Melhores 2011 . Discos daqui

O melhor da música brasileira em 2011, segundo o staff da Soma

POR EQUIPE SOMA
publicado em 22.12.2011 15:18  | última atualização 27.12.2011 12:24

Melhores 2011 POR

Para muita gente, 2011 vai entrar para a história do Brasil como o ano em que o rap meteu o pé na porta da nova sociedade de consumo do país, vendendo discos (sim, alguns ainda conseguem), apinhocando pistas de clubes em todos os estados com um público incrivelmente junto e misturado e caindo nas graças de mídias que cagavam e andavam para o gênero há 1 ano. Mas não foi só isso: enquanto o “sertanejo pegação” de Michel Teló e cia conquistava as paradas com seu tempero de funk e pagode, alguns compositores de música brasileira com visões mais particulares sobre a criação atingiam feitos notáveis em suas carreiras. No combalido rock nacional, poucos e bons representantes do rock independente, do folk psicodélico e do metal trouxeram trabalhos destoantes de uma maioria aparentemente interessada em reviver os anos 80 ou imaginar como seria habitar a cabeça de Marcelo Camelo.

O mais importante é que muita gente ouviu música brasileira em 2011, descobriu novidades e repensou conceitos. Isso tudo é muito bom, e é mérito total de uma tremenda trilha sonora, que os colaboradores da Soma listam a seguir. Participaram desta eleição , , , , , , , , , , , , , , .

Confira a lista de discos gringos

20. Lê Almeida . Mono Maçã

Transfusão Noise
 
De Vilar dos Teles (na Baixada Fluminense) Lê Almeida vai conquistando aos poucos o mundo, surfando a onda do lo-fi noventista da qual é mestre. No seu álbum de estreia solo, o chefão da Transfusão Noise sublinhou a estratégia “vamo rápido que eu tô com pressa” em 23 faixas que vão de vinhetas robert-pollardianas a viagens pavementianas como “Por Favor Não Morra”. Com uma taxa de assobiabilidade inversamente proporcional à duração de algumas das tracks, o disco é uma caixa de pequenas joias reluzentes mesmo que impolidas. A dicção peculiar de Lê ainda é uma invenção estranha e bem vinda. Parece um inglês apertado, mas na verdade é o português carioca malandro de sempre – só que roqueiro. [Amauri Stamboroski Jr.]




19. Hierofante Púrpura . Transe Só (EP)

Transfusão Noise
 
O triste trópico do Jeca passa exatamente em cima de um banco empoeirado da rodoviária de Mogi das Cruzes, onde um aposentado de cabeça branca e rosto marcado, sentado com os olhos fitando o nada, abertos demais para a luz, espera há três horas e setenta anos pelo ônibus que vai levar ele ao mesmo lugar de sempre. Nas franjas das metrópoles e nos nodos urbanizados do interior, onde o mundo é mais lento, algumas estéticas se criam melhor, ganham mais corpo. O Hierofante Púrpura tem muito dessa melancolia, mais urbana mas menos neurótica. O novo EP do grupo se afasta aos poucos estruturalmente do emo noventista e do pós-hardcore dos primeiros discos: da introdução delicada de “Rosa Frígida” à fritação do miolo de “A Carta Que Eu Recebi do Presidente”, há uma tentativa de superar referências, absorver inconsciências e explicar por que – ou se – a paixão é tão dura. [Amauri Stamboroski Jr.]




18. Flow MC . Vileiro (mixtape)

Independente
 
Na mixtape de estreia do Flow MC, não só a rua é nóis, como também é nóis a viela, o beco, a avenida, o bueiro, a marginal e outros acidentes urbano-geográficos da fragmentada paisagem de São Paulo. As bases são sujas, frenéticas, perfeitas pra ouvir no som podre do carro ou no celular no busão, as formas de audição favoritas dos personagens retratados na mix. Com uma levada que faz jus ao seu nome, Flow fala da vida de cada um dos moleques que “só vão pro céu no dia em que bombeta for auréola”, varando as madrugadas atrás de algum tipo de diversão – seja racha, goró ou Facebook. Valendo mais do que vinte pesquisas a respeito da “nova classe C”, Vileiro representa essa geração incompreendida, que não sai tão cedo da casa dos pais – trancado sempre no “Quartinho Obscuro” –, mas que faz seus corres, tem orgulho da quebrada e ouve de tudo: funk, axé, sertanejo, rap. O talento para o causo também é importante para Flow, especialmente em tracks como “Cilada”, uma perfeita compilação de perrengues da vida boêmia periférica. [Amauri Stamboroski Jr.]




