Família, fuga da realidade e o Eri Johnson gótico . Jair Naves fala sobre novo disco

'E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas' é o primeiro álbum solo do músico

POR PAULO MARCONDES
publicado em 18.09.2012 13:02  | última atualização 18.09.2012 13:52

Jair Naves POR Lane Firmo

Após dois anos de espera dos fãs, o primeiro álbum solo de Jair Naves, E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas, finalmente é lançado nesta terça-feira (18), via Travolta Discos e PopFuzzRecords.

Na semana passada, colocamos no ar a primeira parte da entrevista feita com o músico, por conta do lançamento do clipe de ‘Pronto Para Morrer (O Poder De Uma Mentira Dita Mil Vezes)’. Abaixo vocês podem conferir a segunda e última parte da ideia que trocamos com Jair Naves.

Baixe o disco




Você falou da sua banda, eu acompanho sua carreira desde o Ludovic, todo o seu trabalho, e eu notei que desde a demo dela até o disco novo existiu uma grande evolução, num período de oito, dez anos. Você enxerga essa evolução também? Tanto musicalmente quanto na parte das letras.

Eu acho que sim. Fico feliz que você diga isso, porque é o resultado de uma busca constante. Eu sou muito crítico em relação a mim, perco o sono e etc. Eu tenho uma coisa de autocritica comigo que é injusta, é até meio autodestrutiva, então eu busco melhorar mesmo. Eu não gostava do modo que eu cantava no começo do Ludovic, aí eu fui tentar aprimorar isso da forma que eu podia. Quanto as letras, é bastante importante que eu não me repita tematicamente. Chego num grau de paranoia que às vezes eu evito até de usar as mesmas palavras, tipo “nossa, eu já usei isso em outra música”. Para mim, não faz sentido eu lançar um disco se não acreditar piamente que foi a melhor coisa que eu já fiz. Esse lance de ficar sombra do trabalho anterior, eu não gosto. Até por isso teve um espaço grande entre o último disco do Ludovic e o primeiro meu da carreira solo, foram quatro anos, o que para mim é muita coisa.

Mudando um pouco de assunto, todas as apresentações que vi, a música "Silenciosa" te emocionava bastante. Por quê?

Uma vez disseram que é importante para o intérprete viver a música toda vez que a canta. Eu aprendi com isso. Foi uma música que fiz em um momento horrível da minha vida, num dos pontos mais baixos. Foi uma música que me ensinou que você pode tirar coisas boas de algo muito merda que você vive, e é uma faixa que me eu me orgulho muito, sinto que dei um passo a frente como compositor, nunca tinha feito nada parecido e quando eu terminei essa música eu pensei “nossa, agora sinto que eu estou num patamar um pouco acima. Isso é maior do que eu tinha feito antes”. Essa música conseguiu algo que eu tentava fazer antes que é ter uma comunicação mais fácil com as pessoas, pois as letras eram muito rebuscadas e difíceis e essa é muito contagiosa. Eu lembro daquela época e sinto que consegui converter algo pessoal muito difícil em uma composição muito bonita. Se eu tivesse que escolher entre as 5 melhores que já fiz na vida, "Silenciosa" estaria entre elas.

Falando do Araguari, eu percebi que a primeira música fala como se você fosse criança e na "Araguari II" você mais na cidade grande. É isso? Qual a sua relação com a cidade grande?

Eu não me considero interiorano, porque de fato eu nunca vivi no interior. Eu passava as férias em Araguari, passei a infância em Brasília. O que noto nesse tipo de cidade, e nessa época tinham duas pessoas da minha banda que moravam em cidade do interior, é que há um policiamento muito grande, todo mundo sabe da vida do outro e qualquer coisa mínima é um grande escândalo. É como se tivesse uma caça às bruxas constante mas não declarada, e é algo que me inspirou bastante.


Jair Naves por Lane Firmo

Sobre o Ludovic, uma pergunta de fã mesmo, existe alguma possibilidade da banda fazer um show oficial de encerramento?


Putz, existe mas eu não contaria com isso, sabe? Eu sou muito amigo de todos eles, e a gente já comentou em fazer algo quando alguns dos discos fizessem 10 ou 15 anos, mas seria prejudicial ao rumo que demos a nossas vidas. Eu me sinto meio estranho tocando as músicas antigas. Conversei muito com o Fernando (Sanches) que voltou com o Againe agora e uma das coisas que ele falou que faz muito sentido é que ele achou muito recompensador tocar as músicas para um público que nunca tinha visto a banda ao vivo e o Ludovic teve um crescimento, uma renovação de público inacreditável, depois que acabou, então isso seria legal. Mas, por outro lado, eu tenho problemas com nostalgia, eu não acho muito saudável. Pode acontecer algum dia, mas eu não aconselharia ninguém a ficar esperando por isso.

