Sónar SP dia 1

11.05.12 . Parque Anehmbi

POR Amauri Stamboroski Jr. e Stefanie Gaspar publicado em 12.05.2012

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Com boa qualidade no som, preços abusivos de bebidas, filas quilométricas e demora para a entrada do público, o Sónar tinha de tudo para ser um bom festival típico brasileiro. Mas com uma escalação estelar, com o melhor da música produzida hoje no mundo e no Brasil, a versão paulistana do evento catalão inevitavelmente foi um sucesso. Entre o espetáculo 3D do Kraftwerk, a tensão meditativa de DOOM, a esquizofrenia progtrônica de Hudson Mohawke a reconstrução do d’n’b de Marky e Patife, a primeira noite do Sónar – nesta sexta-feira (11) –  teve bons momentos para todos os gostos. Abaixo a gente conta melhor como tudo isso rolou.

James Pants

James Pants começou sua apresentação no Sónar São Paulo com uma tarefa difícil: tocar para um público ainda escasso, que começava a chegar ao festival, e concorrer com o DJ set do incensado James Blake, novato do dubstep que abriu o palco Sónar Club com uma discotecagem inédita no Brasil. Mesmo assim, o multi-instrumentista e produtor se deu bem, trazendo o público para seu palco rapidamente com uma mistura de disco, boogie, electro e diversas influências dos anos 80. Fazendo os vocais sintetizados ao vivo, com a adição da bateria, o DJ set se transformou em um live cheio de boas ideias e que acabou dando certo para um pocket show, misturando com talento reverberações retrô, barulheiras e grooves sincopados, criando camadas a partir de bases simples e com um tino para hits pop do passado que remete a artistas como Ariel Pink. Não lotou, mas o público curtiu.

Cut Chemist

Com cara de nerd britânico safado, o virtuose das picapes Cut Chemist equilibrou-se com destreza entre a diversão e a exibição em seu show no palco Village. Colidindo beats e mostrando de forma quase didática as diferentes possibilidades de manipulação física de sons pré-gravados, o DJ usou todos os truques guardados em sua manga. Se por um lado é de se imaginar como Cage ficaria louco se pudesse ter usado tudo aquilo – dentro de algum novo sistema bizarro de notação – em sua pioneira composição com toca-discos Imaginary Landscape, ao mesmo tempo há um quê de vídeo de demonstração de vendedor da Technics na apresentação, especialmente quando Chemist senta-se com uma picape no colo e fica mostrando pra plateia como ele é bonzão, com direito a careta de guitarrista e em transformar, no pitch, pulso em tom, para tocar o riff de “Smoke on the Water”. Começando com um repertório que desconstruía hits dos Beastie Boys, entre outros “defacements” sonoros, Chemist fechou seu set operando um pedal de loop e empilhando samples de música brasileira.

Kraftwerk

Substituindo a cantora Bjork como headliner do primeiro dia do festival, os alemães do Kraftwerk reuniram o maior público da noite com uma apresentação especial. Em abril deste ano, o grupo pioneiro da música eletrônica apresentou uma série de oito shows no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), cada um dedicado a um álbum de sua discografia pós -74. Além da parte musical, o grupo trouxe um show com tecnologia 3-D, que tinha como objetivo transformar o Kraftwerk em uma obra de arte completa - nada mais natural para um grupo que, em meados dos anos 70, se apresentou diversas vezes no circuito das artes e construiu uma relação mais conceitual com sua maneira de tocar e pensar música.

