Miguel Atwood-Ferguson . O Erudito no Urbano

Arranjador de Fly-Lo, Ray Charles e Mulatu reflete o encontro entre o erudito e o hip-hop

POR DANIEL TAMENPI
publicado em 25.04.2012 16:42  | última atualização 31.05.2012 18:56

POR Divulgação

Miguel Atwood-Ferguson é um virtuoso no cenário da música urbana norte-americana atual. Com formação clássica em violino, levou a música clássica e erudita para o hip-hop ao orquestrar a obra de J. Dilla no disco tributo Suite for Ma Dukes, de 2006. Depois disso não parou mais e já tem um currículo invejável, tendo trabalhado com Flying Lotus, Ray Charles, Dr. Dre, Mulatu Astatke, Arthur Verocai e muitos outros. Prestes a lançar seu disco solo e o projeto Quartetto Fantastico, Miguel conversou com a Soma, contou sua história e falou de seus projetos passados e futuros.

Como começou o seu envolvimento com música?

Eu venho de uma família que ama as artes. Meu pai é um pianista e compositor extraordinário, que me expôs desde criança à música de todos os cantos do mundo. Tive bastante sorte. Quando criança, meus pais colocavam no repeat fitas de Beethoven, Bach, Mozart e Chopin e, como você pode imaginar, esse tipo de música teve uma influência significativa na minha vida. Música diversificada e muito bem executada foi a trilha sonora da minha vida desde o início. Meu irmão Joaquin tocava piano e estudava no Suzuki Institute. Lá, vi pela primeira vez crianças tocando violino. Falei para minha mãe ali mesmo que queria tocar violino, e meus pais eram legais o suficiente para me inscreverem nas aulas e me incentivarem a aprender o instrumento. Eu tinha quatro anos quando comecei a estudar violino.

“Somos todos nerds da música e das artes nas várias comunidades de onde viemos. Fazemos tudo pela diversão.”

Quando você teve essa ideia de envolver a música clássica com o hip-hop?

Eu adoro a exploração, através de expressões artísticas que inspiram e despertam a alma das pessoas. Escuto de tudo e ouço elementos fascinantes em praticamente tudo que escuto. Minha evolução musical foi dividida em gêneros: clássico europeu, pop americano, The Beatles, Motown, Jimi Hendrix, hip-hop, jazz, world music etc. Seria impossível não combinar todas essas coisas, especialmente pelo fato de a música ao redor do mundo ser tão incrivelmente boa! Que benção é a musica, né?! Que sorte poder criar e ouvir música!



Vamos falar sobre o projeto que me fez conhecer seu trabalho, Suite for Ma Dukes. O quanto J. Dilla influenciou sua música?

Suite for Ma Dukes surgiu pelo fato de eu e um de meus parceiros de produção, Carlos Niño, absolutamente amarmos a musica de Jay Dee. Estávamos planejando uma conversa com o Dilla na esperança de fazer um álbum orquestrado com ele. Ele morreu logo depois e estávamos tão decididos sobre esse projeto que resolvemos ir em frente de qualquer maneira. Carlos e eu lançamos nossa versão de “Nag Champa” no aniversário de Dilla, no ano seguinte à sua morte. Em seguida, lançamos o EP Suite for Ma Dukes e, um ano depois, o show com orquestra ao vivo. Eu diria que J Dilla me influenciou imensamente, de diversas formas. Sua dedicação, emoção, humor, confiança, perfeição, síntese de elementos/estilo etc. A lista é bem longa.

Foi um trabalho até então inédito no hip-hop. Como foi esse processo dos arranjos de samples para orquestra, e em quanto tempo ficou pronto?

É difícil responder a essa pergunta porque, de certa forma, tudo que já fiz levou a esse show. Só nos dois meses que o antecederam passei mais de mil horas preparando/escrevendo tudo. Com certeza o processo foi bem divertido, mas também bastante trabalhoso. Minha abordagem foi não tentar recriar o que o Dilla fez, mas, em vez disso, criar versões genuínas e interessantes com os elementos que tinha.

Todo processo foi acompanhado pela Ma Dukes? Como foi a reação dela com a proposta?

Maureen (a mãe de Dilla) é uma das pessoas mais legais e cheias de vida que eu conheci. Assim que ela ouviu nosso EP, nos apoiou o tempo todo e trouxe uma energia super boa e grande apoio espiritual durante todo o processo de criação do concerto. Eu a conheci minutos depois de ela ter ouvido o EP, e ela me cumprimentou com lágrimas de alegria. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.

“O Dilla foi a principal influencia do [Flying] Lotus. Ambos são visionários, mais interessados em expressão de qualidade do que no hype. São artesãos de verdade, sempre buscando desenvolver suas visões e aptidões.”

Você tem outros projetos com a mesma proposta?

Todo projeto que faço tem a mesma intenção. Se você se refere a outros concertos como tributo, a resposta é sim. Gostaria de fazer concertos em tributo a Jimi Hendrix, Stevie Wonder, John Lennon e John Coltrane, entre outros.

O Suite for Ma Dukes acabou entrando no TIMELESS da Mochilla, mas vendo todos os episódios percebe-se que você é peça fundamental também nos especiais com Mulatu Astatke e Arthur Verocai. Como foi trabalhar com esses dois gênios?