Na primeira música do álbum, você fala sobre uma criança que foi acusada de homossexualidade. Que história é essa?

Essa música é bastante metafórica, menos as últimas estrofes. Eu tenho uma pessoa muito querida que sofreu muito por ser vítima de uma calúnia e essa parte é especificamente sobre isso, o poder de uma mentira dita mil vezes e foi uma coisa que me ocorreu e me remete as cidades de interior, as caças às bruxas. E algo que me indigna bastante é como a questão da homoafetividade ainda é um tabu tão grande e como isso é tido como uma doença, uma espécie de lepra moral. Fala sobre tudo isso, mas a história não é verídica.

Eu tava lendo a letra, e vi que nela você fala sobre o Linari (vocalista do La Carne)...

É, o Linari, foi uma homenagem. Uma coisa que busquei nesse disco foi falar das pessoas que gosto e tentar contextualizar. Eu gosto muito do Linari, ele é um ótimo contador de histórias. Espero que as pessoas busquem saber quem é ele e que cheguem a banda do Linari, eu ficaria feliz por isso.

Lendo as letras do disco, superficialmente pode soar como amor, mas se você se dedica um pouco mais, não é bem assim...

Quando eu comecei a fazer as letras tinha aquela coisa de começar a escrever um mês antes e uma coisa que eu tava pensando muito era em fazer um disco político na concepção literal da palavra. Sobre o cotidiano, como as pessoas fazem para sobreviver, a rotina delas. Eu tava numa de fazer um disco que, guardada todas as proporções, ia ser meu London Calling, político pra caralho. Só que aí com um mês antes eu acabei me apaixonando perdidamente e me fez repensar muito como o amor é uma metáfora muito poderosa para as coisas, mesmo as relações físicas entre as pessoas, por isso tem tantas menções a beijos e a atos sexuais, que eu nunca tinha feito antes, e eu gostei porque são coisas que tem uma parte imensa na vida das pessoas e são metáforas que eu nunca tinha usado antes.

Em "Covil de Cobras", eu acho que foi a música mais política que já vi você escrever, nela é citado até o proletário. Como foi compor uma faixa mais política, antes as letras eram mais pessoais?

Essa letra é muito pessoal também, mas tem um viés mais político mesmo. É uma sensação que quando você trabalha e luta pra se manter, chega num grau de vida adulta que você é responsável por si mesmo e você vê como é difícil, como as pequenas coisas fazem sentido. Aquele velho discurso de ter um trabalho que te insatisfaz existencialmente, mas você precisa ter para sobreviver. É uma faixa que gosto bastante, que me orgulho de ter escrito.

Quando você falou de trabalho agora, me lembrei de umas histórias que ouvi, do tipo sair sexta-feira a noite do trampo e ir tocar no mesmo dia. Hoje você continua fazendo isso ou a música já está te dando algum retorno?

Eu espero que isso mude, mas continua sendo a mesma coisa, para mim e para quem toca comigo. É assim com 99,9% dos músicos que conheço. É um comprometimento muito sério, você precisa gostar bastante, porque é difícil. A banda que me acompanhava acabou desistindo porque íamos tocar na quinta-feira em Curitiba, chegávamos em São Paulo às 11 da manhã e eles iam direto pro trabalho, eram ameaçados de demissão. Seria ótimo se isso mudasse, mas o Linari fala algo muito sábio, que de você escrever e cantar suas músicas, ter gente que gosta, é um orgulho tão forte que você não pode exigir muito mais do que isso. Se eu exigisse que isso que me desse meu sustento, minha relação seria outra, e eu ia ter que escrever músicas pop que o refrão repete mil vezes e não é muito minha cara. Adoraria ter o dom de compor músicas para cantar em estádios, mas não é minha praia.

Com o download, acabou que vocês precisam fazer mais shows, você acha isso melhor do que pegar uma gravadora e ficar em casa, vendendo disco e tocando uma vez por mês?