Chegando ao Brasil pela primeira vez com este novo conceito, o Kraftwerk readaptou suas imagens habituais dos telões (quem viu o show da banda em 2009 no Brasil não percebeu grande diferença em relação às cenas escolhidas) pensando na tecnologia 3D, e fez o público se animar cada vez que um satélite, globo ou objeto "saia" do telão e ia em direção à plateia. Embora tenham sido certeiros, os efeitos não eram tão impressionantes, nem transformavam de forma significativa o show do grupo. Em determinados momentos, como quando o telão projetou uma imagem de uma nave no espaço, era realmente interessante ver a fusão tão importante para o Kraftwerk entre humanidade e tecnologia se tornando uma realidade palpável. Mas, em geral, tais momentos eram fugazes, e na verdade evidenciavam o quanto o grupo é importante na história da musica eletrônica: ao apresentar hits como “We Are The Robots”, “Autobahn”, “Man Machine” e “Trans-Europe Express” sem grandes modificações, era fácil perceber que a trajetória inovadora do Kraftwerk já faz com que ele chegue a qualquer show com a partida ganha. Não se nega história, principalmente quando ela muda o curso de um estilo musical. Exatamente por isso, as músicas bem executadas do grupo sempre trarão vislumbres de talento e certeza de importância musical, mesmo que o show em questão não seja exatamente dos mais empolgantes. A sinergia entre o Kraftwerk e o 3-D foi de fato impressionante, mas há algo de suspeito quando a maior animação é voltada para imagens tecnologicamente interessantes do que para o repertório musical. Mesmo no caso do Kraftwerk, em que imagem e música são igualmente importantes, ficou a impressão de que algo de valor foi deixado para trás.

DOOM

Afastando todos os temores de que iria mandar seu primo em seu lugar – mais uma dessas lendas bizarras que orbitam em torno da persona mascarada de Daniel Dumile – DOOM exibiu sua avantajada pança e seu característico flow no palco Village para um público, se não estrondoso, excepcionalmente fiel. Abrindo ao show com “Accordion”, do álbum Madvillainy e flanqueado por dois MCs de apoio, DOOM fez uma apresentação compacta, porém intensa, sem muitos espaços ou respiros. Magnético, atraiu todas as atenções para si e para a sua inclemente voz – a impressão é que, durante metade do tempo, as rimas não importam em nada, e sim o grande exercício retorcido de flow, uma versão ultra-estilizada e virtuosa da lógica de jazz que permeia a vanguarda do hip hop. Essa sensibilidade ímpar em um quesito ainda não devidamente valorizado é um dos motivos – mas obviamente não o único – que faz do MC um dos nomes mais importantes do gênero dos anos 00. Com um repertório que incluía ainda sons de álbuns como Operation: Doomsday e o recente Born Like This, em 45 minutos de show DOOM conseguiu explorar e exaurir ideias e caminhos equivalentes às carreiras completas de meia dúzia de MCs de primeira.

Hudson Mohawke



Depois do Kraftwerk, o Sonar Club se transformou em uma enorme rave com a entrada de Hudson Mohawke, produtor escocês que mistura em um set nervoso influências do hip hop, dubstep, hardcore rave, acid e elementos experimentais. Longe de ser algo problemático, o excesso de informação do set de Hudson, que em vez de alternar sonoridades prefere criar camadas múltiplas de sons que se comunicam entre si ao mesmo tempo em que se interrompem, é uma qualidade, transformando diferentes elementos em um só código sonoro. Companheiro de Rustie na Warp, Hudson Mohawke criou um set repleto de recortes, baixos estridentes, bateria eletrônica e o poder hipnótico que só a pista pode trazer para a música eletrônica. Os beats entrecortados e os ritmos grooveados do escocês fizeram a alegria do público que resolveu ficar até mais tarde, e o set nervoso podia ser ouvido facilmente do lado de fora da tenda devido à quantidade absurda de picos de som e viradas inteligentes. Como o set do escocês começou lento, muita gente desistiu do show para conferir outros palcos. Quem não persistiu, perdeu a entrega insana protagonizada por Mohawke durante uma hora de discotecagem ininterrupta. O crítico inglês Simon Reynolds reclamou que a obra de Mohawke parece "um prog rock infernal adaptado para a era do Pro-Tools, uma animação sinistra de pesadelos e sons excessivos". Pode bem ser, mas é o tipo de pesadelo que todo fã de eletrônica pesada vai querer enfrentar.

