“Uma obra de arte feita na solidão é uma coisa, uma obra oferecida ao público como Inhotim oferece é uma riqueza que traz riqueza à arte, a quem a experimenta e constrói possibilidades novas de se viver, expande nosso campo existencial.” A análise de Tunga, um dos grandes nomes da arte brasileira hoje, sintetiza à perfeição o que faz do instituto mineiro um lugar único no mundo. Construído em uma gigantesca área de 2 mil hectares – dos quais 110 são visitáveis – na diminuta Brumadinho, Inhotim é muito mais do que um museu: trata-se de um lugar à parte da civilização, em que natureza, paisagismo, arquitetura e arte contemporânea se unem para criar uma experiência humana que extrapola em muito o que normalmente se entende por fruição da arte.
Leia entrevista com Tunga aqui.
Um dos lagos de Inhotim, com obra de Hélio Oitica ao fundo. Por Fernando Martins Ferreira
Em constante expansão, Inhotim inaugura na próxima quinta (6) uma série de novas galerias e obras que a Soma foi convidada a conhecer. Os lançamentos fazem parte de um esforço curatorial por aumentar e diversificar a já generosa oferta de atrações do instituto – em 2012, o local recebeu shows de Criolo, Hermeto Pascoal e John Luther Adams, por exemplo –, com o objetivo de atingir diferentes tipos de público.
Entre as novidades está um suntuoso prédio de 2800 m² dedicado às obras de Tunga, erguido literalmente do nada no meio de uma área de mata nativa reflorestada.
Quem também ganha galeria permanente é Lygia Pape, um dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira e integrante da vanguarda neoconcreta na segunda metade do século XX, ao lado de Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Detalhe da obra Ttéia. Por Fernando Martins Ferreira
Completam os destaques a espanhola Cristina Iglesias e o cubano Carlos Garaicoa, que inauguram instalações site-specific – sempre obrigatórias em Inhotim –, e a versão anual da Galeria Mata, instalação temporária do acervo do museu, que nesta edição inclui trabalhos de Edward Krasinski (Polônia), João José Costa (Brasil), Juan Araujo (Venezuela), Léon Ferrari (Argentina), Luisa Lambri (Itália) e Mateo López (Colômbia).
Confira abaixo uma seleção comentada das novas atrações e leia aqui uma entrevista com Tunga, concedida durante a visita da Soma. Se você já conhece Inhotim, esta é a desculpa que esperava para voltar. Se ainda não conhece, um conselho de amigo: programe-se para visitar o quanto antes. Em uma época tão carente de mudanças como a nossa, ver de perto uma utopia colocada em prática é algo transformador.
Lygia Pape
Apesar de ter sido concluída na última fase da carreira da artista, morta em 2004, a instalação Ttéia começou a ser gestada nos anos 1970 e está ligada diretamente à sua vivência no neo-concretismo, um dos movimentos mais desafiadores e originais da arte brasileira no século XX.
Os fios dourados, organizados em formas cúbicas que remetem a fachos luminosos, partem das referências geométricas do concretismo tradicional em direção a um experimentalismo sensorial, marca da ruptura do grupo formado por Lygia, Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Lygia Clark e outros com os concretos, na virada dos 1950/60.
Em formatos e disposições diferentes, a obra já foi exposta na Bienal de Veneza (2009), no museu Reina Sofia, em Madri, onde a artista ganhou uma retrospectiva individual em 2011, e na Estação Pinacoteca, em São Paulo, no primeiro semestre de 2012. Em Inhotim, Ttéia foi montada em sua versão mais completa, dentro de um prédio construído exclusivamente para abrigar as obras de Lygia – o próprio edifício, aliás, é uma atração à parte.
Do lado de dentro, a sala completamente escura estimula ainda mais os sentidos, criando um ambiente contemplativo no qual por vezes se perde a noção de direção. O templo definitivo para o que talvez seja a obra prima de um ícone da arte brasileira.
Fachada da Galeria Lygia Pape. Por Daniela Paoliello/Divulgação
Entrada da Galeria Lygia Pape. Por Fernando Martins Ferreira
Cristina Iglesias
Montada no meio de uma clareira, a obra Vegetation Room Inhotim (2010-2012) se soma a outras do Instituto que estabelecem um contraponto imediato entre natureza e arte – como as impressionantes instalações de Matthew Barney, por exemplo.
Vista externa da instalação De Lama Lâmina, de Matthew Barney por Fernando Martins Ferreira
Ao contrário de Barney, no entanto, a artista espanhola explora o contraponto pela semelhança: construídas em aço inoxidável, as paredes externas da obra refletem a natureza em volta, por vezes se confundindo com ela.
por Daniela Paoliello/Divulgação
Nas laterais, portas convidam o visitante a adentrar corredores com paredes cobertas por relevos inspirados em padrões vegetais. No conjunto, é como se as portas flutuassem no meio da mata, transportando o observador a uma realidade em que a natureza é reinventada pela artista.
por Fernando Martins Ferreira
por Daniela Paoliello/Divulgação
Galeria Mata
Ao longo do ano, parte do grande acervo de Inhotim é dividido e exibido em quatro galerias temporárias. Em um exercício ao mesmo tempo curatorial e educacional, cada edição das galerias apresenta obras selecionadas segundo novos recortes e interpretações, priorizando o diálogo entre gerações, linguagens e nacionalidades.
Em 2012, a sala inicial da Galeria Mata foi organizada em torno da noção de construção e reúne trabalhos do brasileiro João José Costa (pioneiro da vanguarda construtiva nos anos 1950, com o Grupo Frente), do colombiano Mateo López, da italiana Luisa Lambri e do venezuelano Juan Araujo.
Detalhe da obra El Palacio de Papel, do colombiano Mateo López. Por Fernando Martins Ferreira
Um dos destaques são as heliogravuras do argentino Léon Ferrari. Produzidas no final dos anos 1970, durante o período que o artista passou no Brasil, as obras são feitas em papel de desenho técnico e dialogam com a linguagem minuciosa das plantas arquitetônicas. No lugar de paredes e cômodos, no entanto, o artista representa situações humanas que remetem à repetição, à falta de identidade e ao comportamento gregário. Com forte ligação ao universo do desenho, o trabalho de Ferrari várias vezes remete ao do quadrinista Chris Ware.
por Daniela Paoliello / Divulgação
por Daniela Paoliello / Divulgação
Galeria Tunga
Tunga é daqueles artistas cuja experiência contemplativa não se esgota nas suas obras: basta passar 10 minutos ao seu lado para perceber que tudo nele transpira arte, da análise de um trabalho seu a comentários aparentemente banais. A imensa galeria exclusiva erguida em sua homenagem (2800 m²) vem não apenas dar o reconhecimento devido, em vida, a um artista da sua magnitude, mas também a alguém diretamente ligado à história de Inhotim. O que se tornaria o primeiro pavilhão do instituto foi construído para abrigar uma obra de Tunga, ainda nos anos 1990.
O artista explicou a concepção do espaço em detalhes para a Soma, leia aqui.
por Fernando Martins Ferreira