É uma questão difícil. Eu vivi muito pouco o modelo antigo, não sei como funcionava no mercado independente. Pelo o que ouço era bem complicado, precisava vender fita por correio, era difícil estabelecer contato com as pessoas. Tenho amigos que já passaram por gravadoras grandes e nenhum deles gostou muito. Seria legal se a venda de disco fosse uma fonte financeira mais confiável, porque acaba sendo só um cartão de visita. Muitas vezes não paga a gravação e a prensagem, eu já tô tão habituado com isso, não vejo muito problema. Eu gosto de tocar, gosto que o cara que more no Acre goste de minha música, e se não fosse a internet, nada disso aconteceria.

No final da última música você fala sobre seu pai.

Esse disco fala bastante sobre fuga da realidade, sobre coisas que você pensa para sair do mundo. Aquela coisa de você estar voltando do trabalho num ônibus lotado e você pensa em coisas que te faz feliz: “ah, e se o meu pai ressuscitasse”, “e se as pessoas que já foram torturadas e humilhadas tivessem sua vingança”, “como será a pessoa com quem eu vou passar o resto da minha vida”, é meio que isso. E o que remete até o título do disco, é uma fuga da realidade tanto no que diz respeito de você ficar fantasiando quanto você fazer algo. Eu não acredito que as pessoas ressuscitem, que depois de sete dias aconteça a volta de Cristo. Infelizmente, pessoas ótimas se foram e não vão voltar, isso é muito triste.

E seria legal se acontecesse, até se você acreditasse, né?

Seria, e tem pessoas que de fato acreditam. Eu invejo muito essas pessoas, essa pureza. Não sei se esse é o termo correto. Não acredito que tudo seja tão material, que talvez exista um plano abstrato, mas não sei, é o maior mistério de todos. Voltando ao assunto da morte, ninguém sabe o que é: nem a mais cética das pessoas tem razão, nem a mais religiosa. Ninguém sabe o que vai acontecer. É algo que me indago diariamente, e aí o que vai acontecer?



Entrando num assunto mais tranquilo, a música “No Fim da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas” me remeteu um pouco a "Silenciosa", talvez na temática. É a mesma situação?

Não, não é. "Silenciosa" foi o fim de um relacionamento mesmo, que você acredita bastante. Essa música é mais sobre achar alguém que você gosta e faz alguma merda, e também é uma faixa que tem uma coisa que eu percebi que muitas pessoas tinham uma impressão muito sisuda de mim, pelo o que eu faço, muito depressivo e não sei o que, então eu tentei colocar um pouco de humor em algumas passagens, mas não um humor Bruno Mazzeo, Velhas Virgens. Mas a faixa fala sobre uma paixão muito forte, que você tá tão deslumbrado que pensa “será que essa pessoa vai olhar pra mim um dia”, mas é algo que nem é real, você vai perceber que não é bem assim. Tem a ver com ser um caso de amor não muito bem sucedido, mas em momentos diferentes.

Nos três discos você fala sobre Deus, você fala que é um tipo estranho, raro de ateu e vejo que agora pelo menos nesse álbum, quando você usa esse termo é algo mais Nick Cave, Deus mais metáfora para algo. Qual é esse tipo de Deus que você acredita?

Eu não consigo lidar com a imagem de Deus sendo aquele velhinho, com uma bengalinha que fala “hoje você vai ter sorte”, “já você vai se foder muito”. Eu acredito em destino, não sei se é algo que acreditamos para dar sentido a algo, mas eu acredito que as pessoas entram na sua vida por determinado motivo. É uma relação muito conflituosa. Se existir Deus como uma forma de juiz, eu não consigo aceitar algo como o Pinheirinho, tantas chacinas e etc. Eu já conheci gente que foi salva por umas religiões meio lavagens cerebrais, e pessoas que eram fodidas na vida, e estavam caminhando para a autodestruição e ficam com aquele discurso de querer converter todo mundo. E você pode pegar nas minhas letras que eu nunca sei o que é, não consigo definir Deus. Mas algo que acho legal em algumas religiões é o fato de você buscar ser alguém melhor, uma pessoa boa. Então foi esse tipo de Deus que eu criei, mas não sei se terei alguma recompensa por não foder ninguém, por agir certo e etc.

Citei o Nick Cave agora, e para mim, vejo um pouco dele no seu trabalho. Você gosta dele?