17. Gal Costa . Recanto

Universal Music

Há muito tempo, Gal Costa parecia encantada com sua técnica e apresença de seu nome no panteão da MPB. Por causa disso, seu papel como intérprete de música brasileira era tratado com menos importâcia do que ele tem. Se alguém duvida da influência dela, basta escutar dez minutos de cada uma das cantoras da nova MPB. Apesar do timbre inconfundível, a carreira dela estava associada ao que de mais conservador se produziu nos últimos 30 anos.

Até Recanto. Seu novo disco solo, na verdade uma parceria com Caetano Veloso, é uma grande surpresa. Não só pelos arranjos eletrônicos e pela aproximação com o pop, mas pela interpretação das canções. Há tempos a voz de Gal não ganhava tanto destaque, e as melodias não soavam tão desafiadoras. O tom recitativo das composições e o acompanhamento mais experimental reforça a voz em primeiro plano, em um diálogo muitas vezes tenso, mas riquíssimo, com os acompanhamento da banda roqueira e da base eletrônica.

Caetano parece ter levado muito a sério a parceria. De alguma maneira, a sucessão de canções embute os vários modos com que ele compõe melodias. “Autotune Autoerótico” bebe em Jóia, a sombria “Recanto Escuro” lembra os discos de Caetano em Londres (e a letra com a história da prisão do compositor reforça isso), a experimental “Tudo Dói” nos leva a “Araçá Azul”, e assim por diante.  O trabalho recupera a relevância e reposiciona Gal Costa na linha de frente da música brasileira, o que é uma contribuição e tanto. [Lauro Mesquita]

Ouça aqui Recanto


16. Mukeka di Rato . Atletas de Fristo

Läjä Records

O Mukeka chega ao sexto álbum com mais do que uma carreira independente sólida: de adoradores do crust/grind do início até este Atletas de Fristo (“fristo” é uma gíria capixaba para um baseado mesclado de maconha com crack), a banda de Vila Velha conseguiu realizar a difícil tarefa de reter a energia juvenil, acrescentando nuances que anos de estrada podem trazer. A capacidade de transitar pelo punk rock de “Segredo de Túmulo”, o hardcore quase melódico de “Festa Jovem” e o grind de “Lua Cheia” só reforça a impressão de que, ao entregar a agressividade, o Mukeka Di Rato sabe manobrar sem ficar refém de uma estética engessada. Se “amadurecimento” soa forte demais para um grupo que habita o universo de noias, sujeira e incorreção, podemos pelo menos definir Atletas de Fristo como uma legítima paulada HC. [Eduardo Yukio Araújo]




15. São Paulo Underground . Três Cabeças Loucuras

Cuneiform Records

O grupo de Maurício Takara, Rob Mazurek, Guilherme Granado e Richard Ribeiro nunca esteve tão coeso e próximo da música brasileira. Se Três Cabeças Loucuras ainda guarda muito das criações celebrativas e os arranjos que se desfazem ou se reconstróem em meio ao barulho eletrônico, as composições neste trabalho trazem uma espontaneidade formal que faz música brasileira sem clichê e com muito frescor.

O batuque no sintetizador em “Pomboral” ou o som do cavaquinho cheio de efeitos em “Carambola” (que lembra o axé dos 80) dá início a uma série composições que exploram o que muitas vezes soa como defeito no mundo do polimento dos estúdios – o violão trastejado e com efeitos de “Rio Negro”; o acompanhamento da reiterativa “Lado Leste” e sua sequência de notas orientalizantes; o cenário de ruídos que faz com que a voz em “Colibri” soe sem protagonismo. A melodia não é personagem principal.

