Test . Terrorismo sonoro na velocidade cinco

Com pressa na hora de gravar, tocar e compôr, dupla metaleira de SP toma de assalto as calçadas e a cena.

POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
publicado em 22.07.2011 14:26  | última atualização 12.09.2011 10:30

A dupla paulistana Test: de Kombi se vai longe. POR Samuel Esteves

O Test acabou de “recuperar” seu local de ensaios, um quarto nos fundos da casa do guitarrista e vocalista João Kombi (ex-Are You God? e Elma), depois que o vizinho que andou brigando com a dupla por causa do barulho se mudou da rua. No fundo de um longo corredor, com material de construção disperso pelo quintal (“estamos construindo um estúdio aqui”, explica o músico), fica a sala de ensaios, um pouco improvisada: uma bateria com um tom e um prato, um cabeçote valvulado para a guitarra e, fazendo as vezes de microfone, um megafone preso ao pedestal com fita isolante.


O que pode parecer precariedade na verdade é um efeito colateral da agilidade que caracteriza o trabalho do grupo paulistano. Formado apenas por João e Barata (também membro das bandas D.E.R. e Tri Lambda) na bateria, o Test começou no fim de 2010 e rapidamente ganhou fama na cena metal e grindcore com uma série de shows-relâmpago, realizados literalmente nas ruas. “A primeira ideia era montar a banda para fazer esses shows na calçada, mas a gente ainda não tinha equipamento, fomos juntando – e fomos juntando coragem também”, ri o vocalista.


Além de realizar “shows de abertura” tocando para a fila de fãs de grupos como D.R.I. e Slayer, o Test também invadiu a Virada Cultural e se apresentou do lado de fora do MIS depois que seu show no auditório do museu foi cancelado com dois dias de antecedência para dar lugar à mostra “90 Anos de Folha”. “Fomos substituídos por uma sessão de cinema com quatro filmes. No final, a sessão contou com um público total de duas pessoas, e o nosso show teve cem”, conta João. Dois equipamentos que não estão listados no mapa de palco da banda são essenciais na hora de tomar as ruas: um gerador vermelho, adquirido para a apresentação no MIS, e a Kombi branca de João, com a qual, além de carregar o equipamento da dupla, ele faz fretes durante a semana para levantar um troco.


A velocidade do grupo vai além das baquetadas com que Barata castiga sua bateria. A estrutura simples da dupla – que já foi chamada de “White Stripes do grindcore” em seu MySpace – foi idealizada desde o princípio para dirimir as burocracias da vida em banda. “Eu não sinto tanta falta de um baixo ou uma segunda guitarra, quando penso no drama de marcar ensaio, combinar show. ‘Você pode ir tal dia?’. Não tem muita treta quando são apenas dois”, explica João. “É bem menos discussão. Se tivesse um integrante a mais já era”, resume o baterista.


Dessa forma, além de tocar na rua, a dupla conseguiu gravar uma demo (Jesus Doom) e um EP (Carne Humana) com seis meses de existência. O método de composição e arranjo também é célere. “Você entra, turrum-tum-pá, aí fica essa parte crust e daí quando entra esse riff aqui você pira pra caralho”, orienta João durante o ensaio. “Faço o som meio que completo na minha cabeça e fico aberto às opiniões do Barata, mas normalmente ele concorda (risos). Dois caras é bom por isso, banda com vários caras é um sofrimento maior nessa parte. É mais fácil experimentar e ver que está uma merda em dois.”


A agilidade inclui a ausência de solos nas músicas (“não é porque a gente não gosta de solo, mas porque não tem capacidade”) e se tornou uma filosofia. “Vamos tentar fazer tudo com o menor trabalho possível. Porque no final você trabalha tanto para fazer as coisas... No Are You God? eu fiquei traumatizado, aquele lance de ficar mixando um CD por anos. O que a gente faz com o Test não é nas coxas, mas é o mínimo, só pra não ter mais complicação, pra fazer as coisas andarem mesmo”, teoriza o guitarrista. O método de gravação das faixas é resumido em uma frase: “A gente grava primeiro ao vivo, depois dobra a guitarra e põe o vocal”. E para isso não precisa de muito ensaio: os músicos tocaram duas vezes juntos antes de gravar a primeira demo, e as novas faixas, que vão entrar em um Split 4-way com os grupos brasileiros de grindcore Facada, Deranged Insane e Western Day, também foram gravadas após um par de encontros.