Não é a primeira pessoa que me fala isso e eu fico feliz. Já mudou um pouco. No começo falavam muito do Ian Curtis e pô, eu gosto dele. Nick Cave eu acho interessante, mas não ouço muito. É melhor do que falar que “parece Two Doors Cinema Club”, eu ia dizer “que bosta” (risos). Eu acho o Nick Cave um ótimo letrista, mas é um tipo de som que eu tô tentando me afastar, que é de uma melancolia enorme. Eu já falei bastante sobre esse lado sombrio da vida, viver é legal, envelhecer é legal. As coisas podem ser boas. E o foda é que eu tenho essa coisa de falar sobre esse tipo de assunto. Nesse disco eu arrumei uma professora de canto – eu não queria que tivesse autotune no álbum, nenhuma correção -, e eu mostrava as músicas pra ela e para mim estava tão fixado e eu até esquecia do poder das palavras, daí eu acabava de cantar, olhava pra ela, e a professora estava meio assustada.

Você falou sobre o Ian Curtis. Ainda te comparam com ele e com o Renato Russo (que não tem nada a ver)?

Com o Ian Curtis diminuiu muito. Ele era alto, magro e desengonçado, e essas coisas eu também sou. E os dois tem voz grave. Sinceramente, eu acho os dois ótimos artistas. O Ian Curtis, putz, para deixar a obra que ele deixou morrendo com 23 anos, acho impressionante, as letras são muito boas, Nick Cave a mesma coisa. Não me incomodo mais. É natural que uma banda nova pegue referências antigas. Uma das bandas que eu gostei ultimamente foi o Girls, daí eu comecei a falar “isso aqui parece Elvis Costello, isso aqui Replacements, isso aqui dos Beatles”, mas não era prejudicialmente, vejo que as pessoas não fazem isso por mal, tipo “esse cara tá macaqueando fulano ou ciclano”. No começo eu me incomodava pra caralho “eu sou eu, meu”, mas é natural. O Molinari, baixista novo falou isso, ele é um cara muito talentoso, espirituoso e engraçado, mandei uma música pra ele, "Guilhotinesco", e ele falou: “nossa, você é o Nick Cave brasileiro” (risos).

Na gravação do clipe ele me disse: “tá meio Nick Cave, meio Leonard Cohen”.


Cada um fala uma coisa, cara. A música que dá nome ao disco, que acabou ficando de fora, o Babalu me disse que tava meio Soul Asylum, e o baixista falou que tava meio Nick Cave. Mas eu sem dúvida quero fugir um pouco disso, dessa impressão que as pessoas tem de mim, que é uma coisa muito séria. Tem gente que me conhece depois das minhas músicas e fala “nossa, eu não imaginava que você fosse bem humorado”. Não quero cultivar essa imagem de (risos).





Uma pergunta bem nada a ver, mas que eu preciso fazer, principalmente por ter faixas num contexto político. Você começou no punk, veio dessa escola que tem bastante coisa política. Queria saber sua relação com ela. Até porque você citou o caso do Pinheirinho.


Hoje em dia é impossível, eu não acredito mais nessa coisa política de centro, esquerda e direita, eu acho que todo mundo já se mostrou um filho da puta. Infelizmente eu tô caminhando para um niilismo e é uma coisa triste que se reflete na vida, na decisão de ter ou não filhos. Tenho uma tendência esquerdista natural, por ter tido parentes que foram torturados na ditadura, até pelo caso dos Irmãos Naves, mas a política tem uma parte importantíssima na minha vida. Hoje, não tem como você ser apolítico, as coisas batem a sua porta. Não é mais aquela coisa que a classe média, a classe média-alta e a elite estão isentas, pelo contrário. Se as pessoas estão fodidas, elas vão te foder alguma hora e você precisa buscar o bem estar comum e etc.

E tem a coisa do punk né?

Eu costumava dizer nos shows do Ludovic que o punk, por mais apolítico que seja, ele tem uma carga de política muito forte, porque ele democratiza a expressão artística e mostra que não é só para quem tem dinheiro, quem tem talento, bonito ou é afinado. Ele diz que qualquer pessoa pode ter uma banda. Você não precisa ser um Axl Rose, loiro e tals. A última coisa que eu pensava que conseguiria ser na minha vida era músico. Minha dicção era horrível, eu era tímido, completamente inseguro e minha destreza musical no começo não era das melhores. Na época da demo do Ludovic eu era completamente o oposto, era o anti-herói da música e fico feliz que isso tenha se provado válido e inspirado outras pessoas.

Leia a primeira parte da entrevista

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