A coesão dos discos anteriores também aparece com força. Em “Jagoda's Dream” e “Just Lovin'”, a história é contada pelo trompete em meio a um acompanhamento errático. O quarteto nunca pareceu tão certo do que quer e as composições trazem um diálogo e um entendimento da sonoridade brasileira além do som dos instrumentos. Uma baita contribuição para a música instrumental. [Lauro Mesquita]

Ouça aqui Três Cabeças Loucuras


14. Silva . Silva (EP)

Independente
 
O EP de cinco faixas de estreia do violinista capixaba Lúcio Silva de Souza traz uma brisa nova, leve, para a por vezes estagnada música pop brasileira. Com um senso de inventividade que absorve rapidamente as influências estrangeiras, imprimindo um sotaque local, além de uma formação erudita que abre diferentes possibilidades de construção sonora, Silva é a antítese de uma Banda Mais Bonita da Cidade – ambos frutos da mesma geração semi-hipster, mini-descolada, ouvindo Beirut de chapéu no metrô, pulando carnaval com marchinha. A diferença é que, além de um talento natural para a composição, Silva não se furta de deixar-se influenciar por tudo que instigar seus ouvidos. Os frutos são a reverbeira abrasileirada de “Acidental”, a batucada onírica de “12 de Maio” e loshermanismo sincero de “A Vista” – uma verdadeira trilha sonora para o seu álbum de fotos do Instagram. [Amauri Stamboroski Jr.]




13. Projota . Não Há Lugar Melhor No Mundo Do Que O Nosso Lugar (mixtape)

Independente

De diferentes maneiras, o rap é um estilo autorreferencial, metalinguístico – nenhum outro gênero reflete e se autocita com tanta consciência e há tanto tempo dentro da própria produção musical. De todos os MCs da nova geração brasileira, Projota é um dos que melhor exercitam essa tradição. Disciplinado e pronto para o papo reto (seu lema é “foco, força e fé”) em Não Há Lugar..., o maestro do Lauzane celebra as conquistas e medita sobre as tretas do rap, não como cagador de regra, mas como alguém que vive e entende o rap como uma soma maior que as suas partes.

“Mais Do Que Pegadas” traz o orgulho de cada MC, produtor, DJ, fã ou função que escolheu o rap como estilo de vida, enquanto “64 Linhas” e “Nós Somos Um Só” são chamados pela união de quem tem certeza de que ninguém vai conquistar nada sozinho. A mixtape vai além do papo do rap, é claro, com um contagiante hino às quebradas em “Pode Se Envolver” e um retrato do dia-a-dia do transporte público paulistano em “Rap do Ônibus”. As bases climáticas, pesadonas ou arejadas (como a melodia ao contrário em “Pegadas”) estão entre as melhores do país no ano. Respeito é pra quem tem, e isso não vai faltar ao Projota. [Amauri Stamboroski Jr.]




12. Leandro Lehart . Ensaio de Escola de Samba

Independente

Leandro Lehart é um guerreiro do samba paulista – não daquele que transita pelos cadernos de cultura ou pelas casas descoladas do centro expandido, mas do outro, da ponte pra lá, que acontece na lajes e botecos da periferia e nas agremiações comunitárias. Sua relação intensa com o samba da capital paulista o levou a desafiar o gênero constantemente, testando seus limites e bastardizando-o com influências da black music e de outros ritmos brasileiros. Isso só valoriza mais o fato de ter sido um dos compositores mais vendidos do país.

Cansado da ditadura do sucesso radiofônico, nos últimos anos Lehart retomou sua carreira em direção a uma postura ainda mais radical. Em 2011, isso se materializou em um disco ousado, voltado às raízes dos sambas-enredo do Carnaval paulista. Ensaio de Escola de Samba é um disco tão importante que atinge o nível de patrimônio cultural – sobretudo no ano em que os enredos da cidade escancararam sua escolha mercantilista. Em 13 regravações de sambas paulistanos clássicos (não espere por Adoniran ou Paulo Vanzolini, mas por Ideval Anselmo e Talismã), ele conseguiu o feito de reconstruir uma narrativa sempre à beira do ostracismo: a história de uma identidade que, na metrópole “que enterrou o samba”, encontrou seu berço mais rico, multicultural e vibrante. Um disco para ser ensinado nas escolas. [Mateus Potumati]



11. Test . Carne Humana (EP)

Travolta Discos

Se uma banda conseguiu ultrapassar em 2011 a cada vez mais fina barreira entre o metal mais extremo e o mundo “indie” (põe aspa aí!), foi o Test. Com a tática guerrilheira de tocar literalmente na rua, muitas vezes em filas para shows de grupos consagrados do metal e do punk, o duo da Zona Sul paulistana ganhou rapidamente fãs e espaço na mídia. Mas o Test tem muito mais do que um gerador a gasolina, uma kombi, cara de pau e disposição para o marketing inusitado: o EP Carne Humana, um 7” lançado no segundo semestre pela Travolta Discos, é uma obra de podreira única, mesclando letras em português (ininteligíveis, é claro), riffs stoner a 120/h e a bateria mais certeira do país. Ouça “Ele Morreu Sem Saber Por Que” e sinta seus ouvidos serem consumidos nas chamas do capeta. [Amauri Stamboroski Jr.]




