Melhores 2011 . Discos de lá

O melhor da música gringa em 2011, segundo o staff da Soma

POR EQUIPE SOMA
publicado em 23.12.2011 11:29  | última atualização 23.12.2011 13:24

Melhores de lá 2011 POR

2011 foi um ano que celebrou a imensa liberdade de criação conquistada por artistas cada vez menos dependentes dos moldes da indústria do disco do século passado. Também foi um ano que reiterou a hegemonia da música eletrônica (minimal, maximal, dubstep, synthpop, dreampop, ritmos periféricos e por aí vai) e do rap, sejam eles tomados como gênero, seja como ponto de passagem obrigatório para artistas de outros estilos interessados em criar trabalhos esteticamente desafiadores. E, sobretudo, foi um ano em que todos olharam para o passado, frequentemente sem muito critério, o que só destacou a visão de quem soube aliar tradição a um diálogo com os dias de hoje. Assim, alguns artistas rumaram para o excesso pop, como Rustie, Gang Gang Dance e tUnE-yArDs, outros preferiram aparar as arestas e insistir na simplicidade narrativa, como Zomby, Shabazz Palaces e o fenômeno Nicolas Jaar. Isso não quer dizer, porém, que discos puramente roqueiros tenham andado em baixa: aí estão Mike Watt, PJ Harvey, Stephen Malkmus e Wild Flag que não nos deixam mentir, mostrando que os veteranos do gênero ainda têm muito a ensinar aos mais novos.

Aí vai o relato particular dos colaboradores da Soma sobre um ano excepcional para a música feita fora do Brasil, que aponta para uma miríade de caminhos, todos eles igualmente excitantes.

Confira aqui a lista de discos nacionais


20 . Das Racist . Relax

Greedhead

Desde o início de seu rápido sucesso na web, o trio Das Racist já mostrava talento para dois estilos de rap muito particulares e que se intercalam sem descanso em seu trabalho: o senso de humor afiado e a capacidade de subverter clichês de linguagem por meio de trocadilhos e frases espertas. Em seu primeiro lançamento, “Combination Pizza Hut and Taco Bell”, de 2008, Heems, Kool A.D e Dapwell criaram um ótimo hit de pista a partir de trocadilhos aparentemente bobos com o nome das duas lanchonetes citadas, ganhando notoriedade e abrindo caminho para as bem sucedidas mixtapes Shut Up,Dude, e Sit Down, Man, ambas de 2010.
 
Este ano, o trio do Brooklyn retornou com seu primeiro álbum oficial, Relax. Com participações especiais de El-P e Danny Brown, o álbum mostra o caminho que o das Racist percorreu após pouco tempo de carreira e uma forte passagem pelo hype da crítica gringa: de experimentações linguísticas, trocadilhos e faixas divertidas repletas de samples a uma sonoridade com bases mais pesadas, recortes sônicos e rimas neuróticas. Além de resumir de maneira competente a trajetória cheia de boas ideias do Das Racist, Relax mostra também uma nova orientação para o trio, mais nervosa, beirando o maximalismo, perpassada por tons industriais, ritmos periféricos e toques inesperados de violência. [Stefanie Gaspar]

Ouça aqui Relax


19. ASAP Rocky . LiveLoveA$AP (mixtape)

RCA

 
Num ambiente – a twitto-blogosfera do rap – onde o marketing pessoal é o que divide os vencedores dos ignorados, ASAP Rocky fez a lição de casa em 2011: com uma loira mandando a n-word, bateu num técnico de som e foi admoestado por Dave Chapelle, e arranjou uma treta via Twitter com um membro do OFWGKTA. O resultado? Um contrato de três milhões de dólares com a RCA para lançar uma mixtape de graça na internet (entre outras exigências).
 
Cifras e polêmicas à parte, LiveLoveA$AP é um retrato coeso das mudanças que a geração Tumblr traz aos poucos ao rap, que ingressa em uma nova psicodelia. Alguns dos melhores discos de 2011 não falam só sobre usar drogas, estar usando drogas, vender drogas, comprar drogas: são as tracks em si que estão drogadas. Aliás, além das clássicas maconha e cocaína, o lance é abrir o armário de remédios e tentar ver a melhor combinação para aquela erva medicinal comprada com carteirinha.
 