Foi uma grande honra e alegria. Tanto Mulatu como Verocai são seres humanos incríveis, não só músicos incríveis. Estar perto deles trabalhando em sua música, e junto com meus amigos, foi uma alegria enorme. Serei sempre grato por essas experiências.

Você participou também do último disco de Ray Charles. Como foi essa experiência?

Participei de duas gravações em que ele estava envolvido. Uma do filme Ray, intitulada “Genius Loves Company”, e outra que ele produziu para o artista Ellis Hall. Para o álbum de Ellis, gravamos no estúdio do Ray, com ele presente o dia inteiro. Esse foi, também, um dos grandes momentos da minha vida, um momento sagrado. Dois anos depois, gravei em seu último álbum, no qual ele não estava presente, mas sentimos seu espírito. Sabíamos que ele estava no fim da vida, e seu espírito esteve conosco durante toda a sessão.

Ultimamente você tem feito ótimas colaborações com Flying Lotus, no disco Cosmogramma e também nas apresentações memoráveis com seu ensemble. Como surgiu essa parceria?

Nós somos todos nerds da música e das artes nas várias comunidades de onde viemos. Fazemos tudo pela diversão e a incessante exploração e dedicação. Carlos Nino me mostrou a musica de Lotus antes que ele estourasse. Adorei as coisas dele instantaneamente e, logo depois disso, fizemos contato e descobrimos que somos muito parecidos de diversas formas e que gostamos de colaborar. Foram momentos divertidos trabalhando com Lotus. Mal posso esperar pelo próximo projeto com ele.



Vejo certas semelhanças entre Dilla e o Flying Lotus, como produtores e visionários. Você concorda?

Sem dúvida. Especialmente porque o Dilla foi a principal influencia do Lotus enquanto ele se desenvolvia. Ambos são visionários, mais interessados em expressão de qualidade do que no hype. São artesãos de verdade, sempre buscando desenvolver suas visões e aptidões.

Além do Verocai, você também ajudou o projeto Seu Jorge & Almaz. A música brasileira teve influência na sua vida e formação musical?

Eu simplesmente adoro o povo brasileiro e a música brasileira. Vocês são tão calorosos, sinceros, divertidos, cheios de vida. A música brasileira é a síntese de vários elementos que eu, pessoalmente, amo muito. De todas as músicas do mundo, a influência brasileira é a que eu revisito com mais frequência.



Além do Suite for Ma Dukes, vocês tem um outro projeto com o Carlos Niño chamado Build An Ark, que surgiu depois dos atentados de 11 de setembro e tem influências fortes da Arkestra de Sun-Ra. Fala um pouco mais sobre o Build An Ark.

O Build An Ark é um grupo maravilhoso por muitas razões. Ele reúne tipos diferentes de pessoas de uma forma muito harmônica. Fizemos um show incrível em comemoração aos nossos dez anos de formação algumas semanas atrás. A idade dos nossos músicos varia entre 5 e 82 anos, e inclui desde artistas que não trabalham com música o tempo todo até grandes mestres que moldaram a música moderna. É basicamente um coletivo cósmico de soul jazz, mas com muitas influências diferentes, como o clássico europeu, rock, hip-hop, world music, etc. A principal motivação do grupo é a intenção de elevar e de ser positivo, tentando inspirar nas pessoas a vontade de criar um mundo melhor.

“A música brasileira é a síntese de vários elementos que eu, pessoalmente, amo muito. De todas as músicas do mundo, a influência brasileira é a que eu revisito com mais frequência.”

Vi coisas novas suas com um quarteto de cordas intitulado Quartetto Fantastico, com arranjos eruditos para diversos ícones da música popular. É verdade que esse trabalho surgiu depois que o Dr. Dre te chamou pra participar do Detox?

O Quartetto Fantastico é um grupo que formei em 2007, em consequência de um pedido do Dr. Dre para que eu montasse um quarteto de cordas com que ele pudesse trabalhar. Fizemos um determinado número de sessões para ele antes que eu decidisse seguir em frente. Desde então, temos desenvolvido consistentemente nossa própria visão e estamos nos preparando para gravar o primeiro álbum com todas as nossas improvisações. Tocamos muitos estilos diferentes e temos um interesse particular em improvisação de grupo com um foco cinemático e espiritual.



Quais são seus novos projetos e lançamentos para o futuro?

Além do Quartetto Fantastico, estou focado principalmente em performances com minha orquestra de 16 peças e meu pequeno grupo de jazz. Flying Lotus me convidou para lançar meu primeiro álbum solo em seu selo Brainfeeder, o que estou planejando fazer assim que possível (Atwood-Ferguson também trabalhou em vários álbuns lançados em 2011, depois que esta entrevista aconteceu: The Golden Age Of Apocalypse, com Stephen “Thundercat” Bruner, Músicas Para Churrasco Vol. 1, com Seu Jorge, O Que Você Quer Saber de Verdade, com Marisa Monte e Renegades, de Mark de Clive-Lowe). Em geral, estou concentrado em desenvolver o máximo possível em diversas áreas. Recentemente, eu e meu amigo Austin Peralta decidimos começar um dueto, tocando músicas originais, mas também outras coisas em estilos diversos. Estou muito animado com tudo!


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