10. Caçapa . Elefantes na Rua Nova

Garganta Records

Poucos artistas representam hoje tão bem a riqueza e a sofisticação cultural da música do Recife como Rodrigo Caçapa. Seu trabalho como produtor e arranjador já conta 15 anos, e nesse tempo engrandeceu a obra de nomes como Siba, Alessandra Leão, Nação Zumbi, Biu Roque, Iara Rennó e Kiko Dinucci. Elefantes na Rua Nova, seu primeiro disco solo, traz o que de melhor a música feita pela elite intelectual da metrópole pernambucana tem a ensinar ao país, em especial ao Sul-Sudeste: a capacidade de transitar livremente entre cultura popular e erudição, sem que isso soe condescendente, acadêmico ou, pior, como um arremedo de charlatanismo.

Pesquisador obsessivo da música nordestina e africana, Caçapa assume a postura do verdadeiro observador participativo e faz uma apropriação de ritmos como o coco, o baiano, o rojão e o samba, reprocessando-os com violas distorcidas, camadas de efeitos e fraseados de guitarra de quem sabe que a música africana é muito mais do que Fela Kuti. A empolgação de Caçapa com sua criação é genuína e contagiante, o que cada ouvinte pode atestar no disco multimídia que acompanha o CD ou no seu site, onde o compositor explica em detalhes, com vídeos e imagens preciosas, todo o conceito e o processo de produção do álbum. Um disco instrumental de beleza ímpar e impossível de ignorar, como uma parada de elefantes pela Rua Nova. [Mateus Potumati]

Ouça aqui Elefantes na Rua Nova


9. ConeCrew Diretoria . Com Os Neurônios Evoluindo

Independente

“Lembra quando diziam que ‘esses caras da Cone são tudo mongol’? O mundo dá voltas.” O mundo dá voltas mesmo, e lutando contra toda a leseira e sossego, a ConeCrew Diretoria lançou seu primeiro oficial em 2011. Com as bases sagazes do homem sujeito que trabalha Papatinho, o grupo tem um belo quê de diversão lombrada West Coast, mas também dispara rimas numa velocidade de entortar as mentes mais enfumaçadas. Com mais pique de crew de skate do que de posse de rap, a grande surpresa é a unidade sonora e temática num ambiente muito propício à desorganização total. Tente ouvir “Chama os Mulekes” sem ter vontade de fazer aquele churrasco improvisado com os bróders. A única dificuldade? Varar a escada de ollie depois de dar uns goles. [Amauri Stamboroski Jr.]

Ouça aqui Com Os Neurônios Evoluindo


8. Bonifrate . Um Futuro Inteiro

Cloud Chapel
 
O grande disco do folk nacional em 2011, Um Futuro Inteiro divide, de diferentes maneiras, dois contínuos da música popular – o da psicodelia brasileira e o dos álbuns de fim de relacionamento. Mais urbano que os álbuns do Supercordas – banda da qual Pedro Bonifrate é vocalista e principal compositor –, Um Futuro Inteiro mescla vocais com distorção lo-fi, estudos dylanescos, semi-samba eletrificado, rock em marcha lenta, microfonias fantasmas e um tour de force final (“Eugênia”) embebida num sonhar acima do pesadelo e do beatífico. Bonifrate divide de peito aberto seus fantasmas e acaba convidando o ouvinte a fazer parte da sua “gangue de almas destemidas”. O rito de passagem é o próprio álbum, mas cuidado: o caminho é sem volta. [Amauri Stamboroski Jr.]

Ouça aqui Um Futuro Inteiro


7. Douglas Germano . Ori

BAC Discos

Demorou, mas saiu. Douglas Germano foi um dos principais nomes da explosão do samba no centro expandido de São Paulo, ainda no começo do século XXI. Nessa leva, da qual se destacam ainda Fabiana Cozza, Kiko Dinucci, Dona Iná, Zé Barbeiro e muito outros, Douglas Germano foi o último a lançar disco solo. Ori valeu a espera.