E o disco de ASAP é a versão mais acessível e ao mesmo tempo contagiante dessa nuvem de fumaça – com a ajudinha de um sabor dirty South inspirado em UGK e outros heróis sulistas. Com um ouvido privilegiado para os beats e produtores escolhidos a dedo, o rapper criou a nova trilha sonora para garotos de 16 anos cheirando loló numa tarde qualquer em faixas como “Demons” e “Leaf”. Isso sim que é bang loko. [Amauri Stamboroski Jr.]
 



18. Ghostpoet . Peanut Butter Blues & Melancholy Jam

Brownswood Recordings

A grande marca do álbum de estreia do MC e produtor inglês Obaro Ejimiwe aka Ghostpoet é a força personalista de suas composições. Expondo temas como solidão, isolamento e falta de comunicação, Ghostpoet avança com sua abordagem de beats desacelerados (ele também produziu o disco) e levada menos agressiva do flow, traçando um painel urbano mais melancólico. Entretanto, Peanut Butter Blues... não é apenas lamentação: capaz de desenhar cenários de superação, Obaro captura o zeitgeist de agitação externa e suas consequências, tornando o disco uma reflexão sobre a vida urbana contemporânea, embora sua intenção talvez tenha sido apenas a de expressar a chatice de viver em Coventry. De qualquer maneira, com um cartão de visita tão sólido, Ghostpoet pode ser reconhecido como um nome tão impactante para o hip-hop britânico de 2011 quanto Mike Skinner (The Streets) foi em 2002. [Eduardo Yukio Araújo]




17. Mike Watt . Hyphenated-Man

Org/Clenchedwrench

Mike Watt personifica o que o punk tem de melhor. No Minutemen ou em sua dezena de bandas, sempre fez rock refletindo sobre o estilo, não de maneira teórica, mas no contato direto com a composição e a execução de suas músicas.

O seu melhor trabalho solo é Hyphenated-Man, no qual o baixista monta uma cena com 30 pequenos fragmentos musicais (só uma canção tem mais de dois minutos) que soam como se olhássemos para uma tela cheia de personagens caricaturais e situações bizarras – com letras quase dadaístas. O disco é inspirado pelo pintor flamenco do século XV Hyeronimous Bosch. Cada faixa é um personagem-provérbio do artista, e cada provérbio carrega muitos sentidos.

Com fôlego enorme e um poder de síntese raro, Watt fala do mundo e da música que formou a sua geração: Captain Beefheart, Wire, Creedence, Black Flag, Gang of Four, Sonic Youth, Neil Young. O resultado é empolgante e algumas canções são um sopro de frescor em uma cena que reproduz muito o passado e pensa pouco criticamente sobre o presente. [Lauro Mesquita]

Ouça aqui Hyphenated-Man


16. Kurt Vile . Smoke Ring For My Halo

Matador

Quando Kurt Vile apareceu para o mundo com Childish Prodigy, em 2009 (ele havia lançado dois discos antes, mas sem muita repercussão), ficou claro que o rock ganhava um bom nome na intersecção das tradições do garage, do folk e do indie lo-fi. Em Smoke Ring For My Halo, o esmero com que ele poliu sua música foi tamanho, que veio à tona outro compositor: um criador de melodias belíssimas e um guitarrista/violonista excepcional. Faixas como “Society Is My Friend”, “Runner Ups” e “Puppet To The Man” trazem o jeito descompromissado da geração slacker, mas uma audição mais atenta revela o nível de trabalho que há nas faixas, seja nas camadas de cordas, seja na melodia. É como se um garoto tremendamente comum de repente se revelasse um criador de melodias do nível de um Robert Smith ou William Reid dos primeiros discos, sem demonstrar nenhum esforço. Não é à toa que ele fez turnê com J Mascis em 2011, mas, ao contrário da fase solo do criador do Dinosaur Jr., Vile consegue incorporar melancolia sem soar repetitivo, e arranjos de cordas sem chamar a atenção para si. Um disco para ouvir muitas vezes, sem se cansar nunca. [Mateus Potumati]

