Fotos por Diogo Andrade / Divulgação
Para quem já passou do primeiro quarto de século de idade, deve ser estranho constatar que os MCs pioneiros da geração internet brasileira são “old school” a essa altura do campeonato. Mas é a verdade, vamos admitir: a Academia Brasileira de Rimas (de Max B.O., Akin e Kamau) e o Quinto Andar (de Marechal, De Leve, Pai Lua e mais) influenciaram grande parte dos nomes do tal “novo rap”.
Matéria Prima, que já fez parte do Quinto Andar e também se juntou com boa parte dessa turma no Subsolo, é um dos principais nomes dessa geração em Belo Horizonte. Assim como Kamau, com seu recém-lançado ...entre..., o rapper mostra em seu novo EP, Material de Estudo, que a nova-velha-escola segue evoluindo e tem boas lições para mostrar para a gurizada. Conversamos com o Matéria por e-mail, e você pode ouvir o disco abaixo.
Clique aqui para baixar o EP Material de Estudo
Como você começou a ouvir rap? Qual foi o primeiro disco que você ouviu, comprou, pegou emprestado, afanou? Quem te influencia no rap?
O primeiro rap que ouvi é de um MC antigaço, chamado MC Shy-D. O nome do som é "Gotta Be Tough". Um camarada aqui da área vivia com um boombox no busão. Daí ouvi e perguntei o que era. O cara mostrou a capinha da fita e era Furacão 2000! Corri atrás e ouvi a música fita até gastar. Na época eu não tinha a mínima noção, mas pirei no flow do cara, saca só:
Depois comecei a andar de skate e começaram a chegar as pérolas: A Tribe Called Quest, Public Enemy, Black Sheep... Acho que tenho influência de todos eles e dos amigos que também fazem rap.
Por que Matéria Prima? Como conseguiu o nome? Quando você começou a rimar?
Foi um nome que escolhi porque tem uma coisa de ser cru e ser puro ao mesmo tempo, qualidades que posso atribuir a mim e ao meu som. E dentro disso, uso como uma forma de querer dizer que expresso minhas opiniões como matéria prima, e o produto final podem ser as suas conclusões, não é uma verdade absoluta. Comecei a rima a sério mesmo na época do Quinto Andar, por volta de 2000, mas lá por volta de 1996 já rabiscava umas rimas.
Qual foi a importância do Duelo de MCs na sua formação?
Eu o Léo, da Família de Rua [grupo que organiza o Duelo], somos amigos muito antes de ele pensar em se envolver com o rap dessa forma. E depois fui conhecendo os outros MCs que foram surgindo com os Duelos. Só sangue bom! Mas na mesma época em que o Duelo começou a tomar forma eu andava meio desanimado e afastado da cena. Depois a cena explodiu. Até hoje fico emocionado quando falo do Duelo no começo e como anda hoje. A influência do Duelo na minha formação foi me fazer voltar a acreditar um pouco mais. Salve, Família de Rua!
O EP se chama Material de Estudo. Como você escolheu o título? Pra quem você acha que o disco vai servir como material de estudo?
Conversando com o Kamau, comecei a falar da vontade de lançar um EP. Quando nos encontramos em Curitiba, pro show do Subsolo, ficamos por lá mais uns dias. Ele sugeriu: Material. Achei style, mas aí ia ficar uma coisa mais atribuída ao meu nome do que ao conteúdo do disco. Fiquei pensando e achei que podia ter algo mais. Daí me veio o nome Material de Estudo. Eu percebi, ao longo do processo, que podia experimentar outro tipo de escrita e outra sonoridade, uma coisa mais leve. Menos é mais, saca? Isso é um reflexo também de um momento em que a vida me pede mais objetividade, menos subjetividade. Não rola a pretensão de fazer uma parada pra estudarem (risos)... O lance é mais uma parada de experimentar do que de ensinar. Quando fazia parte do Quinto Andar e do Subsolo, minha busca era por beats mais obscuros, que sugerem mais introspecção na hora da escrita e uma forma mais complexa de escrever, tanto por influência de outros sons quanto pelo gosto por metáforas e referências literárias, etc... Mas não quis ficar preso a isso e me joguei nesses beats, que são bem diferentes dos que estou acostumado e que tinham um clima com uma tendência ou pro melancólico ou introspectivo. Nesse disco quis me voltar mais pra descrever uns cenários de BH, meio que dando mais referência pra cá.