Chromeo

O electro cafajeste do Chromeo era uma das atrações mais esperadas pelo público do Sónar na madrugada desta sexta, em um show que só se comparou ao Kraftwerk em questão de quantidade de fãs. O objetivo do duo era um só: fazer a plateia dançar do começo ao fim. Mesmo enfrentando diversos problemas de som, com os instrumentos embolados e o microfone muito baixo, o Chromeo fez uma apresentação certeira mesclando o repertório de Fancy Footwork (2007) e Business Casual (2010), apelando para diálogos simples com a plateia e interações básicas como "faça barulho, Brasil!". Por mais bagaceira que seja o som do duo, o electro com pitadas de funk de seu repertório funciona extremamente bem ao vivo, criando camadas de groove e refrões explosivos difíceis de resistir. As vozes sintetizadas e todo o tom cafajeste obviamente trazem uma proposta camp e afetada - mas que, aqui, é tão proposital e bem humorada que acaba sendo perfeita.

Emicida



Elegantemente vestido, com direito a casaco de couro e tudo, Emicida subiu ao palco apresentando um formato novo de seu show, com MPC e guitarra além de projeções exclusivas no telão. Com um repertório variando entre novos clássicos – “E.M.I.C.I.D.A.”, “Vacilão”, “Triunfo” – e faixas recém-lançadas – “9 Círculos”, da trilha de Max Payne 3 – Leandro do Cachoeira esteve mais próximo de Kanye West do que nunca, num momento “maior que a vida” que de diferentes formas impressiona dentro da carreira de rápida acessão do MC. Enquanto sua crew circulava pela plateia vendendo a discografia completa – um pacote que saía por R$ 10 – no palco Emicida usava todos os artifícios em busca do show perfeito. Para um discípulo de Sun Tzu, cada batalha conta, e o Sónar foi conquistado com suavidade, incluindo aí um brado de dedos médios em riste convocando a plateia para mandar os políticos à puta que pariu em “Dedo na Ferida”.

Marky vs. Patife

Quase 20 anos depois do auge do jungle brasileiro na Toco – antes de chorarem o cavaco no drum’n’bossa fim de século – Marky e Patife, dois dos maiores nomes que a eletrônica brasileira já produziu, se encontraram no Sónar. Amigos de longa data, a dupla não quis saber exatamente de nostalgia, apesar de o público grande estar na vibe da tenda Movement (Skol Beats, lembra?). Seu set peculiar e incendiário ao mesmo tempo trazia desconstruções ao vivo de samples – incluindo até uma insuspeita “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso – apresentadas em meio a uma névoa de beats que ultrapassa a simples recombinação dos elementos do (os cinco segundos de música dos Winstons que inventaram o jungle / d’n’b) à caça de uma nova maneira de acelerar e embaralhar a mente dos dançarinos sem perder a síncope que garante o gingado do gênero. Essa recriação funciona de uma maneira quase espectral, uma vez que os graves são bem menos pesados que suas contrapartes britânicas – música sem corpo, puro fantasma na máquina. E ao mesmo tempo, enquanto diluíam tudo em seu favor, Marky e Patife mantinham no rosto os mesmos sorrisos que, afinal, marcaram toda uma geração de ravers, fritos, embalistas, cybermanos e outros personagens da fauna noturna paulistana dos anos 90.

Skream

Um terço do celebrado Magnetic Man, o produtor de dubstep Skream chegou ao Brasil com um set explosivo e cheio de recortes furiosos, que acabou trazendo de volta o público que já deixava o palco após o show do Chromeo. Em seus remixes e faixas, o produtor faz um dubstep sombrio, ameaçador, com cortes profundos entre as batidas, viradas inesperadas e graves dolorosos. Foi a partir destes elementos que, ao lado do MC Sgt. Pokes, ele fez o público dançar de maneira nervosa e sem ritmo, criando bons espaços entre as faixas e deixando a plateia respirar. O set de Skream funciona bem com os opostos: em certos momentos ele solta batidas pop, só para interrompê-las com graves violentos e versões remixadas de bases de outros produtores. A bipolaridade anfetaminada do artista funcionou bem para acordar o público, já que o show começou depois das 3h30, quando grande parte da plateia já deixava o festival. Todo o cuidado com seu set, entretanto, não evitou a cilada maior: Skream resolver finalizar sua apresentação tocando Nirvana e balançando a cabeça como um tiozão. O momento, desnecessário, já abriu espaço para o show terminar e o palco Sonar Club finalizar suas atividades com o set do produtor brasileiro Gui Boratto.

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