Ouça aqui Smoke Ring For My Halo


15. Stephen Malkmus And The Jicks . Mirror Traffic

Matador

Produzido por Beck, Mirror Traffic traz um Stephen Malkmus entretido com os códigos do indie e do pop, construindo canções surpreendentes dentro de sua conhecida elegância tortuosa. Ao revisitar algumas de suas invenções no Pavement para surgir com novas coisas, imerso em timbres e sonoridades que acenam aos velhos tempos, Malkmus chega a seu trabalho mais conciso, uma obra equilibrada entre ziguezagues e refrões delicados. Um passeio por referências e climas em arranjos de guitarra, baixo e bateria com alguns teclados e sintetizadores na retaguarda, cheio de acenos a experimentações contidas e melodias ensolaradas. Autoral e acessível, Mirror Traffic é o trabalho de alguém que parece ter feito as pazes com a sua obra. E, no caso de Malkmus, isso não é pouco. [Tiago Soares]

by



14. Oneohtrix Point Never . Replica

Mexican Summer

Depois de muitos lançamentos não-oficiais e do disco Returnal, de 2010, o produtor do Brooklyn Daniel Lopatin estabelece novos padrões para seu projeto Oneohtrix Point Never. Se em Returnal a preocupação era criar um lançamento coeso, que passasse uma sensação de beleza tipicamente cinemática, em que os sons correspondiam a determinadas atmosferas no esforço de criar uma trilha sonora onírica (como no caso de “Stress Waves”, que em seu minimalismo transforma elementos sonoros esparsos em uma faixa de beleza clássica), em Replica a sonoridade drone sai em busca de um tipo diferente de ambientação, o da repetição distorcida.

“Andro” abre o álbum em tom pressurizado, buscando padrões de repetição que vão sendo construídos aos poucos, só para serem quebrados, distorcidos, despidos de qualquer zona de conforto. É como se a sonoridade do álbum buscasse construir padrões de repetição apenas para encontrar erros e, a partir deles, criar novas transfigurações melódicas. Quando um clima se constrói e o sentimento passa a ser de identificação, o som muda, sem aviso, e é essa perversidade melódica que faz com que Replica seja, ao mesmo tempo, sombrio e etéreo, soturno e exultante. Para a faixa-título do álbum, Lopatin lançou no Youtube uma colagem perturbadora (e chapada) de imagens de um desenho animado soviético, Nu, Pogod! O resultado, assim como muitas faixas do álbum, parece deslocado, mas é nessa aparente excentricidade que se localiza o talento de criar diálogos entre sons disformes, a partir da repetição. Dos grooves distorcidos de “Sleep Dealer” ao piano sintetizado de “Nassau”, Replica pode parecer uma bagunça sonora sem qualquer intenção conceitual, mas a elevação do som ao nível mais abstrato possível é em si um desafio imposto por Lopatin: o de criar música impossível, inalcançável, sem respostas. [Stefanie Gaspar]

by


13. Atlas Sound . Parallax

4AD

O mais acessível dos três álbuns do Atlas Sound – o trabalho solo de Bradford Cox, do Deerhunter – Parallax é o disco em que Cox equilibra suas tendências experimentais com composições mais estruturadas. Partindo de algum art-rock setentista, as músicas percorrem o já conhecido caminho não linear típico do compositor, passeando por manipulações eletrônicas, ambientações psicodélicas e instrumentação tradicional. Só que desta vez as melodias são acompanhadas de letras que sobrepõem a emoção ao hermetismo, permitindo que a capacidade artística de Bradford reflita seu status de músico curioso e inquieto, ampliando a dimensão de seu trabalho. Cada uma das 12 faixas de Parallax é um mergulho na consciência de Cox, e é um passeio bonito. [Eduardo Yukio Araújo]

