R&B versão putaria . Leia segunda parte da entrevista com Terra Preta

Cantor fala sobre seu novo EP. "O Romance e a Melodia da Rua"

POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
publicado em 02.04.2012 10:53  | última atualização 02.04.2012 11:20

Terra Preta . O rei da rua, do romance e da melodia POR Fernando Martins Ferreira

Há duas semanas nós lançamos o novo EP do Terra Preta, O Romance e a Melodia da Rua, um trabalho de R&B ousado e pop ao mesmo tempo, pronto para mudar as regras do jogo no rap e na música negra do Brasil. Agora publicamos a segunda parte da longa entrevista com o cantor, em que ele fala dos seus últimos discos – a mixtape Milionário em Treinamento, o EP 1987 e o novo disco. Aproveite para ler aqui a primeira parte do papo.

Baixe aqui O Romance e a Melodia da Rua

E foi então que você decidiu fazer a mixtape?
 
Eu fiquei um ano vendo vídeo sobre Illuminati na internet. Eu fiquei pirando, um ano obcecado por qualquer livro, qualquer informação, que tivesse a ver com Illuminati, maçonaria e nova ordem mundial.
 
E qual foi a sua conclusão sobre isso?
 
Agora eu quero que se foda tudo isso (risos). Quando eu vi que eu perdi um ano eu falei, “que se foda essa porra toda!”. Terminou o ano e eu pensei, “caralho, véi, passou dois anos e todo mundo já deu um passo, só eu fiquei moscando”. Fui um dos primeiros a vender CD de mão em mão, e eu parei! Vendi meu CD pro Emicida em 2007. No final de 2010 veio esse despertar, tinha que tomar uma decisão. Conversei com um amigo meu de Atlanta, que estava passando um tempo aqui. Falei, “pô, quero viver de fazer música, quero ganhar grana”, e ele respondeu (imita sotaque de gringo) “cara, Lil Wayne gravou trezentas músicas no ano passado! Os caras trabalham muito”. Eu tinha acabado de comprar uma aparelhagem pra poder gravar em casa, som microfone. Eu vi que estava atrasado pra caramba, e queria dar meu primeiro passo de um patamar diferente. Se o Lil Wayne conseguiu gravar 300 músicas em um ano, eu resolvi gravar 300 músicas em um mês. E dali saiu a mixtape.


 
Todo dia eu acordava às seis da manhã e do mesmo jeito que eu passei 2007 escrevendo no Word, eu fiquei gravando músicas. Descobri que o Jay-Z e o Lil Wayne não escrevem a letra das músicas, eles cantam direto. Baixei um pack com 600 instrumentais gringos, das seis da manhã às seis da tarde. Teve um dia em que eu gravei trezes músicas. Eu fazia para desabrochar o meu artístico, desenvolver. Saí do zero a cem. Em dezembro eu estava com a mixtape pronta, com 22 faixas. Não selecionei nem as melhores, mas as que eu mais gostava. Eu tinha acabado de ler um livro chamado O Poder da Mente Milionária (risos), esse livro é foda, tipo O Segredo, e essas brisas mexem muito com a minha mente.
 
Eu tava lendo o livro e deixei essa frase no MSN, “milionário em treinamento”. Apareceu alguém e perguntou, “o que é isso, é uma música nova?”. Pensei, “vou fazer uma música mesmo”, criei na hora. Eu fiz em uma hora, que era meio o tempo que eu tinha para gravar cada uma das músicas. Tem música que era “são nove e quarente e eu tou aqui, na frente do computador, rimando” (risos). Eu não tinha mais do que falar, falava de qualquer coisa. Ali eu aprendi a fazer música de qualquer tema.
 
Você ainda tem tudo isso gravado?
 
Tenho sim, 1,5 GB de música gravada. Tem muita porcaria, muito lixo.
 
Como foi a recepção de Milionário em Treinamento?
 
O assunto “Milionário em Treinamento”, no meio underground, era ambicioso demais. Só que estava certo sobre a ideia, estou certo até hoje. É muito desafiador, tipo, “pô, você tá querendo pagar de pimp aqui no Brasil?” (risos). Mano, tem que ser milionário, cansei de sofrimento. Eu sempre ouvi isso, “aqui não é Estados Unidos”. Eu falava, “mano, quero lançar um mix de seis em seis meses” – “aqui não é Estados Unidos”, respondiam. “Quero vender 10 mil CDs” – “aqui não é Estados Unidos”. Porra, então se aqui não é Estados Unidos não vamos fazer porra nenhuma. O Luan Santana tá lá fazendo, caralho, ganhando 250 mil num show, e aqui não é o Estados Unidos. Ele não pensou nisso quando foi fazer. Cheguei agora em quase seis mil cópias da mixtape. Muita gente, crítica, não curtiu, embora tenha curtido outras coisas da mixtape.
 
Você voltou para o jogo com a mix?
 
Voltei. Dei o primeiro passo. Não posso dizer que me firmei, mas mostrei que estou aqui para brigar por espaço.


