O artista paulistano Herbert Baglione inaugurou no início do mês, no Museu de Arte Contemporânea de Bogotá, na Colômbia, a exposição Obituary. Como se encenasse a própria morte – ou ao menos, registrasse o próprio obituário – Baglione realiza uma cerimônia de desapego, reescrevendo a sua biografia a partir de momentos chave, utilizando instalações, pinturas, fotografias pessoais, desenhos da juventude. Além disso, Herbert realizou uma série de fotos chamada Projeto Negro em parceria com o brother da Famiglia Baglione Fabio Stachi.
A ideia por trás da expo é enterrar as influências e experiências de vida que guiaram o trabalho do artista até agora e abrir o caminho para novas ideias. Além das técnicas e materiais mais comuns, Herbert também pintou usando o próprio sangue, retirado durante uma performance no próprio museu. Luca Brasi, da Upper Playground, entrevistou o artista e nós publicamos aqui uma versão em português do papo. Leia a entrevista abaixo e confira mais da expo na galeria ao lado.
Por que você usou sangue desta vez?
Basicamente meu trabalho tem uma forte ligação com a morte, e claro, o existencialismo. Eu poderia fazer as mesmas pinturas em outra técnica, como acrílico ou óleo, mas estes materiais me distanciariam do ritual que eu busco, que é minha essência, assim também foi quando comecei a pintar em preto e branco. O que eu quis com este trabalho é estar em contato mais profundo com coisas que vão se perdendo ao longo dos anos, por conta da velocidade da informação e do mercado. Nossos hábitos cotidianos estão mais frios e somos escravos do sensacionalismo e em partes este trabalho também questiona isso.
Fale mais sobre o trabalho e o contato com o seu próprio sangue.
É um trabalho intimista, fiz pela necessidade de fazer e de provocar um novo caminho no meu processo criativo. Existe uma diferença muito grande em sentir o cheiro da tinta a óleo e sentir o cheiro do próprio sangue. A percepção do próprio trabalho muda. Isso infelizmente é algo que só eu pude ter contato enquanto pintava, e a experiência muda para o espectador que vê a tela ao vivo e muda mais ainda para as pessoas que veem ela pela internet ou impressa em revistas.
Existe uma grande diferença em querer mostrar a sua técnica e se desprender de tudo aquilo que você aprendeu e fez durante anos para experimentar um outro meio. Acredito que, como artista, não devo me condicionar a um único caminho ou seguir um estilo, isso é pouco estimulante para mim. Durante o processo de tirar o sangue, tem uma modelo que está ali com as pernas cruzadas sobre você. Para mim, sinceramente, não faz muito sentido.
Estou falando nesta exposição de rituais, processos de transformação, desprendimento e fé. Elementos que fazem parte do meu obituário. As religiões estão perdendo seu espaço dentro da sociedade contemporânea. Tecnologia, moda e arte são elementos chave para a nova fé. Estamos vivendo o culto ao universo criativo. Se você notar, eu estou atado em todos os sentidos por 40 minutos. Em um braço estão tirando meu sangue, que foi minha matéria prima para criar, em outro estou com soro e atrás de mim a modelo me abraçando com as pernas. Ela simboliza a imposição das tendências de moda que fazem tirar o meu foco daquilo que realmente importa. A arte questiona e a moda de uma maneira geral impõe, e tudo isso está conectado.
E as pichações ao fundo?
Assim como o sangue, busquei minha raiz na rua. E a pichação foi o que me chamou a atenção antes de começar a fazer graffiti.
Existem mais elementos neste trabalho? Quais?
Sim. Debaixo da garrafa com sangue está uma camisa com o logotipo da escola que estudei (Escola Técnica Walter Belian), onde tive meu primeiro contato com o universo da contracultura e que eu trago comigo até hoje. Um dos pés da maca está apoiado pelo livro de Albert Camus, O Estrangeiro, que foi um dos livros que mais me chamou a atenção em um momento da minha vida que me vi sem rumo. Neste momento sem rumo foi a minha base para o experimentalismo e o desprendimento e isso é o que estou buscando retomar.
Qual é sua ligação com o universo do black e do death metal?
Gosto de poucas bandas do gênero, e não gosto do Obituary. O uso do nome coincidiu com todo o processo de busca.