Ouça aqui Parallax


12. PJ Harvey . Let England Shake

Island/Vagrant

A Inglaterra e seu espírito do tempo foram a matéria-prima de P. J. Harvey para a confecção de Let England Shake. Organizado em torno de guitarras e eco, acenando com órgãos, metais e harpa, o álbum é a grande narrativa de Harvey sobre o universo bretão. Resgatando as sonoridades cruas que levaram ao rock inventado na Inglaterra, com citações a Eddie Cochran e movido a blues e country e folk tortos, o álbum é sua plataforma para poemas sobre o massacre de Gallipoli na Primeira Guerra (em ”All and Everyone” e “Colour of the Earth”) e outros sonhos não realizados do imperialismo inglês. Altivo em suas canções de morte e nostálgico em suas odes aos caídos na guerra, Let England Shake é um impressionante monumento à decadência do Império Britânico. [Tiago Soares]




11. M83 . Hurry Up, We’re Dreaming

Naïve

O shoegaze sempre pareceu mais interessante como ideia do que como prática, por força das centenas de bandas completamente iguais e sem talento que infestam o gênero, objeto de um revival significativo nos últimos anos. Vez ou outra, porém, alguns grupos com afiliações ao estilo surgem com trabalhos que devolvem esperança à prática. O M83 não é exatamente um grupo de shoegaze (ainda que Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts, de 2003, seja quase um disco perdido do Ride) mas a sensibilidade particular de Anthony Gonzalez nesse universo é um importante fio condutor para o grande salto que é este Hurry Up, We’re Dreaming.

Em seu álbum duplo, Gonzalez foi muito feliz em captar o espírito de uma época que passou pelo lirismo do Arcade Fire e a experiência eletrônica que tem numa ponta o LCD Soundsystem e na outra o Animal Collective. Aproveitando o ano em que a música indie/pop anglofônica se jogou despudoradamente no próprio passado (ainda mais do que na década anterior), o músico francês reprocessou esse zeitgeist com elementos do synthpop, da ambient music e mesmo do pop brega dos anos 80 (o sax e o violão com reverb são um primor da auto-ironia destes tempos) para criar um disco irresistível, que alterna melancolia a momentos gloriosos de pista. Pelo menos por enquanto, os órfãos de James Murphy e Jason Pierce têm uma obra à altura com que se consolar. [Mateus Potumati]

Ouça aqui Hurry Up, We're Dreaming



10. The Weeknd . House of Balloons (mixtape)

Independente

Histórias de amores violentos, uso desenfreado de drogas, abandono e finais sombrios. São esses elementos que, perpassados por texturas exultantes e tons de dramaticidade, constroem a narrativa de House of Balloons, mixtape de estreia de Abel Tesfaye. Mais do que a junção de todas as bad trips, o álbum é a narrativa do arrependimento – especificamente, da tristeza de acordar no dia seguinte e se arrepender das drogas, das pessoas, das atitudes e do dinheiro gasto. R&B de ressaca, House of Balloons é um álbum que permanece sempre em uma linha tênue entre o desespero real e a o exagero caricatural, a fossa completa e a vontade de fazer troça – se em “Wicked Games” a voz cristalina de Tesfaye acentua seu falsete em um lamento dolorido (“baby, traga as drogas, eu posso trazer minha dor”), em “The Morning” a melodia anormalmente suave e convidativa parece tirar sarro da aparente seriedade da letra. Um dos lançamentos mais hypados do ano pela crítica gringa, curiosamente, é um álbum independente sobre drogas, sexo brutal, estranhamento social e relações nefastas de poder entre homem e mulher, prova de que Abel Tesfaye consegue criar melodias encantadoras sobre temas funestos. [Stefanie Gaspar]

Ouça aqui House of Balloons


9. Zomby . Dedication

4AD

Após resgatar as sonoridades essenciais do hardcore rave em Where Were U in '92, com colagens de ardkore, jungle e texturas minimalistas, Zomby mudou de abordagem em seu segundo lançamento oficial, Dedication. Embora continue dedicado a criar momentos de sinestesia musical por meio de texturas tortas, o artista mascarado optou por um caminho mais contido, indo até os meandros mais profundos do dubstep e abraçando uma sonoridade pressurizada e caracterizada por uma noção crescente de perigo – em vez de escolher o caminho da ambient music, Zomby distorce qualquer ambientação mais óbvia com canções como "Natalia's Song" e "Vortex". Em um ano em que o dubstep entrou para a rota do pop, Zomby criou um álbum que traz mais questionamentos do que respostas simples. [Stefanie Gaspar]