Somando as recém-gravadas quatro faixas, o repertório total do Test fica com onze músicas, o que vai dar mais liberdade à dupla, que costuma tocar apenas oito composições por show. As apresentações não passam de trinta minutos, “para não cansar a plateia”. “É muito barulho, o pessoal acaba enjoando – até nós mesmos, na hora de tocar. É melhor deixar o pessoal querendo mais”, explica Barata. O som do Test impressiona não só pelo volume, mas pelo ecletismo – pelo menos no campo do metal. Ecos de grindcore, death, black e thrash metal podem ser detectados a cada audição, mas a definição mais certeira vem do próprio vocalista/guitarrista: “A gente tem um monte de riff stoner, Black Sabbath mesmo, mas a bateria é blast!”.


Se na hora de subir no palco – ou na Kombi – o Test é só uma dupla, fora do meio musical eles contam com uma estrutura de dar inveja a muita banda “grande”. “Eu fico feliz de ter tanto amigo ajudando, nunca imaginei que ia tomar essa dimensão”, comemora João. O auxílio começa na hora de fazer as letras. “Eu não curto escrever letra, então chamei os camaradas”, explica o vocalista. “Uma letra quem fez foi o James, do Facada, outra foi um amigo meu, o Joaquim, que tá morando na gringa, uma terceira foi o Carlos, batera do Are You God?, que fazia as letras na banda, o Marcão do Lobotomia vai fazer uma letra também. Com o James é incrível, tem um método. Eu escrevo um inglês de mentira no e-mail, ‘Not to will be woll’, e ele manda, ‘ele te matou’. Ele consegue fazer o encaixe assim. O encaixe de vocal pra mim é mais importante que o conteúdo, mas os caras estão fazendo umas letras massa. E eles ficam meio livres também, duvido que ele faria uma letra assim para a banda deles, então eles curtem fazer”.


Para além das composições, o Test conta com apoio também no campo da arte. A capa de Carne Humana, que deve virar um vinil sete polegadas pela Travolta Discos nos próximos meses, é assinada por Danielone, artista e vocalista do Presto?, que também criou a estampa de uma das camisetas da banda. Dea Lelis também foi responsável por uma camiseta, enquanto Carol Scagliusi criou o cartaz da apresentação no MIS e o logo do grupo. Para registrar seus feitos, a dupla conta com mais apoio. “Um dos principais colaboradores é o Samuel Esteves, fotógrafo. Ele abraçou, quis vir junto no rolê. Todo show ele faz uma filmagem muito louca, sem ganhar nada. E o Tomás Moreira editou em uma semana o DVD do [show no] Espaço Impróprio, fez o clipe [de ‘Ele Morreu Sem Saber Por Que’] com as imagens do Samuel”, conta João. “Sem a gente pedir!”, completa Barata. “Agora eu estou tranquilo da parte gráfica, foto, imagem – sempre alguém vai fazer uma parada.” Samuel compartilha da empolgação do vocalista. “Com o João eu aprendi a não ficar parado, fazer logo, sem enrolação. É diferente das bandas com que eu estava acostumado, onde tudo demorava muito para acontecer, foi inspirador”, explica o fotógrafo, cujos cliques ilustram esta reportagem.


Com uma pequena ajuda dos amigos, o caminho do Test parece ser para cima. “O legal é que já tá rolando tocar em todas as cenas. O pessoal do crust, do metal, do death, do hardcore, uns straight edges. A gente sempre andou com todo mundo”, diz Barata. “Em seis meses a gente já conquistou um público do tamanho que a gente demorou anos para conseguir com as outras bandas”, analisa João. “Não sei se existe mais espaço que esse para o nosso som.” Apesar do ceticismo, o futuro da dupla parece ter grande possibilidade de transcender o confinamento do metal extremo. Não se assuste se, assim como invade as calçadas de São Paulo, o Test invadir seus ouvidos sem pedir licença.

 

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