As letras carregadas de imagens violentas, com detalhes cinematográficos, combina elementos tradicionais do samba paulista e de Aldir Blanc. Exemplos como “Damião”, “Falha Humana” e “Seu Ferreira e o Parmera” deixam isso claro. Em outras canções, o tom é mais melancólico (“Espólio”, “Canção de Desmeninar”) ou bebe das referências afro-brasileiras (“Ori” e “Oba Iná”). Em todos os casos, o trabalho solo de Germano sintetiza de maneira primorosa as melhores contribuições ao samba trazidas pela geração que ficou conhecida pelas apresentações no bar paulista Ó do Borogodó. [Lauro Mesquita]




6. Passo Torto . Passo Torto

YB

Muito se falou na imprensa local sobre a capacidade da nova geração de músicos brasileiros se envolverem em diferentes projetos e não mais se apegarem ao sentido de grupo. A relevância do primeiro trabalho do Passo Torto está no fato de essa parceria – que em grande parte das vezes apenas mimetiza a superficialidade das justificativas dos projetos para patrocínio cultural – ser cheia de sentido na música e na vida de seus quatro integrantes.

Sem ser saudosista e com uma complexidade de composição muito especial, o grupo trata essencialmente da relação do morador das periferias de São Paulo com a megalópole. Andamos pelo bairro, passeamos de ônibus, metrô e ouvimos dezenas de histórias que dão um significado profundo ao que é viver na capital paulista. Esta autodescoberta e a busca por uma sinceridade comum a cada um dos compositores e intérpretes faz com que o disco contenha muitos pontos altos de três grandes nomes da música brasileira atual – Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Rômulo Fróes. Só isso já faz do disco um dos grandes feitos de 2011. [Lauro Mesquita]



5. Nuda . Amarénenhuma

Independente

Fazer rock no Brasil, esse dilema. Entre emulações caricaturais de bandas estadunidenses ou inglesas, tentativas de ressuscitar o rock brasileiro dos anos 80 e diluições sobre o template Los Hermanos, 2011 foi um ano carente de desafios a um gênero sempre saturado, e que no nosso país sempre flertou com a pura aculturação. Quando a banda recifense Nuda apareceu com o EP Menos Cor, Mais Quem, em 2008, deixou claro que se tratava de um grupo corajoso e com visão própria, disposto a encarar o desafio.

Em Amarénenhuma, a Nuda mostrou que a beleza e coragem de Menos Cor não foram meramente incidentais, mas parte de uma união frutífera e feliz entre um grande compositor de música brasileira (o baterista Antônio Marques) e um conjunto de músicos capazes de processar o melhor da tradição do indie rock por uma chave autenticamente brasileira, que ecoa da psicodelia de Lula Côrtes a elementos tortos de samba, coco e bossa nova. Como se não bastasse, o disco ainda trouxe um cover de “Ode Aos Ratos”, de Chico Buarque, uma das melhores releituras de um clássico da MPB já realizadas no Brasil. Feitos que a Nuda atingiu sem aparentar esforço, com a graça despretensiosa das marés. [Mateus Potumati]

Ouça aqui Amarénenhuma


4. Metá Metá . Metá Metá
Desmonta

Poucos discos brasileiros em 2011 conseguiram agregar o conceito de trabalho colaborativo tão organicamente como o Metá Metá. Ao reunir como base o compositor Kiko Dinucci, a voz de Juçara Marçal e o sopro de Thiago França, as canções apresentadas no álbum não  dialogam superficialmente com a herança africana na música brasileira, mas estabelecem conexões naturais e fortes encontradas em cada acorde e referência afro-religiosa. Os espaços são preenchidos com especial cuidado, as melodias de cores quentes são sinuosas e o instinto dos músicos envolvidos fornece a coesão necessária quando as composições partem de um time de artistas diferentes (Siba Veloso, Maurício Pereira, Douglas Germano, entre outros). Da delicadeza de “Vale do Jucá” ao swing de “Ora Lê Iê”, Metá Metá faz um belo retrato da ancestralidade negra em nossa música. [Eduardo Yukio Araújo]