Ouça aqui Dedication


8. Bon Iver . Bon Iver

Jagjaguwar
 
Há quase quatro anos, Justin Vernon era o “homem isolado numa cabana durante o inverno no interior de Winsconsin” que gravou For Emma, Forever Ago, disco de folk esquelético e coração-quebrado que conquistou a crítica gringa e o Kanye West (que chamou Vernon para cantar em duas faixas de My Beautiful Dark Twisted Fantasy). Bon Iver, segundo álbum da banda de um homem só, é tão diferente do primeiro que se não houvesse o marcante registro alto da voz de Vernon, seria difícil admitir à primeira ouvida que se tratasse do mesmo artista. No lugar do lo-fi cheio de arestas, vem um som cristalino, com inúmeros recursos barrocos, como o sax de Colin Stetson e os arranjos de Rob Moose – a surpresa começa já na primeira faixa, com a guitarra delicada de “Perth”, e segue até o sax brega de “Beth/ Rest”.
 
Por outro lado, enquanto em For Emma... as letras eram claramente dedicadas a amores perdidos, em Bon Iver tudo é elipse, sinestesia, retrato mental de uma viagem de infância, fragmentos de diálogo – tudo desordenado, como um longo sonho que você lembra vividamente mas não consegue descrever. Ainda assim, a marca de Vernon segue subterrânea, sussurrante. O que mudou foi a estação: o tempo corre ao contrário na terra de Justin, e o que era inverno se transformou em outono. Em 2011, poucos artistas materializaram uma oportunidade tão clara de realizar as suas ambições musicais como Vernon. É que, mesmo com o frio gelando as costas das mãos enfiadas nos bolsos, ele já pode olhar com certo assombro para a estrada e perceber que a luz oblíqua de outono e o ar gelado deixam tudo nítido, e que então, só então, pode enxergar por quilômetros e quilômetros à frente. [Amauri Stamboroski Jr.]


 

7. Rustie . Glass Swords

Warp
 
Enquanto em 2011 artistas como Four Tet (com seu disco pelo selo Fabric), Zomby, Nicolas Jaar e Shabazz Palaces optaram por um caminho da eletrônica perpassado pela simplicidade e o minimalismo conceitual, Rustie preferiu retomar a excentricidade do excesso em seu primeiro álbum oficial pela Warp. Abraçando estruturas maximalistas e apostando com força em elementos de força óbvia – baixos estridentes, bateria eletrônica exaltada, trilhas dramáticas de sci-fi –, o álbum traz a força da música progressiva, o transe do after infernal da hardcore rave e um poder hipnótico que só música eletrônica pensada para a pista consegue transmitir.

Sem medo de unir sons aparentemente irreconciliáveis, como dubstep, trilha com cara de videogame, ambiências típicas da IDM e o abandono sinestético do trance, Rustie fez um álbum que até mesmo a “geração DDA” (ver o review nº 2 desta lista) consegue acompanhar, com faixas curtas e sucintas de baixos dramáticos, pianos típicos de interlúdios de remixes, teclados trance e batidas do hip-hop. Em “Surph”, a batida prenuncia a chegada de um dubstep, que rapidamente se transforma em uma mistura difícil de definir entre vocais açucarados, mascarados pelo auto-tune, teclados distorcidos e repetições do trance. Em “City Star”, o clima é de ambiência, transformada em questão de segundos na trilha sonora de um after anfetaminado. Glass Swords exagera nas mudanças e na sobreposição de diferentes ritmos, e exatamente por isso é um álbum que resume bem o acúmulo de sons e informações de 2011 – a diferença é que aqui tudo isso vira motivo para fritar na pista. [Stefanie Gaspar]