 
E então você fez o 1987, que é um trabalho curioso, um dos poucos discos recentes na música negra nacional com esse aspecto retrô em relação ao pop dos anos 80. Por outro lado, você nasceu em 1987. Como foi criar esse 87 imaginário?
 
Eu imaginei como que era você pegar um ônibus em 1987, do Capão Redondo até o Centro, trabalhando de office boy, levando um currículo, com o sapato engraxado. Na música “Cultura de Rua” eu conto a história de um cara que conhece o hip hop na São Bento assim, levando um currículo. Chegando lá, um trombadinha (chamavam assim na época) bateu a carteira dele e ele ficou perdido por ali e caiu na São Bento. Depois que eu fui saber que caras como o KL Jay foram conhecer a São Bentro trampando de office boy. Imaginei como era você morar numa época pós-ditadura quando tinha a Rota na rua, tinha os grupos de extermínio, uma certa lei policial. No relacionamento, na música “Só Mais Uma Noite”, como era namorar na época, pedir para o pai da namorada, ter que ter um emprego. Hoje você pode ser vagabundo e ter uma namorada, não? (risos)
 
Tem também um trabalho com os timbres do disco, uma pesquisa
 
Nos meados dos anos 2000, eu e o EZ – o Ezequiel, aquele lá – a gente ficava escutando Kurtis Blow, 2Live Crew e uns LPs de coletâneas de rap. A gente não tinha aparelho de CD, tinha que pegar emprestado com alguém e sempre estava quebrado, então a gente escutava vinil. Até porque a gente viu no Yo! MTV que o pessoal ouvia vinil, então a gente queria ouvir vinil também, “vinil é da hora”. A gente achava a levada do Kurtis Blow zoada, muito antiguêra, muito quadrada. Mas pe engraçado, tem um bagulho, uma magia, “these/ are/ the breaks”, que nem “eu/ não/ a-cre-dito na/ polícia”. Na época eu falei pro EZ, “um dia eu vou gravar um disco todo assim”. Mas eu tinha 15 anos, não sabia nem como dar REC, imagina saber como era um estúdio por dentro.
 
Anos depois eu estava gravando um clipe em Floripa e me deu esse estalo. Eu queria ter lançado um disco no meu aniversário, em julho do ano passado, produzido pelo Stereodubs – que vai sair agora. Não rolou porque eu estava numa correria de vender mixtape na rua e acabei ficando seis meses sem gravar música, pra me sustentar. E pensei, pô, quero me presentear e presentear também o rap. Aquelas levadas eu nem precisei estudar.
 
Você nasceu em 1987, certo?

Isso, 7/7/87. Eu quero que os caras que curtem a minha música hoje, que têm a minha idade, tenham pelo menos a sensação de como era o rap. Não era quadrado, era dançante. Tinha uma linguagem para se divertir. As pessoas acham hoje que o rap é para falar um monte, para ver quem é o dono da razão. Não, o rap começou com as pessoas se divertindo nas quebradas, com as pessoas querendo pacificar brigas entre gangues, se juntado para fazer uma festa, uma batalha de dança. E eu quero que quem curte meu som hoje saiba disso. Por isso é um presente. Eu coloquei os nomes que fizeram a cultura acontecer aqui no Brasil. Aquela musicalidade estava na minha cabeça. Falei pro EZ, “vamos fazer o disco”. Dois dias depois os instrumentais estavam prontos, ele catou os samples e fez o bagulho certinho. Foi a combinação perfeita. Eu comecei a escrever as letras e comecei a rir muito, porque tudo parece uma piada no disco. Na música “Coração de Vidro”, depois do refrão eu falo, “ai, eu fui um estúpido” (risos). São gírias que a gente não fala mais hoje. Tipo você xingar alguém de “bobão”.

~
 
Comecei a dar risada de como a magia dos anos 80 era foda. Hoje a gente tem acesso a tudo, a internet nos deu essa possibilidade, esse leqeu de conhecer tudo – e ao mesmo tempo não, você fica o dia todo lá no Facebook, sem fazer nada (risos). Quando eu estava gravando eu percebi como era ser inocente nos anos 80, como era ser pau mandado do governo. Eu entendi porque o Collor foi eleito, fazendo as músicas. Porque o povo era muito besta! (risos). É verdade, era inocente demais. A gente deu um passo de 2000 pra cá, é outro mundo. Com isso eu pude entender.
 
Você acha que alguém vai voltar enganar o brasileiro assim?
 
A favela ganhou uma malícia... O Racionais foi uma das coisas mais fodas que aconteceu na estrutura do pensamento da população pobre de São Paulo. Antes a polícia, mesmo no aspecto mais violento que ela pudesse ter, era respeitada. Depois do Racionais ela perdeu o respeito. Na época você sair com aquelas camisetas Bad Boy na rua, batendo em todo mundo, queimando índio na rua, era da hora. Depois do Racionais isso passou a ser zoado. O cara da quebrada começou a ter valor. Teve aquela divisão, “olha os boy e olha nós”. Antes o pobre praticamente não existia.
 