3. Emicida . Doozicabraba e a Revolução Silenciosa (EP)

Laboratório Fantasma / Creators Project

A insistência de Emicida em não considerar nenhum dos seus 4 lançamentos até agora (excluídos os singles) como álbum contrasta com a grandiosidade atingida pelo rapper em Doozicabraba. As 10 faixas do EP apresentam um MC plenamente confortável com suas rimas e temas e sábio na escolha de parcerias (a adesão de Rael da Rima sendo a principal delas). Soa quase improvável que os produtores nova-iorquinos K-Salaam e Beatnick (Mos Def, Dead Prez, Talib Kweli) tenham conseguido incorporar com tanta propriedade as influências de música brasileira onipresentes no disco, especialmente em faixas como a quase Clube da Esquina “Cacariacô” e “Num é Só Ver”. Periférico e global, brasileiro e cosmopolita, tradicional e moderno, Doozicabraba não é apenas um marco musical na carreira do MC e na identidade do rap nacional, mas na própria forma de se encarar música no Brasil no século XXI. O registro mais brilhante do amadurecimento de uma carreira hoje sólida, construída de forma 100% independente, que foi das batalhas no Metrô Santa Cruz à Bienal em 4 anos. [Mateus Potumati]

Ouça aqui Doozicabraba e a Revolução Silenciosa


2. Rodrigo Ogi . Crônicas da Cidade Cinza

Independente

“Falo da gente que sempre pega a pior, que come da banda podre, que mora na beira do rio e quase se afoga toda vez que chove, que só berra da geral sem nunca influir no resultado.” O sample de Plínio Marcos no começo de Crônicas da Cidade Cinza é emblemático em relação “aos versos que virão”. Neles, Ogi tece habilmente uma série de crônicas a respeito das desventuras, tristezas, dos sonhos e das incontáveis possibilidades de viver na cidade de São Paulo. A premissa é comum no rap nacional, mas o triunfo do disco é criar uma narrativa nova, própria, que bebe nas fontes do gênero (em especial Sabotage e Racionais), mas exibe também uma sensibilidade herdada da literatura marginal, notadamente de autores como João Antônio e Bukowski, além do próprio Plínio Marcos.

Mesmo tendo gravado as bases e finalizado a produção do disco de maneira artesanal, com parcos recursos técnicos, as histórias do rapper sobre a sobrevivência na cidade cinza se sobressaem devido aos recursos de contextualização que ele usa. O uso do eu narrativo em primeira pessoa também reforça o ponto de vista dos seus personagens e os transporta da condição de massa sem rosto para protagonistas. MC com destreza verbal e cronista de mão cheia, Ogi consegue com isso falar sobre o lado mais realista, mas nem por isso menos sonhador, de viver em uma grande metrópole – seja pelo cotidiano selvagem de um motoboy (“Profissão Perigo”) seja pela sutil e emocionante história de um grupo de pixadores que acaba mal (“Noite Fria”). Nascido da limitação de recursos, o olhar particular e pungente de Crônicas da Cidade Cinza é ele próprio outro fruto corajoso, que vingou entre as frestas no concreto armado, de uma cidade cheia de defeitos, mas defendida por unhas e dentes por quem a conquistou. [Stefanie Gaspar]




1. Criolo . Nó Na Orelha

Independente

Entender o que Nó Na Orelha significou para 2011 envolve contemplar tantas perspectivas diferentes, conectadas de formas tão complexas, que se torna quase irônico o fato de Criolo ter abandonado o qualificativo “Doido” justamente neste ano. Difícil imaginar teste maior para a sanidade do MC-cantor do que sair de uma vida de privações, quando Criolo chegou a considerar desistir da carreira musical, e ser alçado, em questão de meses, ao posto de fetiche maior de descolados e da elite cultural do país.

Falando exclusivamente dos aspectos musicais (nós já discutimos os outros aqui), Nó Na Orelha é o triunfo do encontro entre um artista em extraordinário momento criativo e dois produtores, Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, que tiveram sensibilidade para entender onde a obra exigia criação e onde exigia um papel mais de edição, de lapidar e trazer ideias à tona. “Não Existe Amor em SP”, “Grajauex” e “Subirusdoistiozin” já fariam do disco um marco, mas a adição de “Mariô”, “Freguês da Meia Noite” e “Lion Man” o transformaram em uma obra sólida, que rompeu barreiras importantes, falou com pessoas de ambientes e experiências muito diferentes entre si e fez avançar notavelmente a noção de apropriação do rap como linguagem genuinamente brasileira, seja no aspecto musical, seja em um sentido mais amplo, de leitura do mundo. Obras com essas qualidades ultrapassam a dimensão do mero entretenimento e nos lembram dos próprios motivos por que ouvimos música. [Mateus Potumati]

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