Ouça Glass Swords ou aqui



6. tUnE-yArDs . W H O K I L L

4AD

Batidas quebradas de percussão torta pensadas para a FM: a intenção de Merril Garbus, cabeça do tUnE-yArDs, pode parecer estranha, mas faz completo sentido quando W H O K I L L começa a tocar. A artista, que cresceu ouvindo Michael Jackson e Cindy Lauper e sempre foi fascinada por hits das rádios, conseguiu dar luz a uma criatura difícil de imaginar: um álbum de batidas tortas e riqueza instrumental que dialoga intensamente com a música pop ao mesmo tempo em que cria sonoridades com DNA africano e hinos dignos de uma mistura entre Animal Collective, Dirty Projectors, ritmos globais e Vampire Weekend. Um disco que mistura influências de art rock, linhas melódicas fragmentadas e experimentações vocais – e ainda assim dá pra dançar. [Stefanie Gaspar]

Ouça aqui
W H O K I L L



5. Danny Brown . XXX

Fools Gold Records

XXX, de Danny Brown, é uma ilustração bem precisa da crise americana. O cenário é a cidade de Detroit, hoje só um arremedo do poder de destruição que a cidade teve no fim da era industrial. O personagem central do álbum vive sob efeito das mais diversas drogas, entre a claustrofobia (na faixa “XXX”), a comparação com personagens decadentes que ele nunca conheceu – da literatura, do rap, da TV, dos desenhos animados e do showbiz (“Die Rockstar, Die”) – e da vida quebrada de um rap que deu certo depois de dez anos. O destino infeliz narrado pelo rapper só ganha interesse por que não é lamento puro; pelo contrário, é feito a partir de um ponto de vista cheio de humor anárquico e/ou completamente desiludido.  Não há redenção. Exemplo claro disso são as quase-punk “Radio Song” e “Bruiser Brigade”. O descompasso das faixas ganha força com bases que bebem de músicos interessados no estranhamento e em padrões distantes do acabamento tradicional do pop. 
 
A voz de Danny percorre  por This Heat e Hawkwind em “Adderall Admiral” e alguma coisa que lembra um cruzamento de Residents e Captain Beefheart na primorosa “30”. O cenário de inadequação ainda é traduzido musicalmente em “Scrap or Die”,  “Detroit 187”, onde a métrica parece sempre correr atrás de uma base que não cabe na história do personagem. Um disco que diz muito sobre estar no buraco sem saída dos EUA. [Lauro Mesquita]
 
by


4. Nicolas Jaar . Space is Only Noise

Circus Company

A partir de uma premissa aparentemente simples – a de que o espaço cotidiano e suas ambiências naturais podem se transformar em sons sublimes –, o jovem produtor Nicolas Jaar criou um dos álbuns mais complexos do ano. Reunindo referências como Mulatu Astatke, Erik Satie e o veterano do techno Ricardo Villalobos, Jaar recria estruturas de ruídos cotidianos (o som da água, um choro de criança, risadas, um casal na cama) em camadas sonoras construídas habilmente em um misto de estranheza, melancolia e exaltação. A sutileza do álbum vem de sua construção, que consegue no intervalo de poucos minutos transformar um mero borbulhar em um lamento melancólico embalado por solos de saxofone (o single “Keep Me There”) e reconfigurar sons de ondas e vozes humanas em barulhos inquietantes e disformes, moldados por melodias de piano. Do silêncio, Nicolas Jaar reconfigura o ruído – e  o faz com apenas 21 nas costas. [Stefanie Gaspar]




3. The Streets . Computers and Blues

Vice Records

Computers and Blues é uma crônica de alguém atropelado pela vida adulta. Obra derradeira do The Streets – que Mike Skinner declara ter aposentado para se dedicar a novos projetos –, o disco é o caixote no qual ele sobe pra mandar as coisas que gostaria de dizer antes de ir embora. Arquiteto de bases criativas e enxutas, com acenos carinhosos ao garage e flertes com o funk e a disco e o rock, Skinner lança rimas sobre a vida mediada por computadores e a melancolia, sobre a lembrança das grandes festas e a expectativa da paternidade. Reflexivo e sempre guardando algum tempo para se divertir, Computers and Blues é um manifesto de empolgação com as coisas por vir. Um álbum para sair por cima. [Tiago Soares]

