda mais sorte pela oportunidade de sintetizar todas essas maneiras de pensar em um único processo. Foi uma ideia que evoluiu lentamente ao longo de muitos anos. Durante anos eu tinha sonhado em trabalhar com barcos, descendo rios e parando em cidades, ou apenas ser uma instalação flutuante ancorada em uma cidade. Era, de certa forma uma extensão do desejo. Foi uma experiência muito difícil e muito surpreendente para todos os envolvidos. E a melhor reação que presenciamos? Meses mais tarde, quando paramos em uma marina ao norte da cidade, o proprietário disse que alguma coisa no nosso trabalho tinha restaurado a sua fé na humanidade. Foi uma das melhores coisas que já ouvi. Swimming Cities foi algo criado para ver o quão longe podíamos ir artisticamente quando se tem uma visão muito clara e dirigida do assunto.


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Antes Swoon já havia encarado as águas em um projeto com o coletivo The Miss Rockaway Armada. O grupo, que durou dois anos, navegou o trecho do rio Mississippi entre Minneapolis e St. Louis, mas tinha intenções diferentes. “Um monte de pessoas abandonou seus empregos e desistiu de seus apartamentos e passou a viver nos barcos. Foi um projeto em que estávamos todos trabalhando em conjunto, e tomávamos decisões coletivamente. Já Serenissima era um projeto de arte com uma data de início e de fim. O Rockaway foi a nossa vida durante o tempo em que conseguimos manter os barcos na água”. Com muitas exposições no currículo e muitas outras por vir, Swoon consegue hoje se manter apenas com seu trabalho. Os tempos em que servia brunch como garçonete ficaram pra trás e o sonho de realizar projetos coerentes com o que acredita é o presente da artista que só deseja construir um “novo mundo” com suas obras.

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 swoon, de dentro e de fora, swimming cities of switchback sea

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