Por que você escolheu o R&B como tema desse EP?
 
Não foi escolha, foi parte do que eu vinha fazendo. Parte desse trabalho ainda inédito com o Sterodubs já estava vindo numa linhagem toda R&B. Quando eu comecei a gravar músicas em quantidade, percebi que as partes cantadas ganhavam muito destaque e ficavam muito loucas, e eu fui começando a me acostumar. O R&B foi ficando mais forte e faz parte da minha identidade artística.
 
E que artistas de R&B você ouve? Em quem você se inspirou para fazer esse disco?

Nesse disco eu estava ouvindo Trey Songz e... E o resto é rap, Lil Wayne. Eu gosto muito de levada de rap, é a coisa mais incrível que tem, é tipo improviso de jazz. Ficar brisando num improviso do Charlie Parker, saca? Eu adoro levada, mas quando eu vou fazer uma música, sai um R&B. Eu escrevo na métrica do rap, mas sempre coloco uma melodia. Eu sinto falta da melodia. Eu amei 2Pac desde a primeira vez que eu ouvi porque ele sempre chamava um cantor para fazer o refrão. Eu ouvia e ficava esperando o refrão, para cantar junto, imitar a voz. Achava incrível.
 
Esse ano você só ouviu Trey Songz, mas antes?
 
Ah, R. Kelly, o rei, cafetão máster. Beyoncé eu gosto muito, é zica. Alicia Keys, extraordinária. Rihanna eu acho extraordinária, apesar de algumas músicas sejam irritantes – mas eu gosto até delas. Se eu estiver ouvindo Jovem Pan e estiver tocando Rihanna, eu deixo, acho da hora. Eric Roberson, que é mais neo-soul, refinado. Sem contar os antigos: Marvin Gaye, Al Green, Stevie Wonder, William Bell, Temptations, The Manhattans – que eu cantei no Astros. Só que na minha adolescência eu ouvi Rage Against the Machine, Gravediggaz, só rap pesado. Eu sabia todas as levadas, só no embromation. O Terra Preta é um rapper com conhecimento do soul, da parada melódica. A minha ideia em fazer o A Melodia e o Romance da Rua era tirar o lado besta do R&B, o lado “meu amor vem aqui vamos viver para sempre”. Não, vamos colocar putaria do R&B.
 
Esquema R. Kelly mesmo
 
Sim, foda. Eu ouvia uma música do R. Kelly e achava romântico, ia ver o clipe, era uma zona. Eu ouvia Bone Thugs-N-Harmony, as pessoas pedindo as músicas indicando para a namorada. Eu via a tradução da música e o refrão falava, “meu mano morreu/ meu mano morreu”. Porra, “meu mano morreu” indicando pra namorada? Aí eu entendi a sacada do americano: não importa para ele a letra da música, a melodia tem que ser foda. Bone é isso, uma linda melodia falando do cara de deu uns tiros no outro na esquina, que o cara fugiu da polícia, cantando tudo de uma forma bonitinha.


 
O brasileiro não entendeu isso, acha que se ele for fazer uma música com uma temática mais pesada, a cara dele tem que ser do cão chupando manga, se for fazer um clipe tem que ser tudo escuro, o design tem que ter uma fonte horrível com umas letras de vampiro. Quando eu fiz a música “Fumando Um”, por exemplo. Eu não fumo!
 
Como assim?! A galera vai te chamar de poser
 
Vou te explicar. Quando eu tinha 13 anos eu tinha um pé de maconha de um metro, desse tamanho. Eu e o EZ. A gente nunca fumou. Tinha uns amigos meus que eram mais gangsta, andavam armados o tempo todo, que fumavam maconha, com 14, 13 anos. Mas o nosso grupo achava que era revolucionário, então decidimos que nunca iríamos beber, fumar ou usar qualquer tipo de droga. Mas eu sempre andei com maconheiro, vários dos meus melhores amigos fumam. Não tem um lugar em que eu vá que não tenha alguém fumando maconha, é incrível, eu sou perseguido. Eu sempre tive vontade de fazer uma música sobre isso, me imaginando fumando maconha, é uma homenagem para os meus camaradas. Sempre falei, “vou fazer uma música para vocês”.

E “Transando a Noite Inteira”, você quis ser o novo Wando?

(Risos) Só se for um Wando perverso (risos). Várias músicas eu já usei como trilha sonora para meter. Marvin Gaye é perfeito, qualquer música dele você faz um filho (risos). Se você pegar Bone Thugs, tá falando do “meu mano morreu” mas você tá lá, transando (risos). Toda música eu imagino um clipe para ela. Eu fiz a mesma coisa com essa música, me imaginei tocando na garota, todas as relações que você precisa para chegar ao orgasmo, é isso que eu quis passar para as pessoas. Muita gente não vai entender, “pô, esse cara tá fazendo música de sexo?!”. Mas pô, todo mundo faz sexo!

tags:
 terra preta, o romance e a melodia da rua

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