Você reuniu um bom time de produtores para os beats do disco. Como foi trabalhar com essa turma? Você dialogou, deu instruções, ideias? Como você entrou em contato com os beatmakers de outros estados?
Na verdade eu já tinha alguns beats de alguns produtores, alguns bem antigos inclusive. Os do Nave, do Gurila e do Samam são os mais antigos. Já os do Cabes e do Coyote são os mais recentes. Acho que só alterei o andamento dos beats, nada mais. Conheci o Nave, Cabes e Renan através do trabalho que fazia com o Quinto e Subsolo, Coyote e Gurila são as cria daqui, daí já viu, né? Beat é mato! Esse disco é bem modesto, apesar de ter um time sofisticado.
O Cabes fortaleceu demais no processo. Fui duas vezes a Curitiba com o Subsolo e na primeira vez nos falamos e ele trouxe dois beats, um deles o beat de “Paraísos Artificiais”. Desde então começamos a nos falar, e, na segunda vez, já começamos a gravar o EP. Ele foi me orientando a fazer as coisas da maneira que seria mais proveitosa. Antes eu queria lançar o disco de uma forma que não ia valorizar o trampo, mas ele foi me guiando e me fez repensar o jeito que as coisas podem acontecer. Ele foi tipo um pai pra mim (risos).
Existe uma série de temas políticos abordados no disco, mas sem nunca tocar numa questão tópica direta, num acontecimento que não seja essencialmente pessoal. Como você prefere trabalhar esses temas no seu rap? Qual você acha que é o papel da política no rap hoje?
Sou de uma época em que o rap era mais uma expressão artística, e a geração mais engajada foi anterior à minha. Acho que sofro diretamente essa influência de grupos que dão mais ênfase à poesia e aos aspectos musicais do rap,c om algumas pinceladas de opinião mais politizada. Existe uma ala que reclama que o rap não é considerado música, mas não se permite ir além do protesto e dos assuntos que geralmente são tratados no gênero. E outra que quer só fazer o rap ser reconhecido como música e não toca em assuntos que devem ser abordados e nem se preocupa realmente em fazer um som de qualidade. Eu procuro um equilíbrio entre o discurso e a arte, sem ser maçante. O papel da política no rap seria deixar o povo mais atento às escolhas que são feitas e nas consequências dessas escolhas.
“Paraísos Artificiais” fala sobre drogas – maconha, no caso – e algumas experiências traumáticas. Você está falando de você mesmo ou se refere a algum personagem na letra?
Falo de mim e de outras pessoas ao redor que passaram pela mesma situação. Muita gente foi presa, morreu, sequelou, enfim... bad trip total. E ainda assim, muita gente que conviveu com esses incidentes embarca nessa. Mas a gente ajuda quando o outro deixa, não é mesmo?
“Descansar” fala sobre as virtudes do ócio. Você leva a vida na flauta ou rala mais do que gostaria?
Essa é a anti-correria. Na verdade,nessa música eu quero criar um clima de desaceleração. Primeiro te mostro uma imagem do caos e depois sugiro uma fuga possível pra uma paisagem. Desconectar de tudo um pouco da forma que puder e descansar o espírito. Quanto a ralar mais do que gostaria, porra, é como dizem na gringa: “don’t quit your day job”! Ainda não dá pra viver de música, então a gente tem que fazer hora extra. E eu faço de tudo um pouco, como todo brasileiro que se preza: de massoterapia a tradução, passando por drinks (mas continuo sem trampo. Tá foda,hehe).
Como você equilibra seu trabalho solo e o Zimun? Os dois projetos concorrem entre si?
Na verdade,não. O Zimun não interfere nos outros trabalhos e vice versa. Um fortalece o outro, na real. Até mesmo porque o Zimun permite que eu faça coisas que no trabalho solo não dá, por ser uma banda e expandir as possibilidades. Os instrumentistas têm uma formação muito diversa, daí a gente absorve um monte de coisas legais. Quem quiser dar uma sacada, confere o site:
O EP vai ter versão física? Onde o pessoal pode achar? Como é possível entrar em contato contigo?
Tem que rolar uns shows pra gerar um cash pro físico, então entrem em contato!!
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