by


2. Shabazz Palaces . Black Up

Sub Pop

Em seu livro Retromania, o crítico inglês Simon Reynolds define Cosmogramma, disco de Flying Lotus lançado em 2010, como “jazz para a geração DDA”. Esse distúrbio de atenção geracional, segundo ele, é fruto do volume virtualmente infinito de informações sobre o presente e principalmente o passado reunidos na internet. No universo musical panóptico de 2011, o desafio maior que se apresenta a artistas de vanguarda é se valer do acesso irrestrito à tradição e ainda assim criar obras que reflitam seu próprio tempo. Nesse contexto, se Cosmogramma tem paralelos com o saturamento virtuoso do bebop, Black Up seria algo entre o cool jazz e o jazz modal: um esforço para se despir da pretensão de levar à onisciência instantânea por meio do preenchimento de todos os espaços para focar em pontos específicos, escolhidos com um instinto curatorial minimalista. É quase como a descoberta da cura para nosso déficit de atenção musical: Palaceer Lazaro (ou Ishmael “Butterfly” Butler, famoso nos anos 90 com o Digable Planets) e Tendai Maraire produziram um álbum extremamente esmerado nos detalhes, mas disposto a cortar a glossolalia polifônica em prol de uma narrativa mais inteligível e intuitiva.

Não é só conceito musical que liga Butler a nomes como Coltrane: ele também acredita estar renovando para os dias de hoje a conexão da música com dimensões profundas da alma humana, a ponto de recusar crédito pelas faixas, por crer que “a música vem de um lugar que não conhecemos de verdade”. Além disso, seu trabalho também se posiciona firmemente contra o que ele entende como a infantilização do hip-hop comercial estadunidense, que ainda reflete, segundo ele, o instinto mercantilista e belicista dos anos Bush. E Butler consegue tudo isso criando beats geniais, gravados por eles mesmos, que o colocam vários degraus acima de outros ideólogos do rap underground como Saul Williams. Em 2011, talvez nenhum disco tenha trazido mais esperança no futuro da música do que este. [Mateus Potumati]

by


1. Gang Gang Dance . Eye Contact

4AD

A voz de Lizzi Bougatsos nunca esteve tão clara. O apanhado de referências nunca funcionou tão bem. Por isso Eye Contact passou o rodo em listas no mundo todo. É um disco que celebra a simultaneidade sonora comum a qualquer pessoa que atravessa uma aglomeração urbana – como o Centro de São Paulo, de Bombaim etc. O caos de todos sons da rua lotada está ali, e o Gang Gang Dance reelabora isso em música de festa.

O arranjo sobrepõe efeitos saturados das caixas de som velhas e o som do grime, do dubstep e das ambiências da eletrônica mais experimentalista. O esforço de engenharia sonora é primoroso. A perspectiva é outro trunfo da banda: o GGD trata a música da África Subsaariana, dos países árabes, da Ásia Central e do extremo Oriente da mesma maneira que encara as referências da música americana. Sem unilateralismo melódico e geográfico e sem paternalismo primeiro-mundista. O que diz muito sobre o quão nova é a música que eles fazem. [Lauro Mesquita]

Ouça aqui Eye Contact

tags:
 listas soma, melhores 2011

mais lidas

somacast




reviews

 

melhores soma

discos
faixas

Julia Holter Ekstasis

The Thing & Neneh Cherry The Cherry Thing

Hot Chip In Our Heads

 

“Da Estação São Bento ao Metrô Santa Cruz” . Rappin Hood part. Emicida Dupla une gerações do rap em torno da história do hip hop brasileiro

livros & quadrinhos

Jake Adelstein Tóquio Proibida

Lourenço Mutarelli Quando Meu Pai Se Encontrou Com o ET Fazia Um Dia Quente

Marcello Quintanilha Almas Públicas

Vários Autores (org. Lucas Ribeiro) Transfer – Arte Urbana e Contemporânea

filmes
games

Pearl Jam . PJ 20 Cameron Crowe . Sony Music . 2011

Itamar Assumpção . Daquele Instante em Diante . 2011 Itamar Assumpção . Daquele Instante em Diante . 2011

Infinity Blade II Epic Games e Chair Entertainment . 2011

ICO and Shadow of the Colossus Collection Sony Computer Entertainment . 2011

mais reviews